quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

O meu JB • Por Roberto Muggiati





Reproduções do Caderno sdjb, do Jornal do Brasil, 1959-1961. Acervo RM

por Roberto Muggiati 

No inverno de 1958, liberado do serviço militar (Engenharia do CPOR), comecei um ritual de férias de inverno no Rio, o mês de julho inteiro num hotel de primeira classe na Avenida Atlântica, de frente para o mar em Copacabana.

Pegava um acanhado DC3 – para mim um ônibus espacial – no Aeroporto Afonso Pena – ainda não era “internacional”, um mero galpão – e fazia uma parada técnica de dois ou três dias em São Paulo.

Interessado em literatura beat e zen-budismo, conheci o escritor Nelson Coelho, que dirigia a sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo. Ficava num mezanino na Rua 24 de Maio onde rolava um bom papo e um garçom de Summer Jacket servia Scotch on the rocks – antes da minha temporada londrina eu ainda não aderira ao straight.

Por indicação do Nelson, comecei a colaborar no lendário sdjb – Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, que saía aos sábados. No começo de dezembro de 1959, publiquei um texto de página inteira, Jack Kerouac e as crianças do bop, naquela paginação aberta e modernosa do Amílcar de Castro. Eu tinha o endereço do agente do Kerouac, Sterling Lord, e mandei uma cópia para ele. Para minha surpresa, recebi duas semanas depois um cartão do próprio Kerouac, comentando a matéria.

Reprodução. Acervo RM
Datilografado na mesma máquina de On The Road. Simpático, ele se despedia espanholado, “Salud, hombre”... Guardei o cartão entre as páginas de Mexico City Blues, um livro de poemas do Jack, e só muito tempo depois me dei conta de um detalhe incrível: Kerouak postou o cartão para um fã desconhecido em Curitiba justamente às seis e meia da tarde da véspera de Natal, em Northport, nos arredores de Nova York, onde tinha comprado uma casa para sua mãe. Edipiano, fizera um acordo: ficaria seis meses em casa trabalhando e pegaria a estrada nos outros seis meses.

Publiquei ainda um texto retumbante no sdjb com o título de Zen Spengler Beat, pegando carona no ensaio de 1918 de Oswald Spengler, A Decadência do Ocidente.

Em Paris, 1961. Acervo RM

Em outubro de 1960, ganhei uma bolsa do governo francês para estudar no Centre de Formation des Journalistes, em Paris. Na época, escritores beats como William Burroughs, Allen Ginsberg e Gregory Corso moravam num decrépito hotel na Rue Gît-le-Cœur conhecido como Beat Hotel. Burroughs se drogava no quarto com os gatos, não deixava o hotel. Peguei Ginsberg na saída, esquivou-se, “no interviews!”  Já Gregory Corso, compatriota italiano, foi mais acolhedor. Encaramos muitos expressos em cafés de calçada, lembro da tarde com ele e outros americanos na Place Saint Germain, indignados com o fiasco de Kennedy na Baía dos Porcos.

Lançamento do romance The American Express, de Gregory Corso.
Paris, 1961. Acervo RM

Numa noite incrível, 24 de abril de 1961, fui ao lançamento do romance de Corso American Express, pela Olympia Press, de Maurice Girodias, a mesma editora que lançou Lolita, de Nabokov. Há uma confusão de memória aí. Os generais de direita que ocupavam a Argélia ameaçavam invadir Paris. Girodias convidou para La Grande Séverine, seu luxuoso restaurante na rive gauche, não sei por que eu acho que o lançamento aconteceu num outro lugar à beira do Sena. Em seu livro de memórias, dois polpudos volumes, Une Journée Sur La Terre, Girodias descreve a noite com um Allen Ginsberg de djelaba cabeludo e barbudo soltando a franga e entoando mantras – uma lembrança totalmente fora de contexto. Esse Ginsberg só desabrocharia depois do Ano da Flor, 1967, não chegou sequer a comparecer ao lançamento de Corso – dias antes, quando o interceptei para uma entrevista, Ginsberg se vestia todo de preto com um colarinho branco, parecia um pastor evangélico. Argumento final: se o evento fosse na Séverine, por que o fidalgo Girodias nos embarcaria em dois táxis para uma boca livre no La Coupole, em Montparnasse?

