Pouco depois do lançamento da coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", em 2008, surgiu o projeto de um documentário sobre a Manchete, tendo o livro como inspiração.
Basicamente sobre os bastidores da revista em várias épocas, seus personagens, a vida como ela era, o bom humor que desafiava as pressões rotineiras da profissão, lendas e folclore, a tensão dos fechamentos, a busca de qualidade e a cobrança natural por venda em bancas de cada um dos títulos da editora. a cultura peculiar da casa, a patologia, enfim, do organismo que habitava o Russell,
A Rede Manchete, presente em cruzamentos com as revistas, também era focalizada.
O título provisório dava uma pista da grande angular do filminho "Manchete: Dementia Omnia Vincit". Era essa a divisa não autorizada que Carlos Heitor Cony criou para Adolpho Bloch. "A loucura sempre vence". O dístico resumia a ousadia, os defeitos e os acertos, o ímpeto e a inconstância, o instinto e o impulso que construíram o império editorial que simbólica e efetivamente partiu junto com o seu criador. Parecia definir a coisa toda, embora o documentário não pretendesse retratar Adolpho Bloch. O foco, diria um Darwin paraguaio, era apenas vasculhar a biosfera das redações, a evolução e a involução daquele habitat envelopado pelo prédio de Niemeyer.
Com o roteiro formatado, os autores começaram a sondar algumas consultorias de captação de patrocínio ao mesmo tempo em que pediam registro da obra na Biblioteca Nacional.
Surpreendentemente, o registro foi negado sob o argumento de potencial violação dos direitos de imagem de pessoas citadas no roteiro. Ora, a maioria seria entrevistada a partir, obviamente, da concordância em participar do projeto. Autorizações seriam providenciadas. À BN cabia registrar o direito de criação. Restaram os rumores de que uma furtiva ação entre "amigos" teria "sensibilizado" a decisão da burocracia. Na verdade, segundo advogado consultado na época, o veto oficial era frágil e não foi isso que impediu a realização do documentário. A dificuldade em viabilizar o curta e a falta de tempo dos envolvidos, sem possibilidade de dedicação exclusiva ao projeto, deixaram o "Dementia" na gaveta.
O roteiro descrevia a curiosa abertura do documentário. Nos seus tempos de Manchete, o diagramador J.A. Barros tinha como hobby esculpir em isopor algumas figuras das redações da Bloch. Eram charges em 3D, algumas vinham até com legendas. Barros, que trabalhou em O Cruzeiro, onde conviveu com grandes chargistas como Péricles, o genial criador do Amigo da Onça, e Carlos Estevão, autor de uma famosa série de desenhos chamada "As aparências enganam", interpretava com ironia as características de diretores, redatores e repórteres das revistas.
Pois os bonequinhos do Barros seriam convidados para apresentar o "Dementia". A abertura mostraria o próprio Barros em seu ateliê, desenhando e colando as peças de isopor que aos poucos formariam ambientes e personagens da história a ser contada.
Depoimentos, imagens do arquivo fotográfico da Manchete, na época ainda não leiloado nem desaparecido, coleções das revistas, material de acervos pessoais, vídeos jornalísticos e particulares, cenas da mobilização de ex-funcionários na luta pelos seus direitos, após a falência, imagens de salas abandonadas às pressas durante uma ação intempestiva de oficiais de justiça que lacraram o prédio, completavam o projeto que não aconteceu.
Era tudo verdade, mas faz parte. Até Orson Welles deixou inconcluso o seu documentário It's all true".
Dito isso, aqui entram os devidos emojis de smiley:
A ARTE EFÊMERA DE J.A.BARROS
Os exemplares reproduzidos acima são raríssimos e pertencem aos arquivos de um dos caricaturados, Roberto Muggiati, então diretor da Manchete, chefe imediato do artista e saxofonista nas horas que afinal importam: as vagas.
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