segunda-feira, 6 de novembro de 2023

Questões hospitalares - VINTE NOITES SEM DORMIR - Jornalista de 85 anos transforma sua fratura de fêmur numa experiência de vida enriquecedora. Por ROBERTO MUGGIATI


Brazilian Capira. Lena e Roberto Muggiati à maneira do American Ghotic. Arte de Roberto Mendonça Muggiati sobre
foto de Cláudia Alves.
 
Muggiati no Hospital Miguel Couto. Como
no blues de Duke Ellington, "pedras na minha cama". Foto: Beatriz Suassuna


O texto de Roberto Muggiati, aqui reproduzido ("Meu fêmur, meu sono"),
está publicado na Revista Piauí,
edição de novembro de 2023, número 206.


"Para combater minha resistência à página em branco,
imprimi numa folha a4, repetida em quinze linhas, a frase
'O escritor escreve'. Foto de Cláudia Alves

A privação do sono é uma das piores torturas. Vemos nos filmes antigos mocinhos e durões com uma lâmpada esfregada na cara para revelar um segredo ou confessar uma falta. Resistem por algum tempo, mas acabam sempre cedendo.

Não há lugar mais barulhento e iluminado do que uma enfermaria de hospital. Deixe logo na entrada suas esperanças de um sono reparador: não dormirá nunca. Como seu organismo não é de ferro, você terá pequenos lapsos de cochilo – ultrarrápidos, embora pareçam durar uma eternidade. O que você faz então? Ao contrário do ditado, a invenção é que é a mãe da necessidade. E cada um inventa como pode. Mas vamos logo ao clássico quem-o quê-quando-onde et cetera.

No quarto de dormir no meio da noite quebrei o fêmur. Ou o fêmur quebrou sozinho. No começo eu nem sabia que era o fêmur. Acordei no chão, do lado da cama, estatelado como um saco de batatas podres. Não conseguia mover a perna direita, que doía muito. Gritei de dor e pânico, acudiu Lena, minha mulher. Com imenso esforço conseguimos colocar a perna – reta e rígida como se estivesse entalada – sobre meu catre de solteiro. 

Liguei para o 192, o Samu atendeu prontamente. Entreouvi a conversa da enfermeira-maqueira com a central. Ela ripostou: “Mas o Getúlio Vargas fica no Irajá! Estamos na Rua das Laranjeiras...” E, pouco depois, para mim: “Vamos levar o senhor para o Miguel Couto. Já estamos a caminho da sua casa.”

Estremeci ao ver como o meu destino podia ser desgovernado por um socorro inepto.

"Tive de ser transportado no ar, de mão em mão, por porteiros e faxineiros em fila indiana"

Com muita dificuldade me retiraram da colmeia de 60 m² que ocupo no primeiro andar do bloco de apartamentos dos fundos (“Mas é uma casa de boneca!”, exclamou meu personal de computador na sua primeira visita.) Tive de ser transportado no ar, de mão em mão, por porteiros e faxineiros em fila indiana ao longo dos corredores estreitados, tetos rebaixados, portas arredondadas e outros caprichos arquitetônicos da proprietária original. Ao som da sirene da ambulância eu ia vendo o céu azul perfeito daquele começo de manhã do 15 de fevereiro desfilar sobre minha cabeça – Rua das Laranjeiras, Cosme Velho, Lagoa, Hípica, Hipódromo da Gávea, com suas amendoeiras ainda floridas. Os pavilhões do Hospital Miguel Couto estão encaixados dentro dos muros do Hipódromo, depois da primeira curva oposta da pista de corridas. A ambulância encostou na entrada da emergência e a maca me conduziu até a Sala de Trauma onde Lena me acompanhou para o cadastro de triagem. Começou aí uma pequena odisseia que acabaria exigindo três viagens ao raio x para atender aos pedidos do médico.

Os cavalinhos correndo, e nós, cavalões, morrendo. Penso no poema de Manuel Bandeira, Rondó do Jockey Club, de 1936: “Os cavalinhos correndo,/E nós, cavalões, comendo…/Tua beleza, Esmeralda,/Acabou me enlouquecendo./Os cavalinhos correndo,/E nós, cavalões, comendo.../O sol tão claro lá fora/E em minhalma – anoitecendo!” 

Sua lembrança me levou de volta ao mesmo ponto geográfico onde, em tempos mais amenos, nos últimos anos do Rio como capital federal, eu assistia aos cavalos fazendo o cânter no paddock. Nada desse desvairado giro em que um maqueiro irresponsável me abandonou no corredor da tomografia, enquanto me chamavam para o raio x em outra ala. Fiz forfait. Quando me devolveram à Sala de Trauma, o médico berrou: “Sacanagem! Não fizeram o raio x, só a tomografia!” Isso não teria acontecido se avisassem à Lena que, como minha responsável, não só poderia, mas deveria me acompanhar ao longo dos exames. 

Levado de novo ao raio x, teria de voltar ainda outra vez para uma chapa de perfil que esqueceram de fazer. A essa altura eu era dominado por uma única sensação – a dor lancinante do fêmur quebrado e da perna imobilizada. Jogavam meu corpo da maca para o metal gelado da mesa do raio x e vice-versa sem a menor compaixão. Eu tinha entrado no hospital no começo da manhã, agora já passava das quatro horas. Não sentia fome, não tinha tomado sequer um copo d’água.

Estava no limbo, na ala conhecida como “amarelinha”, ainda na maca, aguardando um leito na enfermaria de ortopedia. Só então consegui que me aplicassem um remédio para aplacar a dor. A injeção subcutânea de Tramal na barriga me daria um enjoo épico: nas 24 horas seguintes vomitei tudo o que ingeria, engolindo às vezes de volta aquilo que acabava de vomitar. Já era noite quando me instalaram no leito 01 da enfermaria 203, que eu ocuparia durante meus vinte dias de hospital. 

"Um detalhe singular: dos vinte pacientes da enfermaria 203, eu era o único que não tinha sido vítima do automóvel"

Naquele cercadinho de 2m x 3m, me flagrei algumas vezes cabeceando, quase pegando no sono, mas logo despertava. Como na maluca descida de serra nos anos 60, no dkw do meu pai, em que me via cabeceando e acordando a cada curva da Estrada de Santos. E lembrei do “pescoção” – como chamávamos o longo mutirão para fechar as edições de fim de semana do jornal. Essas digressões foram varridas pelo vozeirão tonitruante do vizinho de enfermaria recitando a prosopopeia do seu acidente. Foi o único que me deu um cartão de visita, o nome esdrúxulo quase me levou a perguntar: “Oviran, gotas ou comprimidos?” – mas recolhi a piada, parecia um sujeito de maus bofes. Seu relato rolava em loopings: 

O maluco jogou o carro na contramão, não tinha nenhum carro parado na calçada, só uma caçamba de entulho cheia. Não é que ele mandou a caçamba quase um quarteirão adiante? O Miguel Couto é um grande hospital, vem gente do mundo inteiro aprender com seus médicos, mas meu dedão do pé direito gangrenou e tiveram de amputar... 

O maluco jogou o carro na contramão... 

Lamentava seus vícios – o cigarro, a cachaça, as mulheres – e prometia arrependimento eterno: “Agora sou de Deus, só Ele salva!” Foi um dos muitos que conheci no hospital capazes de resolver com extrema simplicidade o problema da religião. Era o caso dos evangélicos, até então eu não conhecera nenhum pessoalmente. “Só Deus salva”, e estamos conversados, era só pagar o dízimo de 30%. Muito diferente da profunda crise mística por que passei na adolescência quando li A Montanha dos Sete Patamares, a autobiografia do monge trapista Thomas Merton. Alguns destes “bíblias” eram casados com minhas cuidadoras – elas também crentes e pagantes fiéis do “pedágio da fé”. Descobri que esses pastores, que usavam terno no culto, adoravam gravatas. Para agradar suas mulheres, presenteei dois ou três com algumas peças do meu acervo. Tendo morado os anos elegantes na Europa, eu possuía uma coleção, das melhores grifes. Um deles, um diácono, profissão porteiro, não sabia dar nó, quem preparava sua gravata era a mulher. 

Um detalhe singular: dos vinte pacientes da enfermaria 203, eu era o único que não tinha sido vítima do automóvel. Três garotos tinham dormido na direção, um deles caiu com o carro no Jardim de Alah, no Leblon, e quase morreu afogado no canal. Outro foi atropelado pelas costas na calçada por uma moto desgovernada, empurrada por um ônibus. Há pouco tempo, num dossiê que postei no blog Panis Cum Ovum (Automorte: A Megapandemia), eu listei as vítimas famosas desde que o automóvel começou a circular em meados do século XIX. Entre elas, as duas princesas do século, Grace de Mônaco e Diana, o ator James Dean, o escritor Albert Camus, o pintor Jackson Pollock, os cantores Francisco Alves, Maysa, Gonzaguinha. A escritora Margaret Mitchell, ainda em meio às vendas colossais de E o Vento Levou, morreu atropelada por um taxista bêbado quando ia ao cinema. Na Califórnia, o cineasta alemão F. W. Murnau morreu aos 42 anos num Rolls-Royce dirigido por um criado filipino de 14 anos. Na Riviera Francesa, a dançarina Isadora Duncan, aos 50 anos, teve o pescoço quebrado quando sua echarpe se enroscou na roda de um carro esporte. As estatísticas são assustadoras: a cada 24 segundos o automóvel mata uma pessoa sobre a face da Terra (a faixa etária mais atingida está entre 5 e 29 anos).

