segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Grande Joel! • Por Roberto Muggiati


Joel Barcelos (1936-2018)
por Roberto Muggiati
Escrevo uma mera nota de pé de página à biografia do ator e militante Joel Barcelos, morto no sábado, 10 de novembro, em Rio das Ostras, RJ, aos 81 anos.

Em julho de 1962, eu estava em Curitiba, de volta de dois anos em Paris, mas já com um pé em Londres, com contrato assinado para trabalhar no Serviço Brasileiro da BBC. Rolava em Curitiba um megaevento cultural e político que aqueceu de uma maneira insana o inverno da cidade. Para lembrar os que já esqueceram e informar aos que nem eram nascidos: Jango Goulart, o vice que, depois do tresloucado gesto de Jânio da Silva Quadros, assumiu a Presidência da República, sob resistência das alas reacionárias, tentava conviver com um regime parlamentarista canhestro, o Brasil nunca tivera familiaridade com estas políticas civilizadas. Agitação nas ligas rurais, nos sindicatos, nos transportes e nos portos, nas famílias católicas e, principalmente, entre os estudantes.

Foi nesse quadro que surgiram os Centros Populares de Cultura, os CPCs, organizadíssimos e associados à União Nacional dos Estudantes (UNE). Sua atuação básica consistia em criar e divulgar uma "arte popular revolucionária” e exigir do artista que ele fosse “engajado”.

O evento de Curitiba centrava-se em teatro e artes cênicas. Joel Barcelos era um dos manda-chuvas dos CPCs. Alguém soprou para ele que eu tinha diploma de inglês de Cambridge (o Proficiency da Cultura Inglesa), então ele me chamou às armas. Recebeu-me numa sala de escritório (provavelmente cedida por um daqueles “bons burgueses” da época). Foi direto: intimou-me a dar uma palestra provando que Shakespeare e o seu teatro eram comunistas. Topei – por que não? – ele estava coberto de razão...

Ileana Kwasinski
No dia marcado para a aula magna, no esqueleto do Teatro Guaíra, ainda em construção, aparecem-me duas gazelas extraviadas: Leila Santiago de Oliveira e Ileana Kwasinski. Sem maiores dificuldades, provei às duas que Shakespeare era comunista, sim! Ileana deve ter acreditado na minha lorota e já no ano seguinte estreava como atriz na peça de Millôr Fernandes Um elefante no caos. Teve uma bela carreira no cinema, teatro e TV, casou com o ator Claudio Correa e Castro, com quem teve um filho, pena que o câncer a tenha levado tão cedo, aos 54 anos.

Quanto ao Joel Barcelos, nunca mais o vi, a não ser valente sempre nas telas do cinema novo e ainda na TV.

O epílogo daquela temporada dos CPCs em Curitiba foi que eu e um amigo pegamos uma carona no majestoso Bentley de Gianni Ratto para o Rio de Janeiro. Depois de dois dias de viagem – alegando que morava em Santa Teresa e não podia nos levar até Ipanema, nosso destino final – o britânico italiano nos desovou na porta do Hotel Novo Mundo, no Flamengo. Tremenda coincidência. Mal imaginava eu que, três anos depois, iria trabalhar na Manchete e, nos longos anos do Russell (1969-2000), encontraria no bar do Novo Mundo um porto seguro para todas as nossas tormentas no tumultuado mar dos Bloch...

sábado, 10 de novembro de 2018

E lá se foi o pai do chabadabadá. . . • Por Roberto Muggiati

Francis Lai (à direita) e Claude Lelouch, em 2016. Foto Champs-Élyséees Film Festival. 


por Roberto Muggiati 

O cara era tão importante que sua morte foi anunciada pelo Prefeito de Nice, na última quarta-feira, 7 de novembro. Francis Albert Lai, filho de hortigranjeiros italianos nascido em Nice, era apenas um obscuro músico de boate em Paris quando o sucesso o atropelou para o resto da vida em 12 de julho de 1966, dia em que foi lançado o filme de Claude Lelouch, Um homem, uma mulher, com a trilha sonora assinada por Lai.

