sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Gim no café da manhã com Vinicius de Moraes (*) - Vida de repórter também tem desses privilégios, mesmo quando foca - Por Walterson Sardenberg Sº

Bráulio, Vinicius, Helô e Berg (Foto de Orípides Ribeiro)


No começo de 1979 eu era um repórter iniciante da sucursal paulista da revista Manchete e, como costuma ocorrer com os novatos, só me davam carne de segunda. O filé — ainda não se falava em bife ancho no Brasil — ficava para os experientes. Por isso, levei um susto quando Júlio Bartolo, o chefe de reportagem, me incumbiu de entrevistar ninguém menos que Vinicius de Moraes. Tremi. Era o primeiro entrevistado de peso da minha brevíssima trajetória.

Logo descobri que a entrevista estava marcada para um dia e horário ingratos: sábado pela manhã. Eis um dos motivos para a matéria ter caído nas mãos de um foca. Fiquei imaginando como estaria o humor do Poetinha, homem de notórias aptidões noturnas, em indigesta missão matutina.

Cheio de dedos, o Júlio Bartolo me instruiu que a reportagem não seria um perfil de Vinicius. Muito menos um papo solto sobre suas peripécias como poeta e compositor. Nada disso.

A matéria tinha uma pauta bem definida: seria um encontro do poeta com sua musa, Helô Pinheiro. Exatamente: aquela que inspirou Tom Jobim a compor a melodia e Vinicius de Moraes a escrever a letra de “Garota de Ipanema”, no ano de 1962. Eis aí uma segunda razão para a incumbência ter parado nas mãos de um neófito.

Quando a canção foi feita, Helô era apenas uma bela garota morena de olhos verdes, com 17 anos, que ia ao Bar Veloso, na esquina das ruas Prudente de Moraes e Montenegro, em Ipanema, comprar cigarros para a mãe. Na época, nem chegou a papear com a dupla de boêmios e compositores. Não teve, portanto, a importância de outras musas, como Beatriz para Dante, Marília para Tomás Antônio Gonzaga, Matilde Urritia para Pablo Neruda ou Carlos Alberto Brilhante Ustra para Jair Messias Bolsonaro.

Ainda assim, em virtude da canção, Helô Pinheiro acabou conhecida em todo o país e tornou-se amiga de Vinicius e Tom — que com a primeira mulher, Tereza Hermanny, seriam, mais tarde, padrinhos de casamento da musa. Isso ocorreu quando Sérgio Alberto, jornalista da Manchete, descobriu que ela era a doce, linda e bronzeada inspiração para “Garota de Ipanema”. Daí em diante, reportagens e mais reportagens foram escritas — e fotografadas — sobre o assunto. Sobretudo, na própria Manchete. Só o repórter Tarlis Batista deve ter feito umas quinze.

Em geral, essas matérias eram publicadas, com mais justificativas, quando a “Garota de Ipanema” fazia aniversário. Não a musa, veja bem — mas a canção. Assim foi em 1972, quando “Garota de Ipanema” fez dez anos, e em 1977, quando completou quinze. Mas naquele ano de 1979 não havia efeméride para celebrar. Por que então a encomenda?

Não foi difícil descobrir. Àquela altura, Helô Pinheiro estava morando com o marido, Fernando, em São Paulo, onde criava os filhos — chegariam a quatro, no total. Ainda assim, mantinha amigos das antigas na redação na Manchete, incluindo não só o Tarlis Batista mas, sobretudo, o mandachuva Justino Martins. A eles pedira uma forcinha para divulgar sua carreira artística.

Sim, porque em sua recente temporada paulistana, Helô decidira que ser musa não bastava. Estava atacando de atriz, fazendo uma ponta na telenovela Cara a Cara, da Bandeirantes. Queria divulgar seus esforços cênicos. Por isso, também recorrera a um outro velho amigo: Vinicius, a quem chamava de Vininha.

Fazer novela na Bandeirantes era mais do que um esforço cênico. Era um esforço de sobrevivência. Lembro-me que, dois anos depois, fui entrevistar Benedito Ruy Barbosa, autor da telenovela Os Imigrantes em seu sobrado, no bairro da Vila Mariana. Uma curiosidade: ele escrevia na copa, “para sentir o cheirinho do café e do bolinho de chuva sendo feitos”. Na ocasião, Benedito, chateadíssimo, se queixara, em off (ou seja, fora da entrevista), da falta de apoio financeiro da emissora à logística da empreitada.

João Saad, dono da Bandeirantes, gostava de bois, de vacas, de plantação, de fazenda. Ao casar-se com a filha do governador Adhemar de Barros, no entanto, recebera do sogro o encargo de comandar rádio e televisão. Desse conflito de ideais, desse confronto entre os anseios urbanos e rurais, nascera uma particularidade da Bandeirantes, muito antes de adotar o econômico nome Band: ao planejar uma atração, os Saad caprichavam na escolha do elenco, dos cenários, do figurino — mas só no começo.

