O jornalista e escritor Elio Gaspari levantou a tese: 50 anos depois, 1968 finalmente terminou.
Será?
Gaspari se refere a ascensão da direita radical nas últimas eleições brasileiras, rasgando bandeiras e slogans dos jovens da década de 1960, sepultando uma era e conduzindo o país literalmente "aos costumes", jargão utilizado por antigos delegados de polícia ou "otoridades" de plantão quando determinavam a prisão de um indigitado qualquer da vez.
Faz sentido.
A geração de 1968 denunciava o militarismo, os de hoje, pelo menos os vitoriosos nas urnas, pedem a volta da ditadura; as passeatas daquela época reagiam contra prisões, torturas e assassinatos políticos; hoje, pedem a reativação de tudo isso contra os "esquerdistas", que são praticamente todos aqueles que não concordam com o "programa de governo" do grupo que chega ao poder; em 1968, o regime moralista não ousou enquadrar o sexo livre, que agora parece provocar náuseas conservadoras, tanto que será criado o Ministério da Família para cuidar do "furo íntimo", como diria Millor Fernandes, ou regulamentá-lo e até estatizá-lo.
É possível, portanto, teorizar no sentido oposto: 1968 vai precisar é de um recomeço, naturalmente retrofitado. E de resistência. Pelo menos um dos símbolos pop daquela época já está de volta. O ano que, segundo Zuenir Ventura, não terminou, foi também o do lançamento do filme Yellow Submarine, dos Beatles. Para marcar a data, a editora Darkside lança uma edição em quadrinhos da história, adaptada pelo diretor e artista Bill Morrison, autor dos Simpsons. Além disso, o célebre longa-metragem criado pelo produtor Al Brodax e o diretor Bob Balser, e desenhado pelo estúdio do alemão Heinz Edelman, foi recentemente restaurado a partir dos negativos. Cada um dos 130 mil fotogramas foi trabalhando para recuperar cores e dinâmica originais do filme que se baseou nas músicas do disco "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" lançado em 1967.
Yellow Submarine em formato clássico de quadrinhos é novidade, mas já em 1968, no mesmo o ano em que o filme foi lançado, chegou ao mercado uma versão em livro da viagem psicodélica dos Beatles a Pepperland. com os desenhos originais do longa. Um exemplar resistiu na minha estante até os dias de hoje. Na versão brasileira, da editora Expressão e Cultura, Pepperland, o paraíso submarino do Sargento, ganhou a tradução tosca para Pilantrália, que rementia a Carlos Imperial e a Turma da Pesada em voga na época. Expressões como "superbacana", "vou deixar cair", "alegria, alegria" e os quatro "camaradinhas" também vinham dessa fonte nada psicodélica, mas não comprometeram o clima. Os vilões Blue Meanies, os malvados azuis, viraram Azulões. São eles que comandam a milícia de terríveis monstros que os Beatles enfrentam para evitar a destruição de Pepperland, terra de amor, liberdade e música, e salvar o mundo onde vive o Sargento Pimenta.
A capa da edição de 1968 |
A equipe que trabalhou na versão brasileira. O escritor e jornalista Carlinhos de Oliveira , na época redator da Manchete, deu "apoio moral", fosse lá o que isso significava. |
A fúria dos Azulões que chega ao poder e tenta destruir um paraíso submarino onde o amor , a liberdade e a música vencem o ódio. Qualquer semelhança... |
A ditadura dos Azulões aplaude e incentiva os dedos-duros representados por uma luva com o indicador em riste. Eles querem que Pepperland seja uma terra sem partido. |
Reproduções de "Os Beatles - Submarino Amarelo' - Editora Expressão e Cultura, 1968 |
A capa da edição de 2018, lançada há poucas semanas pela Darkside... |
...agora em formato de quadrinhos assinados por Bill Morrison. Reproduções |