A musiquinha tema do filme era dessas que grudam, com seu refrão chabadabadá, chabadabadá entoado por um corinho feminino. Quem entende das coisas e conhece bossa nova viu logo a influência das primeiras frases de O Barquinho, composto na virada de 1960-61 por Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, letrista literalmente foragido da sala de reportagem da revista Manchete. Experimentem colocar um chabadabadá-chabadabadá logo no início da música no lugar de “e o barquinho a deslizar no macio azul do mar.” Aliás, o namoro com a bossa nova era aberto: o filme de Lelouch traz também na trilha o Samba da bênção, de Baden e Vinícius, traduzido e cantado em francês por Pierre Barouh e rebatizado de Samba Saravah.

O oposto do discurso político de Jean-Luc Godard, Claude Lelouche fazia um cinema digestivo no estilo dos comerciais de televisão. (Muitos o chamavam de Le Louche – “louche” em francês quer dizer “vesgo”, mas tem o sentido figurado de “duvidoso”, “inconfiável”.) Lai fazia uma música agradável, fácil de digerir, coisa também de anúncio de TV.

Mas não posso deixar de admitir que uma das canções que mais evoca para mim a atmosfera eufórica e inocente do Ano da Flor, 1967, é o seu tema para outro filme de Lelouch, Viver por viver. A história é um triângulo amoroso entre Yves Montand, correspondente de guerra, sua mulher (Annie Girardot) e a amante (Candice Bergen) – todos no auge do seu charme e beleza. (Cinco anos antes Godard filmou Vivre sa Vie: a semelhança com Vivre pour vivre é brutal, Lelouch gostava de cutucar o suíço...) Enfim, vão longe os doces tempos do chabadabadá, hoje o que temos é o blábláblá dos medíocres que nos oprimem e o ratatatatá da violência que corre solta.

Para ouvir as canções:

Um homem, uma mulher AQUI
O Barquinho AQUI
Viver por viver AQUI

Submarino Amarelo - o livro psicodélico que mostra os Beatles lutando contra os Blue Meanies para evitar que Pepperland se transforme em uma paraíso sem partido está de volta, agora em formato de quadrinhos

por José Esmeraldo Gonçalves

O jornalista e escritor Elio Gaspari levantou a tese: 50 anos depois, 1968 finalmente terminou.

Será?

Gaspari se refere a ascensão da direita radical nas últimas eleições brasileiras, rasgando bandeiras e slogans dos jovens da década de 1960, sepultando uma era e conduzindo o país literalmente "aos costumes", jargão utilizado por antigos delegados de polícia ou "otoridades" de plantão quando determinavam a prisão de um indigitado qualquer da vez.

Faz sentido.

A geração de 1968 denunciava o militarismo, os de hoje, pelo menos os vitoriosos nas urnas, pedem a volta da ditadura; as passeatas daquela época reagiam contra prisões, torturas e assassinatos políticos; hoje, pedem a reativação de tudo isso contra os "esquerdistas", que são praticamente todos aqueles que não concordam com o "programa de governo" do grupo que chega ao poder; em 1968, o regime  moralista não ousou enquadrar o sexo livre, que agora parece provocar náuseas conservadoras, tanto que será criado o Ministério da Família para cuidar do "furo íntimo", como diria Millor Fernandes, ou regulamentá-lo e até estatizá-lo.

É possível, portanto, teorizar no sentido oposto: 1968 vai precisar é de um recomeço, naturalmente retrofitado. E de resistência. Pelo menos um dos símbolos pop daquela época já está de volta. O ano que, segundo Zuenir Ventura, não terminou, foi também o do lançamento do filme Yellow Submarine, dos Beatles. Para marcar a data, a editora Darkside lança uma edição em quadrinhos da história, adaptada pelo diretor e artista Bill Morrison, autor dos Simpsons. Além disso, o célebre longa-metragem criado pelo produtor Al Brodax e o diretor Bob Balser, e desenhado pelo estúdio do alemão Heinz Edelman, foi recentemente restaurado a partir dos negativos. Cada um dos 130 mil fotogramas foi trabalhando para recuperar cores e dinâmica originais do filme que se baseou nas músicas do disco  "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" lançado em 1967.