 "Não me surpreenderia se organizassem competições de “comidinha de hospital”, nos moldes do Comida di Buteco". 

A hospitalização revolucionou minha vida social. Conhecido na Manchete como O Eremita, vivi os últimos anos praticamente trancado, fazendo traduções, matérias jornalísticas ou anotando minhas memórias no blog Panis Cum Ovum. No Miguel Couto tive contato compulsório com centenas de pessoas: médicos, enfermeiras, pacientes e o que mais aparecesse. No meio da madrugada acendiam-se todas as luzes e adentravam ruidosamente os garis (e as garis) hospitalares da Comlurb, lépidos e fagueiros: ao abrigo das balas perdidas da rua, ganhavam ainda uma taxa de insalubridade. As baterias de led no teto agrediam meus olhos, mais vulneráveis à luminosidade depois da cirurgia de catarata.

Um exército de enfermeiras trocava nossas fraldas e nos dava banho. A maioria era de bravas mulheres negras que ganhavam uma miséria e moravam na periferia, a horas de viagem do hospital. Com o marido desempregado, encarcerado ou sumido, garantem a sobrevivência dos filhos.

Não posso esquecer o pessoal da alimentação. Nos hospitais cariocas entopem você de comida, nada menos do que seis refeições: café da manhã, colação (palavra do tempo das minhas avós), almoço, merenda, jantar e ceia. A farra começa às sete da manhã e termina às dez da noite. Cada enfermaria e uti tem a sua dietista, que leva em conta as menores idiossincrasias dos pacientes. Zelosas do seu ofício, as dietistas fiscalizam quem não está se alimentando devidamente. Não me surpreenderia se organizassem competições de “comidinha de hospital”, nos moldes do Comida di Buteco.  

Toda aquela fartura começou a me apavorar. Atado ao leito, não tinha como processar o que comia – se comesse tudo o que me serviam. Passei a evitar alimentos sólidos e preferir os suplementos, iogurtes, pudins e sucos. Impossibilitado de ir ao vaso – e sequer de usar uma “comadre” – não conseguia defecar na horizontal. Era algo que contrariava a lei da gravidade. Só ao voltar para casa, valendo-me de um poderoso laxante, depois de uma noite inteira de esforços insanos, consegui normalizar aos poucos as funções intestinais.

"A última noite foi inesquecível: acionei o controle para erguer a cabeceira do leito, ele escapou da minha mão e eu me vi guindado às alturas"

Mais où sont mes madeleines d’antan? [Mas onde estão minhas madeleines de antigamente?] Todo tipo de pragas havia se abatido sobre mim, mas eu não imaginava aquela que se deflagrou justo na minha volta para casa. Ouvira falar da Abolição do Paladar como um dos efeitos colaterais da Covid, mas não sabia que era um flagelo tão terrível, no meu caso, decorrente da anestesia e do excesso de remédios. Já nos últimos dias de hospital eu sentira alguns sinais truncados em meu apetite. No primeiro café da manhã doméstico, pedi que me servissem madeleines. Mordi a primeira e refuguei, o café tinha gosto de água suja. Quando perdi totalmente o sabor, uma batata frita parecia um pedaço de graveto. O suco de um limão-taiti inteiro, sem açúcar, doía de tanta doçura. Aquele inferno gustativo durou quase três semanas e as pessoas achavam que eu estava de frescura.

Minha fratura aconteceu no pior momento possível, na quarta-feira anterior ao Carnaval. Tudo parou. Minha cirurgia só foi marcada para a sexta-feira após as Cinzas, e acabou cancelada porque não havia bolsa disponível com meu sangue – um dos mais banais, o Rh negativo. Só fui operado na terça-feira, o último dia de fevereiro. A cirurgia durou uma hora e, devo reconhecer, foi um sucesso. O Miguel Couto é uma referência e um milagre da eficácia em traumas ortopédicos. Com o humor que ainda me restava o batizei de Couto D’Or. Uma semana depois eu deixava o hospital. A última noite foi inesquecível: acionei o controle para erguer a cabeceira do leito, ele escapou da minha mão e eu me vi guindado às alturas, com a ameaça de ser catapultado para fora da cama. Socorreu-me Sônia, acompanhante de um paciente vizinho. Minha irmã a contratou para ser minha cuidadora na volta à casa. Estou devendo a Sônia um almoço no restaurante Mirante Rocinha, que, garantiu ela, “é show, dá match”.

Minha reação inicial ao acidente foi de revolta. O que fizera eu para merecer aquele castigo? O ano começou com uma crise de depressão braba da Lena. Na segunda-feira chuvosa de 9 de janeiro, eu a internei na UPA de Botafogo, um fiapo de gente com menos de 35 kg. As tevês transmitiam ininterruptamente imagens tétricas da tentativa de golpe no domingo, em Brasília. Na sexta-feira 13 a transferiram para o Rocha Maia, um hospital eficiente e tranquilo, ela saiu de lá com 8 kg a mais. Ia visitá-la quase todo dia, feliz por ver que havia saído do buraco. Sempre tive o hábito de caminhar, pela necessidade física e também filosófica, à maneira de Rousseau. Até 2020, morando havia 37 anos em Botafogo, caminhei pelas planuras da Paróquia de São João Batista da Lagoa. Ao mudar para o Baixo Glicério, tornei-me um flâneur das ladeiras escarpadas e escadarias de Laranjeiras. Vangloriei-me das novas façanhas numa postagem intitulada Tomando caipivodca e lendo P. G. Wodehouse na Montanha Mágica de Laranjeiras num momento de crise aos 85 anos: só eu... Acho que provoquei a sorte e a velha húbris voltou a me assolar – o dicionário define o conceito, da Grécia antiga, como confiança excessiva, orgulho exagerado, presunção, arrogância ou insolência, que acaba com frequência punida pelos deuses.

Só depois que me informei melhor a respeito do fêmur, cheguei à conclusão de que foi ele o vilão de toda aquela história. É o osso maior e mais volumoso do corpo humano, suporta uma pressão de 1 230 kg por cm² e, num homem de 1,80 m (meu caso), chega a medir 50 cm. Nas ocorrências de fratura do fêmur, o laudo apontava como causa “queda da mesma altura”. Eram inumeráveis as fraturas espontâneas do fêmur. 

O fêmur também mata. Enquanto eu escrevia, a tevê noticiava a morte, aos 78 anos, da cantora Cynara, que formava com as irmãs Cyva, Cylene e Cybele o Quarteto em Cy, criado em 1964. Internada para uma cirurgia de fratura do fêmur, morreu de insuficiência respiratória. Com Cybele, Cynara defendeu sob vaias no Maracanãzinho a canção Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque, no polêmico Festival Internacional da Canção de 1968.

Vi na internet a notícia de um idoso que encontrou fechada uma oficina em Registro, no interior de São Paulo, e foi perguntar para o morador vizinho a que horas o local abriria. Ignorado, o homem, de 82 anos, questionou: “Você está surdo?” Seu interlocutor o agrediu a socos e chutes: “Vou te matar, seu velho nojento!” Jogado sobre um monte de pneus, o idoso quebrou o fêmur e morreu.

Em agosto morreu no Rio de Janeiro Marília Carvalho, de 81 anos, em consequência da fratura do fêmur e da bacia ao ser empurrada no chão, no bairro da Tijuca, por um doente mental.

"Foi por puro instinto de preservação que me agarrei às sessões de fisioterapia, por mais dolorosas que fossem"

Uma das cenas mais impressionantes do cinema é a briga dos macacos em 2001: Uma Odisseia no Espaço, usando como tacapes fêmures achados em ossadas. Kubrick armou a imagem genial – uma elipse de zilhões de anos-luz – em que um fêmur arremessado ao Céu se transforma numa nave espacial deslizando rumo a uma estação lunar, ao som do Danúbio Azul. Cruzado com uma tíbia debaixo da caveira, o fêmur é o emblema da bandeira dos piratas. Os corsários voltaram com força total nos últimos anos graças à série de filmes e parques temáticos da Walt Disney Piratas do Caribe. Nos devaneios desencadeados pelo desconforto da posição rígida na cama e pela impossibilidade de dormir, pensei em minha filha Natasha, que mora na Alemanha há sete anos. Brincando o Carnaval carioca com amigos, ela costumava me telefonar a altas horas: “Pai, cante uma daquelas da antiga!” Eu conhecia muitas – da odalisca, do gago, do bebum, da balzaquiana –, mas geralmente atacava com esta marchinha de 1947:

Eu sou o pirata da perna de pau/Do olho de vidro, da cara de mau/Eu sou o pirata da perna de pau/Do olho de vidro, da cara de mau/Minha galera/Dos verdes mares não teme o tufão/Minha galera/Só tem garotas na guarnição/Por isso se outro pirata/Tenta a abordagem/Eu pego o facão/E grito do alto da popa:/“Opa! Homem não!”

