domingo, 5 de junho de 2016

Delatores já são figuras obsoletas. Basta acessar a "nuvem": os dados estão todos lá... É só apontar o mouse-duro

por Omelete
O Brasil vive uma era de exaltação ao dedo-duro. No caso, cúmplices que livram a cara e ainda, pelos acordos, receberão milhões referentes a um percentual recuperado do total que ajudaram a desviar.

Sem entrar no mérito, ou demérito, caso a caso, a verdade é que a figura do 'cagueta' virou moda agora mas é frequente na história e no comportamento da brasileirada. Calabar, aliado dos portugueses, achou que Maurício de Nassau e a Companhia das Indias Ocidentais desembarcaram em Recife com mais grana do que os patrícios, com jeitão de quem vinha pra ficar, e passou a dar informações aos gringos. Deu-se mal porque portugueses, índios e negros se juntaram em Guararapes e botaram os holandeses pra correr.
E Calabar foi ser X-9 no céu.

Na Torre do Tombo, em Lisboa, há cartas que denunciam à corte mutretas de donatários nos tempos coloniais. A sangrenta Inquisição também montou uma vasta rede de delatores, que abasteceu de "hereges" prisões, salas de tortura e forcas, inclusive do Brasil Colônia. A delação institucionalizada sempre se ampara em "boas causas". No caso da Inquisição, matava-se e esquartejava-se em nome de Deus. Quer motivo maior?

A Bocca della Veritá, na entrada da igreja de
Santa Maria em Cosmedin, em Roma.
A boca recebia denúncias anônimas,
mas tinha o poder, segundo a lenda,
de morder quem estivesse mentindo.
A prática da 'caguetagem' tem dois símbolos universalizados: a Bocca della Veritá que, em Roma e Veneza, recebia denúncias anônimas, na maioria sobre conspiração, adultérios e bruxarias; e o indicador apontado, o célebre dedo-duro, o logotipo dos X-9.

Antes do golpe de 1964, organizações civis como o IBAD (Instituto Brasileira de Ação Democrática) e o IPES (Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais) incentivaram a delação de "comunistas" e montaram um rede de informantes, alguns até remunerados, que atuava em todo o país. É famosa, já sob o golpe, a devassa que houve na Rádio Nacional, poucos dias depois da derrubada de João Goulart, com demissões de "subversivos" com base em listão fornecida por colegas dedos-duros. Uma prática que foi reprisada em todo o Brasil, em centenas de repartições e até empresas privadas.

Na ditadura militar, a delação foi institucionalizada e, apesar de cada ministério e autarquia ter seu "serviço secreto" para vigiar servidores, foram recrutados dedos-duros avulsos em vários setores. Ser informante contava pontos no currículo para promoções ao longo da carreira.

No meio privado, em empresas e instituições, a delação também ganhou força. Arquivos liberados, hoje, no Rio e em São Paulo, revelam detalhes de reuniões estudantis, por exemplo, às vezes, meras discussões sobre jornaizinhos mimeografados sem grande expressão, com claros indícios de que, mesmo ali, entre jovens adolescentes, havia informantes infiltrados. Em várias redações, uns sujeitos suspeitos  eram geralmente contratados como "assessores". De fato, nem eram "suspeitos" já que pareciam "espiões portugueses" de óculos escuros, chapéu, bigode postiço e crachá indicando a função, tal a pinta que davam. Recentemente foram revelados documentos do Exército que pedem a atenção dos serviços de segurança a uma "campanha" promovida por alguns jornalistas contra "artistas colaboradores da Revolução". O documento sugeria que tais figuras estavam sendo perseguida por "subversivos" infiltrados na mídia. A mesma mídia, aliás, que também aderiu à caguetagem. O livro "Golpe de Estado", de Palmério Dória e Mylton Severiano, diz que o Globo denunciou 223 intelectuais que, segundo o jornal, "trabalhavam ativamente pela implantação do regime comunista no Brasil". Em dezembro de 1968, uma espécie de quadrilha institucional se reuniu para assinar o AI-5, que entre outras coisas suspendia direitos públicos e privados, incluindo aí a privacidade.

A tecnologia tende acabar com a figura, digamos, folclórica, do delator em modo artesanal. Como a agência norte-americana de espionagem, a NSA, já provou, smartphones, computadores, tablets, redes wifi, câmeras, rastreadores e uma infinidade de gadgets podem facilmente revelar mais informações sobre determinada pessoa do que um delator "pessoa física" jamais seria capaz de fazer. Todas essas informações ficam arquivadas em centenas de HDs. Um agente como o 007 cruzava o mundo em busca de uma informação. Hoje, Sua Majestade economizaria milhares de libras em passagens aéreas. Com um simples clique, James Bond pesquisaria todas as informações pedidas pelo M-16.

Pode crer: o dedo-duro como o conhecemos hoje já é obsoleto.

A delação, não. Basta consultar a "nuvem".

Os dados estão todos lá, de graça, em cumulonimbus carregadas, só esperando a hora da tempestade. Nem precisa premiar as delações. É só acionar o mouse-duro.


3 comentários:

Benassi disse...

Moralmente, delatores são desprezíveis. Podem ser úteis em investigações mas é imoral também que sejam remunerados para isso com o próprio dinheiro que ajudaram a desviar. Na prática lavam o dinheiro ilícito. Um deles, o tal do doleiro, já é a segunda vez que faz delação premiada. O doleiro vai acabar fazer da caguetagem um profissão lucrativa.

J.A.Barros disse...

A cacuetagem, me parece – como é modismo agora – fazer parte da cultura brasileira. Nos tempos da era getuliana – no Estado Novo – havia um artigo na Carta da ditadura um artigo, se não me engano era o artigo 47, que sob ele qualquer cidadão poderia denunciar um outro de comunista. Cito isso, porque um tio meu, que era funcionário público da Secretaria da Fazenda, sofreu essa denuncia e foi preso e encarcerado num presídio que existe até hoje, em Niterói. Com o fim da ditadura, meu tio pode entrar na Justiça com uma ação contra o estado e retornar ao serviço, como fiscal de renda e receber todos os atrasados de seus salários.

J.A.Barros disse...

Acionar o mouse-duro ou os "grelos– duros" das mulheres petistas conforme o apelo – num momento de fúria – de um ex-presidente do Brasil