Yellow Submarine em formato clássico de quadrinhos é novidade, mas já em 1968, no mesmo o ano em que o filme foi lançado, chegou ao mercado uma versão em livro da viagem psicodélica dos Beatles a Pepperland. com os desenhos originais do longa.  Um exemplar resistiu na minha estante até os dias de hoje. Na versão brasileira, da editora Expressão e Cultura, Pepperland, o paraíso submarino do Sargento, ganhou a tradução tosca para Pilantrália, que rementia a Carlos Imperial e a Turma da Pesada em voga na época. Expressões como "superbacana", "vou deixar cair", "alegria, alegria" e os quatro "camaradinhas" também vinham dessa fonte nada psicodélica, mas não comprometeram o clima. Os vilões Blue Meanies, os malvados azuis, viraram Azulões. São eles que comandam a milícia de terríveis monstros que os Beatles enfrentam para evitar a destruição de Pepperland, terra de amor, liberdade e música, e salvar o mundo onde vive o Sargento Pimenta.


A capa da edição de 1968

A equipe que trabalhou na versão brasileira.  O escritor e jornalista Carlinhos de Oliveira , na época redator da Manchete, deu "apoio moral", fosse lá o que isso significava. 

A fúria dos Azulões que chega ao poder e tenta destruir um paraíso submarino onde o amor , a liberdade e a música vencem o ódio.  Qualquer semelhança...

A ditadura dos Azulões aplaude e incentiva os dedos-duros representados por uma luva com o indicador em riste. Eles querem que Pepperland seja uma terra sem partido.

Reproduções de "Os Beatles - Submarino Amarelo' - Editora Expressão e Cultura, 1968

A capa da edição de 2018, lançada há poucas semanas pela Darkside...

...agora em formato de quadrinhos assinados por Bill Morrison. Reproduções

100 anos: primeira página, Primeira Guerra


Às 11 horas do dia 11, mês 11, de 1918, foi assinado o Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma das mais brutais de todos os tempos. No dia seguinte, Le Figaro celebrava em três edições seguidas (acima, a reprodução da terceira) a vitória na primeira página. A paz era a notícia, mas o acordo plantava, nas entrelinhas e ao mesmo tempo, as sementes da Segunda Guerra Mundial, igualmente trágica, que seria deflagrada 21 anos depois.

Reprodução/Twitter

Hoje, em Paris, o grupo Femen protestou diante do Arco do Triunfo contra a presença de chefes de Estado na França para as comemorações dos 100 anos do fim da Primeira Guerra Mundial. Para as ativistas, vários deles são ditadores, criminosos de guerra, e muitos dizem celebrar a paz enquanto fomentam a guerra, oprimem povos e financiam o terrorismo.

Quem avisa amigo é...


Brasil na mídia global: Sujou!


Fotografia: Madame Figaro de perna torta... Vacilos do photoshop

Reprodução Twitter

por Clara S. Britto

Produção sofisticada, foto perfeita. Pena que o photoshop quase desmembrou a perna direita da modelo. Com vinte centímetros a mais, no mínimo, a pernoca ainda ganhou do diretor de arte um joelho extra e aparentemente invertido. Ainda bem que a moça está recostada sobre a grama. Com essa anatomia seria impossível ela ficar em pé, quanto mais andar. 

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Leila Diniz: bem-vinda ao Clube 27 • Por Roberto Muggiati

Leila Diniz a capa da Manchete, aos 27 anos, em 1972,
ano em que morreu em acidente de aviação.