Era um sucesso de Nuno Roland, uma das vozes de ouro da Era do Rádio. Várias vezes fui vê-lo nas matinês de domingo do Cine Avenida, em Curitiba. Anos depois, Nuno Roland, diabético, feriu o pé, que gangrenou, e levou à amputação da perna. Morreu sem tempo sequer de botar a perna de pau...

Para terminar com o fêmur, fiz em sua homenagem um daqueles meus haicais safados, parodiando a exaltação dos ruralistas ao agro: O fêmur é fálico/O fêmur é flibusteiro/O fêmur é pop.

Viver é muito perigoso, já dizia o velho Rosa. Ainda bem que não me aprofundei sobre minha fratura, a do cólon do fêmur. As estatísticas são terríveis. Ao contrário das outras, ela oferece um quadro bem mais grave e complicado. Não basta imobilizar o osso para curá-la. O tratamento é feito através de cirurgia, com a colocação de placas, parafusos ou próteses metálicas, e a recuperação completa é lenta. Muitos pacientes não conseguem voltar a andar e se tornam dependentes de ajuda. Sua imobilização crônica costuma provocar complicações como embolia pulmonar, trombose venosa profunda, úlceras da pele, pneumonia e infecções urinárias. O índice de transtornos graves a curto e médio prazo pode elevar a mortalidade durante o primeiro ano a até 20%. 

Foi por puro instinto de preservação que me agarrei às sessões de fisioterapia, por mais dolorosas que fossem. Tive a sorte de cair nos braços de uma terapeuta excepcional, Danielle Aguiar. Com 23 anos de prática, alia a eficiência profissional a um forte espírito de compaixão. Dani sabe exatamente como tratar cada paciente. No meu caso, trabalhou alternadamente a musculatura, a postura e o equilíbrio. Ao fim de quatro meses sob seus cuidados, voltei a andar como antes. 

No dia 27 de abril, na terceira revisão no Miguel Couto, recebi alta. Era a véspera dos 45 anos de meu casamento com Lena, resolvi fazer algum tipo de comemoração. No playground do condomínio existe uma casinha de madeira que lembra vagamente a casa da famosa tela American Gothic (1930), de Grant Wood. Numa viagem pelo Centro-Oeste americano, ele viu uma casa em estilo gótico rural e resolveu pintar o tipo de pessoa que poderia morar nela. Retratou, com a casa ao fundo, um fazendeiro segurando uma forquilha ao lado da filha, que veste um avental. Resolvi parodiar a tela. Com o entusiasmo dos tempos em que produzia fotos na revista Manchete, juntei as indumentárias mais adequadas que tínhamos em nosso limitado guarda-roupa. Lena e eu posamos na casinha do playground e nossa cuidadora, Cláudia Alves, nos fotografou com seu celular. 

Mandei as fotos para meu filho, que mora em Edimburgo e é chegado às artes gráficas. Ele já conhecia o American Gothic de uma visita ao Art Institute of Chicago. Nasceu assim Brazilian Caipira. Um detalhe: no seu Photoshop, não usou o camafeu da tela original no pescoço da moça, respeitou a improvisação que eu mesmo fiz, com um pedaço de papelão recortado e filigranas desenhadas com liquid paper. Penduramos nosso quadrinho comemorativo das Bodas de Rubi num lugar de honra da sala de estar.

As vinte noites que passei sem dormir no Miguel Couto eu usei para “escrever” na minha cabeça. Logo me dei conta de que estava compondo as palavras no vazio. Como quase todo mundo, eu sempre escrevera usando alguma ferramenta: um lápis ou caneta, nas primeiras redações infantis; aos 12 anos já tinha minha máquina de escrever portátil. Hoje, se pertencesse à tribo dos whatsappers, poderia gravar minhas impressões num celular, mas não era o caso. Em casa, continuei atrelado a uma cama hospitalar. Lembrei da restrição que eu fazia a Kafka em sua frase de abertura de A Metamorfose: “Ao acordar de sonhos inquietos certa manhã, Gregor Samsa se viu transformado na sua cama numa criatura horrenda.”  Eu implicava com “na sua cama”, achava redundante – afinal, onde é que um cidadão acorda toda manhã? Agora eu abarcava aquele in seinem Bett com toda a concretude do mísero retângulo que seria minha prisão por mais de dois meses, até que juntasse forças para escapar à letargia pegajosa do leito, uma atração fatal que eu associava ao Aspiro ao Grande Labirinto, o livro de Hélio Oiticica. Eu me apegara de tal modo à cama que as escaras e feridas do longo contato com o colchão eram as escamas da “criatura horrenda” de Kafka.

Um blues de Duke Ellington ilustrava também admiravelmente minha situação, Rocks in My Bed: My heart is heavy as lead/because the blues has done spread/rocks in my bed./Of all the people I see/why do they pick on poor me/and put rocks in my bed?/All night long I weep/so how can I sleep/with rocks in my bed [Meu coração está pesado como chumbo/porque a deprê espalhou/pedras na minha cama./De toda essa gente que vejo por aí/e foram escolher logo a mim, esse pobre coitado/para despejar pedras na minha cama?/A noite toda eu choro/então como posso dormir/sobre as pedras espalhadas na minha cama]. Passei ao todo 68 noites e dias carregando aquela cama como um caracol carrega sua concha. Sem alternativa, concentrei-me em escrever “além das nuvens”, evocando um dos últimos filmes de Antonioni. Voltei ao teclado ainda com desconforto e dores na perna. Para combater minha resistência à página em branco, imprimi numa folha a4, repetida em quinze linhas, a frase “O escritor escreve”. Percebi então que tinha muita coisa na cabeça e uma voracidade desmesurada para colocar tudo no papel, sem esquecer a minha mania de abrir parênteses e me entregar a divagações (Lena me apelidou de Doutor Divago...).

As muitas frases que compusera na minha cabeça equivaliam às alternate takes dos primeiros lps de jazz. Eram as tentativas dentre as quais apenas uma, a master take, seria lançada no disco original. De certo modo, derrubavam o mito da livre improvisação e mostravam que existia na cabeça do jazzista um desígnio formal prévio que fazia dele uma espécie de “compositor instantâneo”. Nas nove takes que o pianista Bill Evans gravou do tema de Luiz Eça The Dolphin, as diferenças entre os improvisos são praticamente imperceptíveis.

"Recuperei também o prazer da escrita e retomei projetos que havia deixado de lado: minha autobiografia A Vida É uma Reportagem"

Esse mecanismo se repetia em mim: havia na minha cabeça uma “matriz” programada para descrever este ou aquele sentimento ou situação. Lembro como o mestre do Nouveau Roman, Alain Robbe-Grillet, escritor frio e cerebral, abriu as comportas da emoção ao narrar um acidente aéreo do qual escapara com a mulher em 1961. Derramou lágrimas de crocodilo ao lembrar a queima, na bagagem, de um bracelete que dera à mulher para comemorar os dez anos do seu encontro casual num trem do Expresso do Oriente, em Istambul. 

Depois de alguns dias de trabalho, cheguei a um copião que era uma verdadeira colcha de retalhos. Comecei então a eliminar impiedosamente trechos inteiros que considerava inúteis. Depois, operei cortes meticulosos e cirúrgicos na escrita. Apelei para a Teoria do Iceberg do velho Hemingway: “Se escrever apenas a verdade, um escritor pode omitir muitas coisas. O leitor sentirá essas coisas que foram ocultadas com tanta força como se o escritor as houvesse explicitado. A dignidade de um iceberg existe porque apenas um oitavo dele está acima da água.” 

A fratura do fêmur foi um abalo sísmico, um divisor de águas, uma cesura epistemológica na minha vida. Acredito que consegui reconstituí-la com objetividade nesta narrativa, sem abrir mão do emocional. Recuperei também o prazer da escrita e retomei projetos que havia deixado de lado: minha autobiografia A Vida É uma Reportagem, o romance noir Mistério na Glicério, o romance-da-praia Zen & Corn Flakes e o romance-da-Serra Jardins de Pedra.

A autobiografia, além da trajetória pessoal, detalha a profissional: setenta anos de carreira, do começo na Gazeta do Povo de Curitiba, passando pelo Centro de Formação de Jornalistas de Paris (1960-62), pelo Serviço Brasileiro da bbc de Londres (1962-65), de volta ao Brasil para 35 anos de Editora Bloch no Rio de Janeiro – fui o editor da revista Manchete que mais tempo ficou no cargo –, além de uma temporada na equipe inicial de Veja, nos anos cruciais de 1968-69. E, ainda, os profícuos anos de free lancer no pós-falência da Manchete, a partir de 2000. Com direito a revelações exclusivas sobre os bastidores do jornalismo brasileiro na segunda metade do século xx. 

Tudo isso sem horários, prazos ou qualquer angústia de obrigatoriedade. Misturado ao lazer: cinema, particularmente o filme noir; jazz, em especial o bebop; e os escritores que sempre me acompanharam – o Bardo e a Bíblia, o Trio do Século (Kafka, Joyce, Proust), o Bruxo (do Cosme Velho) e o Vampiro (de Curitiba), Rosa, Drummond, Bandeira, Clarice; Fitzgerald, Hemingway, John Fante, Cheever & Carver, Conrad, Simenon, Patricia Highsmith, Dylan Thomas, o Svevo de Zeno. E Salinger, o único – além de Albertine Sarrazin (O Astrágalo) – que faz uma referência ortopédica específica num título, no conto Uncle Wiggily in Connecticut – uncle, tio, soa como ankle, tornozelo, que a heroína torce ao correr atrás de um ônibus com o namorado. Todas essas predileções atuam, ainda que inconscientemente, como influências no meu processo de escrita. 