De início, investiam com qualidade o dindim dos patrocinadores. À medida que os meses se passavam, contudo, os Saad, mais preocupados com a colheita ou a pecuária no latifúndio da família no Vale do Paraíba, deixavam a produção do programa à míngua. Por serem longas, as telenovelas, sobretudo, sofriam com essa carência de recursos. Cara a Cara, por exemplo, se estendeu de 16 de abril a 30 de dezembro de 1979.

Escrita por Vicente Sesso, a novela tinha uma trama rocambolesca e detalhes que, aos olhos de hoje, parecem surrealistas. Fernanda Montenegro, ela mesma, fazia o papel da milionária Ingrid, que vinha ao Brasil para tentar localizar seu filho, nascido em um campo de concentração nazista, na Alemanha. O rapaz era vivido por David Cardoso. Exatamente. O responsável pelo casting achou muito natural Fernanda Montenegro bancar a mãe de David Cardoso, o Rei da Pornochanchada.

Por essas e por outras, a Bandeirantes acabou abandonando — de vez — as novelas, embora tivesse os melhores estúdios do país para o métier. Àquela altura, no entanto, ainda havia muita esperança nessa investida. Não sem razões, portanto, Helô andava entusiasmada e esperou uma vinda de Vinicius de Moraes, quer dizer, Vininha a São Paulo para promover o encontro.

Sábado pela manhã, como ficara combinado, um Chevette azul marinho da reportagem da Manchete passou na minha casa. Era dirigido pelo querido amigo Orípides Ribeiro, mais tarde promovido de motorista a fotógrafo. Já estava então refestelado a bordo o fotógrafo Bráulio Iório, um tipo boa-praça e curioso, então sessentão, que merece algumas linhas.

Bráulio era a cara do Zé Trindade, com bigodinho e tudo. À maneira dos personagens do comediante baiano, vivia se metendo em enrascadas, uma vez que trabalhava em São Paulo e morava na Praia Grande, na Baixada Santista, distante 90 quilômetros — e isso, no mínimo, provocava atrasos constantes no expediente. Não bastasse essa extravagância, Bráulio, saudosista, ainda era adepto das câmeras “caixotinho” Rolleiflex, em detrimento das máquinas de 35 milímetros, mais ágeis e modernas. As Rollei exigiam mudanças de filme mais constantes, uma vez que cada rolo permitia apenas 12 chapas, contra as 36 exposições das câmeras 35 milímetros. A principal excentricidade de Bráulio, seja como for, era manter um cigarro no canto da boca, como o ator Humphrey Bogart. Só que apagado.

Ele conseguira parar de fumar. Mas não se livrara do hábito de portar o cigarrinho à boca. Sempre o trazia amassado, carcomido, no bolso da camisa. No meio de uma conversa, sem muitas vezes sequer se dar conta, passava o cigarrinho para o canto dos lábios e continuava papeando.

Se, nesse momento, alguém cometesse a gentileza de estender um isqueiro, Bráulio cortava o oferecimento com uma fala sucinta, que cairia bem na boca do baixinho invocado Zé Trindade:

— Obrigado, eu não fumo.

Por usar uma câmera de 12 chapas, o folclórico Bráulio também costumava recorrer a uma velha gíria dos jornalistas de sua geração. Quando o entrevistado, para sua contrariedade, insistia em posar para uma foto que não lhe era do agrado, ele avisava ao repórter, no código cifrado dos portadores de Rolleiflex:

— Vou fazer a chapa 13.

Ato contínuo, disparava o flash Frata — mas sem apertar o obturador.

Foi com Orípides e Bráulio que cheguei ao condomínio Ilhas do Sul, no Alto de Pinheiros, onde Helô Pinheiro morava. Tínhamos a recomendação de apanhá-la e levá-la conosco, não muito longe, à casa de Zequinha Marques da Costa, amigo de Vinicius, onde o Poetinha estava hospedado. No entanto, o porteiro nos avisou que Helô requisitava a alguém subir para ajudá-la “com a bagagem”. Como assim? Que bagagem seria aquela?

Subi. Helô já estava à porta do apartamento, à espera. Deslumbrante e simpática. Tinha agora os cabelos pintados de louro, dispostos em um penteado semelhante ao da atriz americana Farrah Fawcett-Majors, sucesso naqueles idos. Aos 34 anos, a ex-Garota de Ipanema não era mais a garotinha que comprava cigarros para a mãe no botequim a uma quadra da praia, mas uma mulher feita, com um corpo esbelto e atraente — que, não sei a que custo, entrara em uma roupa amarela inteiriça e justíssima, confeccionada em algum tecido elástico e tecnológico.

O traje era chamado à época de léotard, mas, pelo visto, não contentara de todo à musa. Numa mesinha da sala, ela separara não só uma compreensível frasqueira, mas também portentosas valises e sacolas com outras roupas, chapéus, sapatos de salto alto, botas. Pensei comigo: caso todo o figurino fosse utilizado naquele sábado, não haveria sequer tempo para a entrevista. Talvez para algumas chapas 13.