Naquela noite, ao voltar para casa – eu morava na ilha, Île de la Cité, o acesso, o Pont Neuf estava bloqueado por ônibus velhos e havia gendarmes a postos: “Vos papiers. S’il vou plait?” Minha atordoada convivência com os beats em Paris rendeu a única matéria que mandei, publicada em junho no Jornal do Brasil, com o título de Poesia política da Beat Generation, creditada a mim como “correspondente do SDJB”, para não melindrar o corresponde oficial do JB, Luiz Edgar de Andrade.

Lá se vão alguns anos. Foi muito bom enquanto durou.


HERÓIS ANÔNIMOS

Foto reproduzida do livro "A Língua Envergonhada", de Lago Burnett (Editora Nova Fronteira)
O copy desk era a mesa de edição de textos dos jornais americanos, onde se faziam o lead, o sublead, a pirâmide invertida e outras técnicas para agarrar o leitor na primeira frase. Uma maneira mais dinâmica e econômica (quanto menos palavras, melhor) de comunicar o fato, jogando para a lixeira o “nariz de cera” e outros introitos herdados da escola afrancesada da belle époque

Até os anos 1960, havia no Rio de Janeiro, capital federal, dezenas de jornais, espalhados pela cidade: os do Chatô, na Praça Mauá; o Correio da Manhã, na Gomes Freire; o Diário de Notícias, na Rua Riachuelo; o Diário Carioca, no comecinho da Avenida Rio Branco, inovador com seus títulos-haicais de 5-7-5 sílabas, daí a criação de JK, porque Juscelino Kubitschek simplesmente estourava. 

Foi lá, em 1960, patrocinado pela Esso, que fui de Curitiba fazer um estágio ao lado de redatores como Hélio Pólvora e Raul Giudiccelli. Estes anônimos para o grande público se esforçavam para fazer seu nome, traduziam escreviam romances. Na Bloch traduzi da trilogia máxima do Henry Miller Sexus; Hélio Pólvora traduziu Nexus e Plexus. Tinhorão, batizado “o legendário”, porque fazia legendas como ninguém, começou sua cruzada para interpretar a MPB pela ótica marxista. Ainda está na área. 

Em 1968 – um cinquentenário a ser celebrado – ele caiu nos meus braços na editoria de Artes e Espetáculos da Veja, em São Paulo, para escrever sobre tudo, menos música. Foi botado para responder as cartas dos leitores... Um jovem repórter que cobria música para nós era Tárik de Souza, depois mestre na área. Cruzei com o velho Macedo Miranda e o saudoso senador Mário Martins na redação da Fatos&Fotos em Frei Caneca, em 1965. Cipião Martins Pereira foi meu redator quando dirigi F&F já no Russell, ao voltar da Veja em SP. 

Um episódio final, que resume toda a loucura daqueles anos. Quinta-feira, fechamento do miolo da Manchete com uma matéria paga de 30 páginas – deslavadamente apresentada como editorial, sem a rubrica “Informe Publicitário” – exaltando o estado de Santa Catarina. A reportagem abria com uma carta do governador catarinense. O redator encarregado do fechamento, ao voltar do almoço com um quiproquó etílico, brigou com o editor, Justino Martins, e mandou tudo às favas, com a carta do governador de SC no bolso do paletó. O Marechal – chefe dos contínuos e X9 do Adolpho –fez uma via crucis por todos os bares da Zona Sul do Rio atrás do redator e da carta. 

Não lembro bem do desenlace, mas acho que entre mortos e feridos salvaram-se todos...

Um comentário:

Kátia K. Lima disse...

Os copy desks não existem na maioria dos jornais e sites. É só ver os erros que saem e não apenas gramaticais mas de informação truncada, referencias histórias ou culturais erradas etc. Fazem falta.