Sinto hoje como se estivesse descobrindo pela primeira vez o ato de escrever. Não como um ofício, um apostolado, ou uma missão, mas como uma atividade lúdica.

Agrada-me muito a expressão de Boris Vian para a passagem do tempo, o lento e silencioso rolar da “espuma dos dias”. E escolho como fecho uma frase da Baronesa, Isak Dinesen (cujo sobrenome batizou o asteroide 3318 Blixen): 

“A Vida e a Morte são duas urnas fechadas, cada uma delas contendo a chave que abre a outra”.


sábado, 4 de novembro de 2023

Mídia: Jorge Pontual é "falcão da guerra", é o Patton da Globo News. Por ele Netanyahu tem que botar pra quebrar.

O jornalista Jorge Pontual, da Globo News, defendeu o ataque de Israel a um comboio de ambulâncias que levava palestinos feridos para hospitais no Egito. Netanyahu admite o bombardeio e alega que havia terroristas do Hamas infiltrados no comboio. Se havia, Israel não forneceu evidências. Mesmo se houvesse, a atitude mais civilizada seria deter o comboio na fronteira com o aliado de Israel, o Egito, no momento a mais policiada do mundo, e capturar os terroristas supostamente disfarçados de feridos. A opção do radical da extrema direita, o notório Netanyahu, foi transformar o comboio e os inocentes em cinzas e sangue. Já  o comentarista Pontual, cujo sonho maior é ser um red neck republicano, um falcão da guerra, um Patton mineiro, achou pouco e defendeu a chacina. Aparentemente Pontual quer ser julgado no tribunal de Haia. Quer ser o primeiro das Alterosas a defender a desintegração de inocentes em nome da GloboNews.

Atualização em 5/11/2023


Leia no DCM

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/pontual-pede-desculpas-por-apoiar-bombardeio-de-ambulancias-em-gaza-e-admite-nao-saber-do-que-falava/

sexta-feira, 3 de novembro de 2023

Pesquisa política? Ah, não, entendi...

 


por O.V. Pochê

Sou desatento e desligado. Confesso que vi essa chamada hoje no G1 e pensei que era uma pesquisa sobre bolsonaristas. Não era, peço "escusas", como diria o iletrado Moro, ex-ministro do meliante, aos envolvidos no referido agrolevantamento.

Inteligência Artificial resgata uma autêntica canção dos Beatles... by Lennon

Lennon e o piano Steinway.
Foto de Peter Fordham 



por José Esmeraldo Gonçalves

Agora ao alcance de todos, a Inteligência Artificial, que os íntimos chamam de IA, gera polêmica entre especialistas de várias áreas. Há quem anuncie tempestades digitais de fake news, explosão de crimes cibernéticos e ondas de desemprego. Outros desprezam o pessimismo e advogam que os benefícios da IA serão maiores do que os possíveis riscos do mau uso da inovação. 

Pois a IA pede passagem ao caos anunciado, saúda a imprensa e apresenta uma boa causa. Graças à nova tecnologia, uma fita cassete rodada, enrugada e contaminada por ruídos magnéticos sobrenaturais foi ressuscitada como um Lázaro millennial subindo ao streaming. Como o mundo já sabe, a fita continha uma canção inédita gravada por John Lennon, ao piano, em 1977, no seu apartamento do Edifício Dakota, em Nova York. A IA foi usada para eliminar as interferências do tempo na desgastada gravação.  Limpa, a voz de Lennon - é a voz dele, não recriação digital - somou-se aos instrumentos de Paul McCartney, George Harrisson e Ringo Starr. E fez-se a mágica. "Now and Then", a canção, traz os Beatles de volta. 

Só um aviso aos fãs de cabelos brancos do quarteto de Liverpool: a música não vai tocar no programa Cavern Club, do DJ Big Boy, na Rádio Mundial. A IA não chega a tanto. Mas vc pode ouvi-la aqui no link abaixo. A propósito, o lendário Big Boy teria sido responsável por lançar no rádio a canção "Let It Be", em 1970. Conta-se o causo como o caso foi que em visita à Apple, em Londres, ele assistiu a uma das sessões de gravação da música ao lado de jornalistas convidados. Como tentava uma entrevista, levava um gravador Panasonic na mochila de grife "feira hippie" da General Osório. Assim, de volta ao Rio, Big Boy fez o "lançamento mundial" e pirata de "Let It Be". 

Ouça Now and Then

https://www.youtube.com/watch?v=AW55J2zE3N4

E veja a letra

Now And Then 

(John Lennon) 

I know it's true, it's all because of you

And if I make it through, it's all because of you

And now and then, if we must start again

Well, we will know for sure that I love you

I don't want to lose you, oh no, no, no

Lose you or abuse you, oh no, no, no, sweet darlin'

But if you have to go away

If you have to go

Now and then, I miss you

Oh now and then, I want it to return to me

I know return to me

I know it's true, it's all because of you

And if you go away, I know you never stay

I don't want to lose you, oh no, no, no

Abuse you or confuse you, oh no, no, no, sweet darlin'

But if you have to go

Well I will not stop you there

And if you have to go

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Do Charlie Hebdo: o homem-bomba resiste

 


15 anos depois, O "Aconteceu" continua acontecendo

Livraria da Travessa, Leblon, 2008: lançamento do livro "Aconteceu
na Manchete, as histórias que ninguém contou". 


Na noite de autógrafos: Jussara Razzé, Roberto Muggiati, Carlos Heitor Cony, Angela do Rego
Monteiro, Alice Mariano, J.A.Barros. Sentados: Lincoln Martins, Renato Sérgio,
José Rodolpho Câmara e Daysi Prétola. Fotos:Divulgação


Nunca foi a história oficial da Bloch, mas um documento sobre a vida que pulsava nas redações. Carrega a irreverência e as revelações que não seriam possíveis em uma obra "chapa branca". Lançada em 3 de novembro de 2008, a coletânea "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou" (Desiderata), organizada por José Esmeraldo Gonçalves e J.A.Barros, reúne os relatos de jornalistas que trabalharam na Manchete, Fatos & Fotos, Fatos, Amiga, Desfile, EleEla, Carinho, Mulher de Hoje, Tendência, Sétimo Céu, Geográfica, entre outras publicações e centenas de edições especiais. 

Durante as reuniões de pauta que estruturaram o livro alguns marcos foram indicando um caminho. A coletânea reuniria 16 autores de várias redações, cada um contando sua experiência na editora, em estilo próprio,  autêntico, sem linguagem padronizada ou pasteurizada: Carlos Heitor Cony, Roberto Muggiati, José Esmeraldo Gonçalves, José Rodolpho Câmara, J.A. Barros, Daisy Prétola, Lenira Alcure, Angela do Rego Monteiro, Marília Campos, Renato Sérgio, Maria Alice Mariano, Alberto Carvalho, Orlando Abrunhosa, Beatriz Lajta, Jussara Razzé e Lincoln Martins. Com 432 páginas, além de um caderno com fotos marcantes e prefácio de João Máximo, o 'Aconteceu" incluia ainda depoimentos de fotógrafos, funcionários administrativos e personalidades convidadas, entre os quais Oscar Niemeyer, Ivo Pitanguy, Murilo Mello Filhos, Arnaldo Niskier, Zevi Ghivelder, Gervásio Baptista, Nilton Ricardo, Frederico Mendes, Eli Halfoun, Célio Lyra, Flávio Moteira da Costa e Lairton Cabral, A noite de autógrafos realizada na Livraria da Travessa, no Shopping Leblon, não foi apenas um momento literário. Tornou-se de fato um encontro marcado com centenas de colegas que atuaram na Bloch e leitores de várias gerações que cresceram acompanhando as revistas mensais e semanais da editora carioca. 

O livro ainda pode ser adquirido em sebos físicos e virtuais. Para nossa satisfação, encontrou um público especial nas universidades de todo o país como referência para publicações sobre jornalismo, é muito citado em TCCs e reconhecido como uma fonte de informações sobre métodos de trabalho nas redações nas fases anteriores ao impacto da internet e mesmo na transição para a era digital. 

À margem, literalmente, do corpo principal de cada página, o "Aconteceu na Manchete" oferece uma vasta série de pequenas histórias divertidas e bem-humoradas ligadas tanto aos bastidores do jornalismo quanto aos "causos" presentes nas redações. Essa seção chama-se 'Blog da Bloch". E foi o conteúdo desse espaço que inspirou a criação do "Panis Cum Ovum, o blog que virou manchete", que foi ao ar em junho de 2009 e ainda resiste na web. Trata-se da expansão on line e sempre atualizada de uma coletânea impressa lançada há distantes15 anos e que continua acontecendo.               