Robert Johnson

por Roberto Muggiati 

Uma coisa puxa a outra. Walterson Sardenberg Sobrinho, que trabalhou muito tempo na Manchete de São Paulo e atualmente edita a revista The President, me pediu um texto sobre os 80 anos da morte do cantor e compositor de blues Robert Johnson.

Johnson – que influenciou nove entre dez roqueiros dos anos 60 – morreu aos 27 anos, inaugurando uma estranha confraria, a dos músicos e artistas mortos com esta idade.

Brian Jones

Jimi Hendrix

Janis Joplin na Manchete, em 1970, aos 27 anos, oito meses antes de morrer. 

Jim Morrison

Kurt Cobain

Amy Winehouse. Fotos Divulgação
A fila começou a andar e, muito rapidamente, a partir de 1968 com a morte misteriosa em sua piscina do ex-guitarrista dos Rolling Stones, Brian Jones, em julho de 1969. Em rápida sucessão, partiram, em 1970, Alan “Blind Owl” Wilson, guitarrista do Canned Heat (3 de setembro, overdose de barbitúricos, possível suicídio); Jimi Hendrix (18 de setembro, asfixia no próprio vômito, em Londres); Janis Joplin (4 de outubro, overdose de heroína num motel de LA); Jim Morrison , do The Doors (parada cardíaca em 3 de julho de 1971, como Marat, numa banheira, em Paris); Ron “Pigpen” McKernan, do Grateful Dead (8 de março de 1973, de hemorragia gastrointestinal); o artista plástico Jean-Michel Basquiat, exaltado atualmente  por uma megaexposição no CCBB do Rio (12 de agosto de 1988, de overdose de Speedball); o líder do Nirvana, Kurt Cobain (5 de abril de 1994, suicídio com espingarda); Amy Winehouse (23 de julho de 2011, envenenamento alcoólico.)

Nunca soube de algum brasileiro neste seleto clube, mas desconfiei de dois, e errei por pouco: Noel Rosa, apressado, morreu a sete meses de completar 27 anos; e Torquato Neto, -  pasmem! – suicidou-se um dia depois de completar 28 anos.

Uma discussão recente sobre o nome Janaína, que só passou a existir no Brasil depois que Leila Diniz assim batizou sua filha, gerou outra discussão sobre a morte de Leila, se aconteceu na Índia, se no Japão. Na verdade, ela voltava em 1972 de um festival de cinema na Austrália, onde ganhou o prêmio de melhor atriz pelo filme Mãos vazias, quando o voo 471 da Japan Air Lines caiu em Nova Delhi no dia 14 de junho num  desastre sem sobreviventes. Leila Diniz morreu com 27 anos.

Que eu saiba, ninguém até hoje fez essa associação. Bem-vinda – de uma maneira bem gauche - Leila Diniz, ao Clube 27!

Maria Bonita. Reprodução

Em tempo: graças à dica do fotógrafo e amigo Ricardo Beliel, incorporo à lista a baiana Maria Gomes de Oliveira – a Maria Bonita companheira de Lampião – morta em 28 de julho de 1938, quando o bando de dez cangaceiros foi atacado de surpresa e exterminado na Grota de Angicos, em Poço Redondo (Sergipe), pela polícia armada oficial, conhecida como "volante". Ela foi degolada por 'Sebastião do Facão' ainda viva, depois de baleada no abdome. Maria Bonita tinha 27 anos e antecedeu Robert Johnson no Clube.


quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Há 50 anos • BEATLES: Caetano traduz o “álbum branco” para a Veja • Por Roberto Muggiati

Veja/Reprodução/Clique 2x para ampliar

Veja/Reprodução/Clique 2x para ampliar


Veja, 1968
por Roberto Muggiati

Na saída do filme Zuza Homem do Jazz, no Festival de Cinema do Rio, meu amigo Tárik de Souza, que trabalhava comigo na Veja em São Paulo há 50 anos, me faz uma reclamação – justíssima – com todo o peso de meio século.

