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sábado, 5 de janeiro de 2013
Lar, doce lar... Vocês não vão acreditar, mas eu já morei num hospício...
por Nelio Barbosa Horta (de Saquarema)
Dizem que de músico, poeta e de louco, todos nós temos um pouco... será? Em 1934, do século passado, eu ainda não era nascido, mas minha família acompanhou o suicídio do compositor Ernesto Nazareth, encontrado numa cachoeira próxima da Colônia Juliano Moreira, com a água passando sobre sua cabeça e cujas mãos pareciam estar executando alguma composição inédita. Nazareth era um dos internos da colônia.
Nos anos 40, quase todas as famílias pobres daquela época enfrentavam grandes dificuldades financeiras, e, por consequência, a moradia era dos maiores problemas. Meu pai, que trabalhava num Cassino, ficou desempregado quando eles foram fechados e sempre que se fala em Cassino, o primeiro nome que vem à mente é o Cassino da Urca, pela sua beleza, luxo e glamour. Os Cassinos no Brasil foram fechados pelo decreto-lei 9215, de 30 de abril de 1946, do presidente Eurico Gaspar Dutra. Meu tio, que eu só conhecia por tio Antonico e que era casado com a irmã da minha mãe, Maria Luiza, havia sido nomeado Administrador da Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá. A família dele, minha tia e oito filhos, lembro das minhas primas, Licinha, Carmita e Esther, e dos primos Antônio Jorge, Henrique Aristarco também chamado de “garoto”, Walter, Paulo e Oswaldo.
Eles moravam numa linda casa na própria Colônia, e sabendo das dificuldades que meu pai enfrentava, na busca de um lugar para morar, ”tio Antonico”, ofereceu um anexo, nos fundos, para que nós morássemos durante o tempo que ele fosse administrador. O anexo era pequeno, quarto, sala, cozinha e banheiro, mas meu pai aceitou imediatamente e a nossa família ficou em paz e ”acomodada”. Minhas irmãs e eu, dormíamos na sala, onde cohabitava uma enorme quantidade de baratas. Havia, no forro da casa, uma abertura por onde, à noite, principalmente no verão, todas as baratas do mundo voavam em vôo rasante, sobre nós, aterrissando nas nossas cobertas. Uma de minhas irmãs ficou tão traumatizada com a quantidade de baratas, que precisou fazer um tratamento psicológico no Samdu da época. Ela passava as noites em claro com medo das ”voadoras.”
Meu pai também trabalhava como revisor no Jornal do Comércio, cujo horário de fechamento era à noite e ele só chegava em casa, isto é, na “Colônia“, de madrugada. Ia de bonde. A Colônia só abria os portões, às 6 horas da manhã, de sorte que meu pai tinha que esperar três horas para poder entrar em ”casa”.
Para passar o tempo, ele conversava com alguns internos, que, acordados, ficavam na grade, do lado de dentro falando com meu pai, do lado de fora. Alguns falavam do abandono das famílias, outros que eram jogadores de futebol e cantores famosos e que só estavam ali por “engano“ dos médicos e dos familiares. Havia um que pedia segredo ao meu pai, para que não revelasse a ninguém, mas ele era o ”Francisco Alves, o Rei da Voz”. Em seguida, estufava o peito e abria a voz de madrugada, estridente e desafinada, uma agressão aos ouvidos da vizinhança e ao verdadeiro Rei da Voz.
Os internos, naquela época, faziam serviços na casa do meu tio e tinham os seus “negócios”, isto é, vendiam doces, balas, fogos de São João na vizinhança e faturavam uma graninha, muito pouco, mas que dava para as suas despesas mais urgentes. Já naquele tempo, os ”garotos da rua” se aproveitavam da ingenuidade dos internos e pagavam as compras que faziam com tampinhas de cerveja e refrigerantes, que eram achatadas nos trilhos pelos bondes. Eles garantiam aos internos que era dinheiro e, eles, coitados, acreditavam...
Por mais incrível que pareça, e apesar das dificuldades financeiras, nunca tivemos informação de qualquer tipo de violência na Colônia, daquela época, contra quem quer que fosse. A administração do meu tio, parece, foi bem recebida por todos os internos e familiares que, agradecidos, elogiavam e falavam da direção bem sucedida onde todos os internos eram tratados com respeito e dignidade.
(Nelio Barbosa Horta)
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