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Racismo na mídia: jornal espanhol faz campanha contra Vini Jr

 

A maioria dos imigrantes brasileiros na Espanha tem relatos de casos de racismo. As seguidas agressões ao jogador Vini Jr, do Real Madrid, são o espelho maior do preconceito vigente em grande parte de uma sociedade conservadora com raízes profundas no franquismo fascista. No futebol, há tolerância quanto às manifestações racistas tanto por parte da entidade local, La Liga, quanto pela Fifa, que se limita a fazer campanhas educaticas e não pune os clubes. Só quando times forem de fato responsabilizados, os cartolas espanhóis tomarão medidas sérias contra os seus torcedores racistas. Não apenas Vini Jr, Marcelo, Rivaldo, Daniel Alves e outros sofreram agressões racistas nos estádios espanhóis. Além  disso, onde estão as leis? A onda preconceituosa se afirma porque não há ou não são aplicadas medidas na área criminal. O racismo chega ao ponto de um jornal, o Super Deporte, mal disfarçar sua intolerância ao fazer uma campanha contra Vini Jr e tentar desacreditar as muitas provas em vídeos que assinalam os ataques. Se em algum momento o jogador for agredido nas ruas esse tipo de incentivo terá alcançado maus torcedores que se sentirão respaldados por campanhas irresponsáveis como essa do Super Deporte.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Memórias da redação: Bastidores de uma entrevista de Pelé para a Ele/Ela. Por Osvaldo Salomão (*)

A MEMÓRIA SEMPRE PRESENTE DE SUA MAJESTADE, O REI PELÉ !

Osvaldo Salomão entrevista Pelé em 1986. No alto,
o autógrafo do Rei em uma lauda da EleEla. Foto: Arquivo pessoal OS


por Osvaldo Salomão

Comecinho da noite dessa segunda-feira, 23 de outubro, o Facebook veio me fazer um convite, de que seria interessante dar um bis em uma de minhas postagens, de quando o fato em foco foi o rei do futebol, o genial Pelé. Convite de pronto aceito, nessa data em que Pelé estaria comemorando 83 anos. Portanto, a seguir, a minha publicação de três anos atrás, numa data festiva para Pelé, ocasião que aproveito para contar um dos meus encontros com o craque brasileiro, um talento raro de habilidade e técnica, que mudou a história e a própria dinâmica do futebol. 

"O DIFÍCIL, O EXTRAORDINÁRIO, NÃO É FAZER MIL GOLS COMO PELÉ. É FAZER UM GOL COMO PELÉ"

(Carlos Drummond de Andrade) 

O fato em foco do momento no mundo esportivo era o aniversário de 80 anos de Pelé, em uma sexta-feira, 23 de outubro, o genial futebolista, mineiro de Três Corações, o Atleta do Século. 

Ao longo de minha carreira de jornalista, Pelé me concedeu a honra e o privilégio de três entrevistas exclusivas, sendo sempre recebido pelo craque com gentileza, simplicidade e com todo o tempo do mundo para falar sobre qualquer assunto.

A entrevista da foto aconteceu às vésperas da Copa do Mundo do México de 1986, aquela vencida pela seleção argentina de Maradona, matéria publicada em abril daquele ano nas primeiras páginas de ELE ELA, do Grupo Bloch/Manchete, no Rio de Janeiro, revista na qual trabalhei (feliz demais da conta, sô!) por muitos verões de 40 graus.

Nesse encontro, estamos no apartamento de Alfredo Saad, amigo particular de Pelé, imóvel de fino trato, amplo e confortável, com direito a uma original tenda árabe na varanda, fotos de celebridades amigas por todos os cantos, cobertura localizada no Edifício Chopin, na capital carioca, coladinha ao Hotel Copacabana Palace. Ex-presidente do Esporte Clube Bahia, há anos radicado no Rio de Janeiro, Alfredo Saad atuava, na ocasião, intermediando a transferência de técnicos e jogadores para o futebol do Oriente Médio. Telê Santana, por exemplo, foi um dos primeiros treinadores brasileiros a fazer parte desta lista de exportados. 

Se derretendo de alegria e descontração em seu momento de anfitrião, Saad gostava de contar histórias. Me disse que foi ele quem impulsionou a carreira de Marta Rocha, de modelo a Miss Bahia - e, depois, Miss Brasil. A amizade entre os dois, Saad e Marta Rocha, vinha desde a adolescência, comecinho dos anos 1950, quando moravam em Salvador, Bahia.

Outra recordação que contou "morrendo de rir", aconteceu em Jeddah, na Arábia Saudita, envolvendo ele próprio, Saad, e Telê Santana, que chegava à cidade saudita para treinar o Al-Ahli. Isso em 1983. A cena aconteceu em uma joalheria de luxo, onde estavam Saad e Telê. De repente, ficam absolutamente sozinhos na loja, cercados de ouro, pedras e peças preciosas por todos os lados. Os sauditas tinham se retirado do estabelecimento quando convocados para rezar à Meca em algum ponto daquela região da cidade. 

Outro momento de certa curiosidade da entrevista se deu na pausa para um cafezinho feitinho na hora, quando Pelé, de quebra, aproveitou para atender a um telefonema. Talvez, uma ligação a partir do bairro carioca do Grajau, onde morava a Xuxa, sua namorada na época. Sempre lembrando que foi Pelé quem apostou no potencial da loura para fazer carreira na televisão. Sucesso é o que essa gaúcha de Santa Rosa tinha de sobra como modelo fotográfico. Pelé fez o cartaz de Xuxa junto à direção da recém-inaugurada Rede Manchete. Dito e feito. Em 1983, aos 20 anos, Xuxa ganha o comando do programa "Clube da Criança", a convite de Maurício Sherman, diretor artístico da emissora. Dessa tabelinha do Rei do Futebol nasce a Rainha dos Baixinhos. 

Nessas bem traçadas linhas fica a minha homenagem a Pelé, cujo talento muitas vezes apreciei de pertinho, nos estádios, ou em glorioso preto e branco, na tela da tevê. Agradeço a sua atenção. Uma feliz terça-feira para todos nós. Um abraço. Salomão.

(*) Texto publicado originalmente no Facebook, remetido pelo atento colaborador do blog Nilton Muniz) 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A loucademia olímpica


Bilboquê: próximo esporte olímpico? Foto Divulgação 


por Niko Bolontrin

Os Jogos Olímpicos de Verão podem seguir a trajetória decadente dos concursos de miss? Se você acha a comparação absurda, observe alguns detalhes. 

* Sem um critério à vista, o Comitê Olímpico Internacional incorpora a cada edição as mais intrigantes modalidades. Parece ceder a lobbies.

* A interferência política dos Estados Unidos sob qualquer pretexto: acusações de doping em massa não suficientemente comprovadas, boicote a países por motivos de guerra, sendo que os EUA invadiram vários países e registaram episódios de doping e nunca foram punidos coletivamente. No atletismo houve casos em série. O país controla Wada, o órgão mundial que apura casos de doping.

* A forte influência de patrocinadores na escolha de sedes.

* O desprezo aos chamados ideais olímpicos. A igualdade e a universalidade dos Jogos passaram sofrer o assédio geopolítico e financeiro. 

Querem exemplo? O planeta tem, no momento, segundo a ONU, 193 países. Mesmo assim, Los Angeles (1932,1984) vai sediar sua terceira olimpíada. (2028). Nada justifica esse privilégio, só o vil metal; e não me refiro ao ouro, prata e bronze que sobem aos pódios. Paris também terá o tri (1900, 1924 e 2024), mas os Estados Unidos, receberam a Olimpíada de Atlanta (1996), sã o país mais premiado pelo COI.

Pior é o COI adicionar as mais estapafúrdias modalidades. Los Angeles, vai incorporar um troço chamado flag football. Nesse estranho jogo, semelhante ao futebol americano, os atletas levam uma fitinha colorida amarrada na cintura. Sempre que um adversário captura a fita a bola reverte para o seu time e a jogada recomeça. Paris vai estrear o "esporte" breakdance. Sério? Breakdance é cultura, mas não é esporte. O COI diz que pretende atrair o público jovem. De certa forma, menos mal: em 1936, o COI quis atrair um público muito sinistro e realizou os jogos em Berlim, então vitrine do nazismo.

De qualquer forma, o Rio, que sediou os Jogos de 2016 e foi elogiado pelo Comitê Olímpico, já pode se candidatar a sede nos próximos anos 30 e sugerir novas modalidades ao gosto do COI. Capitais como Florianópolis, Salvador e Cuiabá planejam apresentar candidaturas. Resgatando tradições locais, cinco novas categorias estariam no páreo:

*Bola de gude

• Bilboquê

* Bafo

* Palito (versão italiana do Brás)

* Cuspe à distância

Foto Divulgação 
Podem entrar na fila, o Altinha das praias cariocas e nas candidaturas internacionais o arremesso de tronco de árvores, a corrida do lenhador (Escócia) e o concurso de comer hambúrguer (no estado de Washington).