Realmente, na matéria que publiquei no Panis sobre o turbulento primeiro ano da revista semanal de informação da Abril, esqueci de registrar outro feito da nossa editoria de Artes e Espetáculos. Em 22 de novembro de 1968 – uma sexta-feira – saía na Inglaterra o lendário “álbum branco” dos Beatles.

Seguindo as instruções de uma operação planejada com o rigor do lançamento de um foguete da NASA, nosso correspondente em Londres correu a uma grande loja de discos e comprou o vinil duplo, despachando-o imediatamente pelo malote da Varig para São Paulo. Na segunda-feira, 25/11, eu recebia o precioso álbum na redação e naquela noite mesmo, Tárik de Souza, repórter de música, ia buscá-lo em minha casa no Pacaembu e o levava esbaforidamente no seu Jeep para o apartamento de Caetano Veloso, na Avenida São Luís.

O tropicalista traduziu seis letras das trinta totais do revolucionário disco, que trazia as posturas politicamente ambíguas de John Lennon em Revolution 1 e Revolution 9.  Elas saíram publicadas na edição de 11 de dezembro de 1968 (prestem atenção: dois dias antes da sexta-feira 13 que nos brindou com o AI-5...).

A capa daquela edição era um besteirol pop sobre Pelé enquanto a Copa do México não vinha.

Curiosamente: a Realidade, mensal da Abril, foi na cola de nossa ideia e encomendou a tradução de letras do “álbum branco” a Carlos Drummond de Andrade. Se não me engano houve duas coincidências: Caetano e Drummond traduziram o curto e grosso Why Don’t We Do It In The Road?/Por que a gente não faz na estrada mesmo? e Blackbird/Pássaro preto. Pena que eu não tenho à mão as traduções do Drummond, mas posso garantir que foi um duelo mortal entre nossos dois grandes poetas, o mineiro e o baiano. Ah, sim, um detalhe típico daqueles Anos de Chumbo que começavam. Não conseguimos pagar o cachê combinado com Caetano porque ele estava preso incomunicável em local ignorado. Acho que o dinheiro depois foi repassado ao seu empresário Guilherme Araújo, quando Caetano e Gil iniciavam seu exílio londrino.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

"Tá OK? Vamos invadir a China": essa guerra pode passar na sua timeline...



Peter Sellers em "O rato que ruge". 

As tropas do Grand Fenwick conquistam uma grande potência. 

O cartaz da comédia lançada em 1959

por Ed Sá 

Em 1959, no auge da Guerra Fria, foi lançado o longa "O rato que ruge" ("The mouse that roared"), baseado no livro do escritor irlandês Leonard Wibberley.

O filme contava a história de um pequeno pais europeu, o fictício Grand Fenwick, que estava em crise econômica. Seu líder imaginou salvar o país criando o que deveria ser uma explosiva fake news geopolítica: invadir os Estados Unidos.


A intenção era perder a guerra, obviamente, e com isso descolar uma ajuda econômica pós-derrota, algo como um Plano Marshall de reconstrução. O Grand Fenwick preparou sua tosca força invasora equipada com arcos e flechas e desembarcou e Nova York. Por terrível coincidência, a cidade estava deserta: havia sido evacuada por causa de uma ameaça de bomba nuclear. Os briosos fenwickianos invasores encontraram um único cientista, que se rendeu. Só que o homem era físico nuclear e tinha desenvolvido uma poderosa bomba que foi capturada pelos invasores. Com isso, as tropas de Fenwick "ganham" a guerra. E um problemão: o que fazer com a inesperada vitória e o país conquistado?

Segundo sucessivas declarações, o presidente eleito do Brasil, ao contrário de Fenwick, é aliado dos Estados Unidos, não vai invadir Washington, mas segue o modelito Donald Trump e ameaça romper com uma grande potência, a China, com os países árabes, com Cuba, com o Mercosul e com a Venezuela que, dizem os comentaristas internacionais, pode até ser invadida.