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Ancelotti não quer levar saco de pipoca na cabeça

 

Reprodução X

A CBF garante que ao fim da Champions 2023/2024, Ancelotti, o treinador do Real Madrid, faz as malas e desembarca na seleção brasileira. Parece que falta combinar com o "professor". Ele acaba de declarar que essa possibilidade não passa de rumor e que está muito bem no time espanhol. Ancelotti deve ter visto o empate do Brasil com a Venezuela e constatou que a "base" de Tite, que fracassou em duas Copas e é mantida pelo interino Fernando Diniz, está descendo ainda mais a ladeira. Talvez Ancelotti esteja apavorado com a possibilidade de ter que aturar Neymar. Ou não quer levar saco de pipoca na cabeça. De qualquer forma está cheio de razão. 

Publicidade: o caju invertido da marca L' Occitane cai no ridículo e a piada sobra para Grazi Massafera

 

Grazi e o falso caju. Reprodução 

A garotada abusa do soft e toma no caju. A produção da nova campanha da L'Occitane saiu colando imagens e alguém que foi barrado no Enem e nunca viu um caju no pé (achava que nasce na prateleira do supermercado) inverteu a fruta no galho. Caju nasce pela polpa, não pela castanha. As folhas usadas na montagem dos rapazes do design também não são de cajueiro. Parecem mais de parreira. O resultado, que é ridículo, viralizou na rede. E a atriz Grazi, coitada, virou alvo. O risco é a consumidora achar que o produto para pele é tão falso quanto o comercial.


domingo, 15 de outubro de 2023

Folha de São Paulo registra o adeus a J.A.Barros




 





João Américo Barros (1931-2023): algumas linhas e imagens para a última página

João Américo Barros.
Paraty, 3 de setembro de 2023.
Foto: Arquivo Pessoal

por José Esmeraldo Gonçalves 

Esta última foto do João Américo Barros nos remete a um instante de profunda paz. Ele esteve em Paraty, no primeiro fim de semana de setembro, com a filha, Lúcia, e o genro Fernando e, de lá, enviou uma mensagem no whatsapp contando suas impressões da cidade. Barros gostava muito de História e a "capital" colonial do Ciclo do Ouro inspirou seu comentário. No domingo, dia 3, qundo voltava de Paraty enviou o que seria a derradeira mensagem. Queria saber do resultado do GP de Monza. A Fórmula 1 era outro dos seus interesses além do Flamengo que, naquele domingo, lhe deu a alegria de derrotar o Botafogo. "Em tempo: ganhamos do Bota", assim ele encerrou o papo virtual. Apenas dois dias depois foi atendido em emergência e, em seguida, levado à UTI com sintomas de uma pneumonia que resultou em infecção generalizada. Não foi embora sem luta. Aos 92 anos, resistiu por mais de um mês. 

O faixa preta Barros foi homenageado pelos colegas do aikido. Maio de 2023.
Foto: Arquivo Pessoal

A segunda foto foi feita em maio desse ano. Registra uma homenagem que a turma de aikido fez ao atleta que era faixa preta desde 2011, quando completou 80 anos. A imagem também é simbólica do seu jeito de ser. Barros não se isolou no outono da vida. Mantinha-se ativo no Facebook, voltou a pintar, era bem informado, conversava sobre política, sempre civilizado e ora com esperança ora com decepção. 

Em um dos seus artigos, ele abordou o ataque
à democracia em 8 de janeiro.

Lamentava não ter tempo para ver o Brasil que sonhamos, socialmente justo e desenvolvido, virar enfim uma realidade. Publicou neste blog reflexões políticas, profissionais e pessoais.

Bem no começo dos anos 1980, o então chefe de Arte da Fatos & Fotos, Ezio Speranza, deixou a Bloch. Barros, que entrou na editora como diagramador da revista Tendência e, em seguida, tornou-se diretor de Arte da Manchete Esportiva, foi indicado para o posto. Era o nome certo. Carregava no currículo nada menos do que O Cruzeiro, a mais importante revista ilustrada do Brasil até meados do anos 1960. Após uma temporada na FF, até 1986, ele foi transferido para a principal publicação da Bloch, a Manchete. Brincávamos que se tornara tríplice coroado como chefe de Arte por ter passado pelo O Cruzeiro, Fatos&Fotos e, finalmente, Manchete, as três revistas mais conhecidas no segmento ilustrado de atualidades e variedades. Trabalhei com o Barros por mais de 15 anos. Certamente enfrentamos bons e maus momentos naquelas revistas semanais intensas e desafiadoras. Este blog, para o qual ele criou o logotipo costuma recontar memórias das redações. Vou citar dois momentos que, tenho certeza, foram marcantes nas nossas trajetórias profissionais. Um de frustração e outro de realização. Em 1984, a Fatos & Fotos agonizava em praça pública travada por pouco investimento e baixa circulação em uma época em que a Bloch priorizava a decolagem da Rede Manchete. Carlos Heitor Cony, o diretor, Barros, o diretor de Arte e eu, editor-executivo, não aguentávamos mais carregar aquele fardo. Conversávamos os três sobre o que poderíamos propor à direção da empresa. 

João Américo Barros, José Esmeraldo e Carlos Heitor Cony.
Foto: Jussara Razzé
 

Cony pensou no assunto e, um dia, nos convidou para uma reunião fora da sede da Bloch. A ditadura também agonizava naquele época, talvez até mais do que a FF, embora ainda exibisse força.  Os milicos conseguiram barrar as Diretas-Já e manobravam para eleger Paulo Maluf no famigerado Colégio Eleitoral quando o nome de Tancredo Neves se impôs como uma alternativa. Cony havia sido convidado por Tancredo para dar  consultoria sobre a campanha. Foi várias vezes a Belo Horizonte. A ideia era - apesar de se tratar de uma eleição fechada em um Colégio eleitoral espúrio, criado pela ditadura, tentar falar com a população, procurar captar parte da força que o país demonstrara na épica jornada das Diretas-Já. 

Barros no Hotel Novo Mundo em 2005: almoço comemorativo
dos 20 anos do lançamento da revista Fatos: o melhor fracasso das nossas vidas.
Foto: Jussara Razzé  

E foi essa possibilidade de mudança no Brasil que Cony usou como argumento para levar a Adolpho Bloch a sugestão de fechar a Fatos & Fotos e lançar a Fatos, uma revista semanal de informação, análise, cultura, economia, política, reportagens investigativas e um time de colunistas, redatores e repórteres de referência. Em uma segunda reunião, fizemos um projeto detalhado para a Fatos. Barros criou o visual da nova revista. Foi feito um número zero, que Adolpho aprovou apesar da resistência de outros diretores. A primeira edição foi lançada em março de 1985. O que não sabíamos era que aquela resistência logo se transformaria em forte campanha interna liderada por pelo menos um jornalista que havia sido informante da ditadura e que mobilizou outros editores da Bloch em uma espécie de brigada contra a Fatos. Após um ano e quatro meses, a "jihad" formada pelo dedo-duro se transformou em sanção financeira. A empresa passou a atrasar sistematicamente o pagamento dos colaboradores, a maioria freelance. As reclamações da equipe, justas e insuportáveis, levaram Cony a virar literalmente a última página da Fatos, um projeto pelo qual lutamos até onde foi possível. Mais uma vez tivemos uma conversa a três e concluímos que não havia mais condição de tentar por em pé uma revista proscrita na própria editora. E, assim, as luzes da redação foram apagadas e eu e o Barros fomos incorporados à Manchete. Cony manobrou junto à direção da Bloch e parte da equipe foi acomodada em outras publicações da casa. 

Ficou o gosto amargo das noites insones de fechamento, do esforço perdido. A realização só viria cerca de 20 anos depois. A Bloch não existia mais em 2005 quando um grupo remanescente da antiga equipe da Fatos organizou um almoço no Hotel Novo Mundo para marcar os 20 anos do lançamento daquela revista, se viva ainda fosse. Foi durante esse encontro que nasceu a ideia de uma coletânea com as memórias dos bastidores das redações da Bloch. Depois de três anos de trabalho, com base em um projeto gráfico idealizado por J.A.Barros, foi lançado o livro "Aconteceu na Manchete - as histórias que ninguém contou" (Desiderata). Cony chamou a coletânea de "nossa pequena vingança" - e escreveu isso na página de rosto de um exemplar que autografou para mim. A história da Fatos e da "jihad" contra a revista estava lá, exposta e revelada. Naquele dia 3 de novembro de 2008, há 15 anos, com a Livraria da Travessa, no Leblon, lotada de amigos, a frustração foi curada. 

No capítulo que escreveu para a coletânea - "Quarenta e seis anos paginando os fatos e as fotos" - Barros contou sua longa e brilhante trajetória no jornalismo. Em meio às recordações, ele comentou o processo de informatização da Bloch Editores na segunda metade dos anos 1980. Designer formado no lápis, Barros assimilou com rapidez e naturalidade as novas tecnologias. Os analistas de computação mais jovens costumavam duvidar da capacidade das gerações mais rodadas dominarem hard e software. Ele desmoralizou o preconceito. Em poucas semanas tornou-se amigo de infância do Macintosh. Esse era o Barros. Vá bem, irmão.                                          

Antiga edição da Manchete motiva livro sobre Milton Nascimento

A Revista Manchete é passado mas permanece como um repositório da memória cultural do Brasil. Duvida?Veja no link essa matéria garimpada por Nilton Muniz, colaborador do blog.

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid02xLbR3wEwwMQAiwxyjMq1n3UzgQFixFWgHmdqUfT3efPLteUFjP75ou5FJSCdrNAHl&id=100002802673942&sfnsn=wiwspmo&mibextid=K8Wfd2

Boimate - Atual diretor do Estadão ganhou há 40 anos o Troféu do Mais Ridículo


Da Revista Fórum (por Antônio Melo)

"Esta semana, o Estado publicou a mentira de que Lula teria interferido em um empréstimo de US$ 1 bilhão à Argentina, o que foi prontamente negado pela ministra Simone Tebet, afirmando que foi uma decisão de 19 membros, em 20, do Banco, e nenhum dinheiro era brasileiro. Mais um boimate.

Aqui está uma reprodução da página Veja, publicada em 27 de abril de 1983, com uma história incrível do mundo. A Veja só publicou "Erramos", um ano depois, em 11 de abril de 1984.

Veja no link

https://www.facebook.com/100062908875557/posts/pfbid0ERMbcFUTSxVPjGVC85BuduAiHc4Y3SNQ6z9YKwHf8VgXcxJNN41SBL7VhBqcAho5l/?sfnsn=wiwspmo&mibextid=K8Wfd2

Frase do dia

"Aqui jaz Fernando Sabino. Nasceu homem, morreu menino". 

Epitáfio do autor de Encontro marcado, nascido em 12 de outubro de 1923, morto em 11 de outubro de 2004.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Roberto Muggiati revela o traço irônico e bem-humorado de J.A.Barros (1931- 2023) nos bastidores da redação da Manchete e recorda o dia em que ele preparou uma "armadilha" para um crítico de cinema presunçoso


J.A.Barros transformou em figuras muita gente da velha Bloch. Mas, infelizmente, suas frágeis  esculturas eram arte efêmera. Nem o próprio artista guardou suas caricaturas em 3D. A técnica era simples. 
Ele fazia o desenho colorido sobre papel branco que, em seguida, recortava e colava sobre uma pequena placa de isopor. 

Aí aparava cuidadosamente o conjunto, obedecendo ao contorno marcado pelo desenho e adicionava uma espécie de minipedestal. 

Bela figura que se vai. O amigo Barros faleceu hoje, aos 92 anos.





Os exemplares reproduzidos acima são raríssimos e pertencem aos meus arquivos. Barros presenteava aos seus caricaturados e fui um deles. Os desenhos eram feitos nas horas que afinal importam: as vagas.   

Leia também "O teste Guilaroff de Cinefilia" sobre o dia em que o Barros surpreendeu um famoso crítico de cinema. 

Amantes do cinema se reconhecem pelo apego ao detalhe. No caso, aqueles créditos de produção que, nos anos 40 e 50 rolavam sempre no começo da “fita”. Dos atores principais ao diretor, passando por cenário, fotografia, música, orquestrações, figurinos e ... cabelos. De tanto ir ao cinema, ficávamos – os mais curiosos – com aqueles nomes gravados na memória. Foi assim que nosso diagramador João Américo Barros me surpreendeu uma tarde na redação ao perguntar a um crítico da Manchete, à queima roupa, se ele conhecia Sydney Guilaroff. O crítico não era um crítico qualquer, mas um daqueles Moniz Vianna’s boys que galopavam com os cavalarianos de John Wayne no Monument Valley e davam relutantes duas ou três estrelas aos filmes em cartaz no famoso quadro de cotações do Correio da Manhã. Sem nenhum pudor ou culpa o crítico respondeu: “Sidinêi quem?” Vibrei com o Barros, Sydney Guilaroff foi um nome que, desde que o vi na tela pela primeira vez, eu carregaria na cabeça para o resto da vida, mesmo sem conhecer ainda sua incrível história. E saquei na hora também que o Barros tinha criado o teste definitivo de cinefilia. Se o cara ignorava Sydney Guilaroff, não merecia ser considerado cinéfilo, mesmo assinando todas as críticas do mundo. 

CLIQUE AQUI

 


quarta-feira, 11 de outubro de 2023

A anexação de Gaza pode ser o troféu de guerra de Netanyahu?

 

Reprodução X

Depois de responsabilizar o primeiro- ministro Benjamin Netanyahu pela política que expôs Israel ao ataque terrorista do Hamas, o jornal Haaretz defende a sua saída imediata do poder. Enquanto isso, Netanyahu acaba de formar um "gabinete de guerra" com participação  da oposição, que pode ser um embrião do governo de "união nacional" que ele pretende constituir para escapar da degola. 
O primeiro-ministro ainda acha que consegue
ampliar sua base além da coligação radical que o sustenta formada por partidos religiosos e de extrema direita. Para ele, tanto o choque causado na população diante das cenas sangrentas da invasão do Hamas como os bombardeios arrasadores da aviação israelense sobre Gaza podem ser explorados como trunfos políticos. Netanyahu conta com isso para neutralizar as críticas sobre as falhas dos serviços de segurança surpreendidos pela ação terrorista do Hamas. 
A tendência é que o primeiro-ministro ponha na mesa, após a invasão terrestre de Gaza pelas tropas da IDF, uma proposta ousada: a anexação da Faixa de Gaza. Esse seria o sentido de uma das suas frases após a operação terrorista do Hamas. "O que Israel fará nos próximos dias ressoará nas gerações futuras", ele disse. Como tem demonstrado nos seus pronunciamentos sua opção é capitalizar a sede de vingança da população e transformar Gaza na Dresden do século 21. A escolha dos israelenses, pelo menos daquela multidão que foi às ruas para protestar contra o seu golpe legislativo que tirou poderes da Justiça, é cancelar Netanyahu. Os israelenses mortos pelo Hamas, assim como as vítimas civis do bombardeios em Gaza, levam suas digitais. 


segunda-feira, 9 de outubro de 2023

Mídia: GloboNews diz que PT apoia o Hamas

 

Reprodução x

A comentarista Mônica Waldvogel informou que o PT apoia o Hamas. Como se trata de uma jornalista supostamente responsável, deve ter apurado bem antes de divulgar. O governo brasileiro emitiu nota onde classifica o Hamas de organização terrorista, que é.  Criticar a direita israelense e suas políticas diante da questão palestina não significa apoiar o terrorismo. A Waldvogel, agora um espécie de James Bond de Gaza, deveria mostrar todas as provas que levantou sobre o apoio generalizado do PT ao Hamas.  

Reveja a nota que Lula divulgou no sábado 7/10.
"
Fiquei chocado com os ataques terroristas realizados hoje contra civis em Israel, que causaram numerosas vítimas. Ao expressar minhas condolências aos familiares das vítimas, reafirmo meu repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas. O Brasil não poupará esforços para evitar a escalada do conflito, inclusive no exercício da Presidência do Conselho de Segurança da ONU.
Conclamo a comunidade internacional a trabalhar para que se retomem imediatamente negociações que conduzam a uma solução ao conflito que garanta a existência de um Estado Palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados".

Imagem reproduzida do X

sábado, 7 de outubro de 2023

Fotografia: o voo da deusa da raça

 


O Globo de hoje publica essa belíssima foto da ginasta Rebeca Andrade. Perfeita. O fundo escuro do ginásio ressalta o voo da brasileira que ontem ganhou medalha de prata. Essa foto seria uma belíssima página dupla no tempo remoto das revistas ilustradas impressas. Hoje, na prova de salto, Rebeca ganhou o ouro. E quem foi prata? Ninguém menos do que a campeoníssima Simone Biles, atleta estadunidense. A foto é da AFP, assinada pelo fotógrafo Lionel Boaventura. Os jornais não enviam mais fotógrafos brasileiros para cobertura de mundiais de atletismo, judô, ginástica, natação etc. É caro, justificam. Mesmo na Copa do Mundo do Catar foram poucos os enviados especiais. Com sorte, os editores poderão, quem sabe, valorizar a Olimpíada de Paris ano que vem. A divulgação das competições é importante para os patrocinadores que ainda apoiam o esporte e isso beneficia os atletas. Resta às confederações levarem seus próprios fotógrafos para obterem alguma visibilidade para os atletas nos veículos digitais. Não apenas para o marketing, mas para os leitores que acompanham os esportes. Pelo menos uma agência estrangeira registrou o momento único da brasileira Rebeca Andrade. Valeu Lionel.

sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Messi voltará a jogar na Europa?

por Niko Bolontrin

O Inter, de Miami, atualmente em campanha pífia no campeonato norte-americano,  pode emprestar Lionel Messi a um clube europeu em janeiro. Não se sabe se o contrato permite que Messi seja tratado como uma peça intinerante ou se o time pode fazer leasing do jogador mesmo contra a vontade dele. Ao aceitar jogar nos Estados Unidos Messi fez uma opção pessoal que nada tem a ver com futebol, que ele sabia não existir em nível aceitável na MSL, a liga que promove o medíocre campeonato estadunidense. O público do futebol - soccer, como eles chamam - nos Estados Unidos e formado por mexicanos, gualtemaltecos, venezuelanos, hondurenhos, brasileiros, costarriquenhos etc. No caso do Messi somam-se estadunidenses que querem ver a celebridade Messi, o "animal raro",  não o futebol do qual eles não entendem xongas. Messi foi para Miami por dois motivos: dinheiro, claro, e não deve ser julgado por isso, e para proporcionar à família uma experiência no way of life local. Voltar à Europa mesmo que por empréstimo pode não ser seu sonho de consumo atual. Ele já anunciou que não renovará em2025 o contrato com o Inter de Miami e vai encerrar a carreira na Argentina. No Newell's que o revelou para o mundo.