Tudo a ver: essa comédia pode até voltar à sua timeline.

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Manchete - Desmemória da redação: o documentário que não aconteceu...


Pouco depois do lançamento da coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", em 2008, surgiu o projeto de um documentário sobre a Manchete, tendo o livro como inspiração.

Basicamente sobre os bastidores da revista em várias épocas, seus personagens, a vida como ela era, o bom humor que desafiava as pressões rotineiras da profissão, lendas e folclore, a tensão dos fechamentos, a busca de qualidade e a cobrança natural por venda em bancas de cada um dos títulos da editora. a cultura peculiar da casa, a patologia, enfim, do organismo que habitava o Russell,

A Rede Manchete, presente em cruzamentos com as revistas, também era focalizada.

O título provisório dava uma pista da grande angular do filminho "Manchete: Dementia Omnia Vincit". Era essa a divisa não autorizada que Carlos Heitor Cony criou para Adolpho Bloch. "A loucura sempre vence". O dístico resumia a ousadia, os defeitos e os acertos, o ímpeto e a  inconstância, o instinto e o impulso que construíram o império editorial que simbólica e efetivamente partiu junto com o seu criador. Parecia definir a coisa toda, embora o documentário não pretendesse retratar Adolpho Bloch. O foco, diria um Darwin paraguaio, era apenas vasculhar a biosfera das redações, a evolução e a involução daquele habitat envelopado pelo prédio de Niemeyer.

Com o roteiro formatado, os autores começaram a sondar algumas consultorias de captação de patrocínio ao mesmo tempo em que pediam registro da obra na Biblioteca Nacional.

Surpreendentemente, o registro foi negado sob o argumento de potencial violação dos direitos de imagem de pessoas citadas no roteiro. Ora, a maioria seria entrevistada a partir, obviamente, da concordância em participar do projeto. Autorizações seriam providenciadas. À BN cabia registrar o direito de criação. Restaram os rumores de que uma furtiva ação entre "amigos" teria "sensibilizado" a decisão da burocracia. Na verdade, segundo advogado consultado na época, o veto  oficial era frágil e não foi isso que impediu a realização do documentário. A dificuldade em viabilizar o curta e a falta de tempo dos envolvidos, sem possibilidade de dedicação exclusiva ao projeto, deixaram o "Dementia" na gaveta.

O roteiro descrevia a curiosa abertura do documentário. Nos seus tempos de Manchete, o diagramador J.A. Barros tinha como hobby esculpir em isopor algumas figuras das redações da Bloch. Eram charges em 3D, algumas vinham até com legendas. Barros, que trabalhou em O Cruzeiro, onde conviveu com grandes chargistas como Péricles, o genial criador do Amigo da Onça, e Carlos Estevão, autor de uma famosa série de desenhos chamada "As aparências enganam", interpretava com ironia as características de diretores, redatores e repórteres das revistas.

Pois os bonequinhos do Barros seriam convidados para apresentar o "Dementia". A abertura mostraria o próprio Barros em seu ateliê, desenhando e colando as peças de isopor que aos poucos formariam ambientes e personagens da história a ser contada.

Depoimentos, imagens do arquivo fotográfico da Manchete, na época ainda não leiloado nem desaparecido, coleções das revistas, material de acervos pessoais, vídeos jornalísticos e particulares, cenas da mobilização de ex-funcionários na luta pelos seus direitos, após a falência, imagens de salas abandonadas às pressas durante uma ação intempestiva de oficiais de justiça que lacraram o prédio, completavam o projeto que não aconteceu.