Copa do Mundo vai virar o Planetão

 

Reprodução X


Segue o comentário de Niko Bolontrin, da equipe do blog 

A previsão é que na Copa de 2038 o número de participantes na fase de grupos atinja 148 seleções em 36 paises escalados como sede. Piada? Nem tanto. Para o presidente da FIFA, o Infantino, a questão é eleitoral. Em busca da reeleição, ele tenta atender a todos os países que se candidatam a sediar uma Copa. Para isso, faz um complicado coletivo. Torcedor que quiser acompanhar sua seleção terá  que gastar milhares de dólares em passagem e hospedagem. Fora isso, só milionários com jatinhos e acesso ao camarote da Forbes .

A Copa de 2026 já será intinerante e vai mambembar entre México, Canadá e Estados Unidos. A de 1930 perambulará por Marrocos, Portugal, Espanha, Argentina, Uruguai e Paraguai. É possível ainda que a FIFA arrume uma vaguinha para o Chile. Esses pacotes de mudanças podem ser efeito de pressões norte-americanas. Os Estados Unidos sempre sempre se ressentiram por não controlarem o futebol, mas agora estão avançando nesse sentido. Já dominam o Comitê Olímpico, todo o sistema de controle de doping, o tênis e o atletismo. Opositores da tentativa de hegemonia dos norte-americanos temem que aconteça com o futebol o mesmo que ocorre com a Fórmula 1 cujo controle foi adquirido  por um grupo dos Estados Unidos. Desde então, a modalidade se tornou mais comercial do que esportiva, com mudanças de regras tão constantes que as equipes não conseguem acompanhar, além de resultados suspeitos de manipulação, como o primeiro título da Red Bull e do seu piloto Max Vestappen. Faz sentido. A MLS, a liga estadunidense do soccer, jat fez várias tentativas para impor novas regras, em geral modificações que desfiguram o jogo.

quarta-feira, 4 de outubro de 2023

"Compro hemoglobina e plasma". Senado transforma sangue humano em commoditie

Talvez com exceção dos Congressos da ditadura, o atual Senado e Câmara são os piores da história do Brasil. Nem a República Velha que fraudava votos para entupir o parlamento de picaretas diplomados foi tão medíocre e intelectualmente desonesta. O Senado despeja com velocidade impressionante pacotes inomináveis nas vidas dos brasileiros. Geralmente tais medidas atendem a lobbies poderosos ou a interesses particulares dos digníssimos.

Pois após investir contra o STF o Senado levará a votação a lei que que transforma o sangue humano em mercadoria. Sabe as placas que vemos nas ruas do tipo "compro ouro"? Ou o "carro do ovo" que passa na sua rua? Pois é, será a vez do sangue estar em promoção. Surgirão lojas populares do tipo"Sangue Bom Atacadão". Claro aparecerão lojas chiques na Faria Limer, Blood Top, El Sangre Libre, Paris Rouge. Mas a coisa não será tão bucólica, digamos. O comércio de plasma envolverá grandes corporações. A expressão "dou o meu sangue" vai sumir no momento em que a hemoglobina virar commoditie.

A permissão para a venda de sangue é apenas o começo. Os senadores pensam na frente. Não demora muito será aprovada a franquia para venda de rim, fígado e coração.

É isso, amigo, o Senado vai privatizar suas tripas e seus miúdos. O problema é a rapaziada começar a sequestrar você para revender nos shoppings que os senadores vão liberar os novos objetos de valor.  Claro, deputados e senadores que por acaso precisarem de transfusões e transplantes terão or órgãos pagos por verbas públicas.

Depois de 8 de Janeiro, STF sob novo ataque. Dessa vez os "kids brancos" do Senado ameaçam a Corte

 




segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Geraldo Matheus Torloni (1930-2023) : a Arte como destino

 

Geraldo Matheus Torloni.
Foto/Reprodução Instagram

Em uma mensagem sobre o falecimento do seu pai na tarde de sexta-feira, 29, a atriz Christiane Torloni escreveu no Instagram: 

- Despeço-me do meu amado pai, Geraldo Matheus, grata pela linda jornada que trilhamos juntos. Grata pela Arte, Ética e Amor com que ele me abençoou. E como diz Oscar Wilde: 'O mistério do Amor é maior do que o mistério da Morte'”. 


Geraldo Maheus Torloni tinha 93 anos e, de fato, dedicou sua vida à arte. Foi autor, ator, diretor, produtor e administrador teatral. 

Pode-se dizer que foi um roteiro casual e não escrito que o levou à Manchete. Em meados dos anos 1970, Adolpho Bloch foi nomeado diretor da Fundação de Teatros do Estado do Rio de Janeiro. Assumiu o cargo disposto a não fazer figuração. Ao fim da administração, entre outras realizações, havia reformado o Theatro Municipal, instalado uma moderna Central Técnica de Produções Teatrais em apoio aos espetáculos e construído o Teatro Villa-Lobos. No campo artístico, montou uma programação  intensa, Foram 23 óperas e balés clássicos. Um destaque histórico foi a encenação da Traviata, sob direção do cineasta italiano e Franco Zefirelli. 

Geraldo Matheus assumiu esse desafio ao lado do Bloch que, no seu livro biográfico O Pilão, fez um registro à competência e dedicação do amigo.  Ao fim do seu mandato à frente da Funterj,  Adolpho o convidou para dirigir o teatro da Manchete instalado na sede da empresa, na Rua do Russell. Em pouco tempo, Geraldo também assumiu funções administrativas na Bloch e idealizou mudanças para agilizar o fluxo de trabalho nos vários setores da editora. É dessa fase que muitos colegas guardarão lembranças da convivência com ele. Era conciliador, educado e objetivo na execução das mais diversas missões exigidas por duas dezenas de revistas. Quando a Bloch instalou a Rede Manchete, Geraldo Matheus foi chmado a colaborar, mais uma vez, em um projeto desafiador.  Entre outras ações, coordenou  uma linha de shows onde somou sua experiência artística e talento de administrador à teledramaturgia da nova rede.  A partir do começo dos anos 1990, o Grupo Bloch entrou em crise, os problemas se agravaram e um turbilhão financeiro abateu a Rede Manchete, que foi vendida em 1999. No ano seguinte, em agosto, a Bloch Editores pediu falência. E aí começou a longa e dramática luta dos ex-empregados para receber seus direitos.  Nessa hora difícil, Geraldo Matheus não se omitiu, ao contrário, uniu-se à Comissão do Ex-Empregados da Bloch Editores e participou até recentemente das reivindicações trabalhistas junto à Massa Falida da Bloch Editores.            

Geraldo Matheus formou-se na primeira turma da Escola de Arte Dramática de São Paulo. Ele deixa a mulher, a atriz Monah Delacy, dois filhos, Christiane Torloni e Márcio Torloni, um neto, Leonardo Carvalho, e um bisneto, Lucca Carvalho. Nossos pêsames à família.  

Para os antigos colegas da Bloch, permanecem a admiração, as lembranças da convivência e a saudade do amigo.

domingo, 1 de outubro de 2023

Repórteres do Globo não têm mais o que fazer : toda semana entrevistam um golpista da vez

 


Se o Globo cobrisse a crucificação de Jesus entrevistaria Pôncio Pilatos, o Augusto Aras da época, que o indiciou, daria espaço a Barrabás e faria o perfil do soldado romano que varou o Nazareno com uma espada. O Globo prática um jornalismo superado, o de ouvir "os dois lados", quando lhe convém. Seja qual for o "outro lado", pode ser o Marcola, pode ser o João de Deus, o Chico Picadinho. Se você consultar a coleção do New York Times verá que eles não promoveram o "viking" que invadiu o Capitólio e nem deram espaço laudatório para deputados e senadores republicanos-trumpistas que "justificaram" o ataque. Aqui, O Globo destaca com espantosa frequência o pessoal que atacou a democracia. Mourão, Braga Neto, Flávio Bolsonaro,  Arthur Maia, Moro e Dallagnol têm camarotes vip no jornalão. Dallagnol ganhou página nobre coincidentemente no mesmo dia em que vieram a público denúncias sobre notórios jornalistas do Grupo Globo que atuavam sobre ordens e pautas da Lava Jato, onde os procuradores funcionavam como chefes de reportagens de falsos profissionais. No bunker da Lava Jato, uma quadrilha pegava o celular e decidia a primeira página do jornal e a matéria de destaque no Jornal Nacional. 

O NYTimes, ao cobrir o fato e as repercussões da tentativa de golpe em Washington, deu-se ao direito e ética de não ouvir canalhas antidemocráticos. O Globo prefere adorar o " doisladismo", supõe que assim se isenta e finge defender a democracia enquanto trata golpistas e a ultra direita a caviar com pão na chapa.

Na capa da Carta Capital: O que o governo Bolsonaro defendeu durante quatro anos foi isso: o crime na Amazônia, do narcogarimpo ao narco-agro e ao narcomadeireiras