Era tudo verdade, mas faz parte. Até Orson Welles deixou inconcluso o seu documentário It's all true".
Dito isso, aqui entram os devidos emojis de smiley: 

A ARTE EFÊMERA DE J.A.BARROS

J.A.Barros transformou em figuras muita gente da velha Bloch. Mas, infelizmente, suas frágeis  esculturas eram arte efêmera. Nem o próprio artista guardou suas caricaturas em 3D. A técnica era simples. Ele fazia o desenho colorido sobre papel branco que, em seguida, recortava e colava sobre uma pequena placa de isopor. Aí aparava cuidadosamente o conjunto, obedecendo ao contorno marcado pelo desenho e adicionava uma espécie de minipedestal. 




Os exemplares reproduzidos acima são raríssimos e pertencem aos arquivos de um dos caricaturados, Roberto Muggiati, então diretor da Manchete, chefe imediato do artista e saxofonista nas horas que afinal importam: as vagas. 

sábado, 3 de novembro de 2018

Há 10 anos era lançado o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou". Veja aqui os bastidores do projeto, o que era expectativa e o que virou realidade

O projeto original e o livro editado. 

3/11/2008: a Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, lotada de amigos. 

Jussara Razzé, Roberto Muggiati, Carlos Heitor Cony, José Esmeraldo, Angela do Rego Monteiro, Maria Alice Mariano e
J.A.Barros, Sentados: Lincoln Martins, Renato Sérgio, José Rodolpho Câmara e Daisy Prétola. Parte dos autores na noite de autógrafos e...
... dias depois, em frente ao  antigo prédio da Manchete, no Russell. Nesta foto, aparecem também Alberto Carvalho, Lenira Alcure e Bia Cony, 

por José Esmeraldo Gonçalves

Um dia como hoje, há 10 anos.

Em 3 de novembro de 2008, com a Livraria da Travessa, no Leblon, lotada de amigos, lançamos o livro "Aconteceu na Manchete - as histórias que ninguém contou" (Desiderata). Uma coletânea despretensiosa que cumpriu seu objetivo: registrar a vida, e as vidas, nas redações da extinta Bloch, do ponto de vista de um grupo de jornalistas que lá trabalhou. O livro editado pela Desiderata, um selo da Ediouro, obedeceu quase integralmente ao nosso projeto original.

Em relação ao conteúdo, foi respeitada a informalidade dos textos e o estilo próprio de cada um dos autores. Apostamos - e tínhamos razão - que as narrativas ganhariam muito em autenticidade se respeitado o jeito de contar dos autores que viveram suas histórias no prédio da Rua do Russell.

No livro original, exploramos algumas páginas duplas coloridas, uma referência gráfica às revistas que o livro espelhava.
Em razão do alto custo não foi possível mantê-las

As histórias paralelas nas margens ganhariam....  

... mais graça e destaque em cores, mas aumentariam... 

os gastos com produção gráfica e impressão.

Em todo caso, foi mantida a forma. E o recurso de "dois livros em um" funcionou. O Blog da Bloch tinha um estilo
mais direto e leve, uma espécie de rede social impressa.

Já o design original criado pelo diretor de Arte J.A. Barros, profissional que atuou em várias revistas da Bloch, foi adaptado em função dos custos.

Este post é ilustrado com a versão que idealizamos - vista em uma "boneca" impressa que entregamos à editora - e o livro tal como foi para as livrarias.

O livro projetado, do qual guardo uma valiosa e única cópia, tinha 504 páginas, o que foi publicado pela Desiderata, 432. O "nosso" era todo em 4 cores; o editado ficou em preto e branco, com apenas um caderno de fotos coloridas.  No mais, foi bom o diálogo com a equipe da Desiderata, mantivemos as histórias paralelas à margem das páginas, que chamamos de Blog da Bloch, uma espécie de embrião deste Panis Cum Ovum que foi ao ar alguns meses depois do lançamento do livro, em junho de 2009. Já tínhamos, naquela época, a intenção de manter uma versão digital e dinâmica a partir da concepção do livro. E o blog aí resiste, é um banco de opiniões, fatos e memórias, hoje com quase 15 mil posts que, juntos, compõem o capítulo digital e dinâmico do "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", aquele que um dia tomou forma impressa no já distante ano de 2008.