A bagagem foi acomodada no porta-malas do Chevette azul marinho pelas mãos hábeis de Orípides, enquanto Bráulio se esmerava em salamaleques com a ex-Garota de Ipanema. Logo chegamos à casa onde Vinicius estava hospedado.

— Deixem que eu chamo — incumbiu-se, ansiosa, Helô na campainha.

Quem atendeu foi uma senhora alinhada, que, soubemos pouco depois, era uma espécie de governanta da casa. Ela levou Helô para um canto, de forma a conversar em particular. Da calçada, pudemos notar o desencanto da nossa estrela.

Resumindo: Vinicius pedia reiteradas desculpas a Helô e aos jornalistas, mas, adoentado, não teria condições de nos atender. Clamava que adiássemos a reportagem.

Vinicius, aos 65 anos, padecia então de um gravíssimo diabetes, que o mataria um ano mais tarde. Era inevitável, porém, a troca de olhares entre eu, Orípides e Bráulio, insinuando que o adiamento da reportagem era resultado direto, digamos, de uma destruidora ressaca.

De qualquer maneira, Helô não se conformou com a negativa. Pediu que a governanta insistisse com Vinicius. Educadíssima, a tal senhora disse que tentaria novamente, mas, uns dez minutos depois, retornou, confirmando que Vinicius sentia muito, pedia desculpas, mas não tinha mesmo condições de dar a entrevista.

Resoluta, Helô tomou para si a missão.

— A senhora me dê licença, mas preciso falar com o Vininha.

E entrou casa adentro. Acendi um cigarro, enquanto Bráulio acomodava o dele — apagado — no canto do bigodinho. Daria tempo de fumar um segundo, tamanha a demora.

Até que Helô, sorriso pleno, voltou — triunfal. Vininha, enfim, topara nos receber.

Helô, no entanto, fez a ressalva:

— Vamos ter que ser rápidos, porque ele não está mesmo muito bem.

Entramos na sala ampla, tomamos o bom café oferecido pela governanta e esperamos Vinicius se aprontar.

O Poetinha era chegado a longuíssimos banhos de banheira. Para aproveitar melhor os momentos de imersão, costumava levar ao banheiro papel, caneta, telefone, uísque e copo — não necessariamente nessa ordem. Sabedor dessa preferência, seu amigo Zequinha Marques da Costa, industrial, proprietário das Tintas Cil, mandara instalar uma jacuzzi capaz de ser outorgada, graças às dimensões, pelo comitê olímpico de natação.

Quem desceu primeiro a escadaria foi Gilda Mattoso, a nona e derradeira mulher de Vinicius. Apresentou-se e confirmou:

— Olha, já já ele vai descer.

De fato, pouco depois o Poetinha entrou na sala. Trajava uma camisa marrom de seda, aberta no peito, onde balançava uma guia branca de candomblé, ainda um legado dos tempos em que morara em Itapuã, em Salvador, sob a égide da ex-mulher Gessy Gesse, que não dava um “bom dia” sem consultar os orixás.

Se não estava de cara amarrada, tampouco emulava simpatia. Tinha a pele macilenta, o rosto pesado de uma noite mal dormida. A barba por fazer em nada ajudava nessa aparência.

— Vocês me perdoem a demora. Mas ando adoentado — disse o poeta, tomando o cafezinho que a governanta lhe oferecera.

Liguei o gravador e comecei dizendo que “Garota de Ipanema” era a segunda canção mais gravada no mundo. Perdia apenas para “Yesterday”, de Lennon e McCartney — na verdade, só de McCartney.

Vinicius animou-se:

— Pois é, esta canção é uma galinha dos ovos de ouro. Projetou todo mundo.

Falou mais um pouco sobre o sucesso internacional de “Garota de Ipanema”, agora já com interrupções de Helô. Mas o papo não engrenava. Um tanto pelo meu nervosismo de iniciante — reconheço. Mas sobretudo pela dispersão do entrevistado.

Sem maiores razões, Vinicius começou a falar sobre a fama — para ele injusta — de que não gostava de São Paulo. A pecha começou com uma frase infeliz, proferida havia mais de uma década. Ele teria dito que “São Paulo é o túmulo do samba”, ao ver Johnny Alf ser recebido com desprezo na casa noturna Cave, na rua Augusta.

— Gosto de São Paulo desde que a conheci, ainda na década de 30. Era muito bonitinha — suspirou, sempre adepto dos diminutivos carinhosos. — Fazia muito frio, mas era muito bonitinha.

À essa altura, a governanta voltou à sala, preocupada com o fato de que Vinicius ainda estava em jejum. Em seguida, veio Gilda. Queriam saber o que ele gostaria de comer. Tratavam-no quase como criança — e Vinicius parecia gostar disso.

— Ainda tem aqueles canapés de ontem a noite? — perguntou.

Era pão preto cortadinho, coberto com fatias de copa, rosbife ou presunto de Parma — não me lembro mais. Tinha também uma pasta de mostarda.

— Dá para trazer também aquela garrafa de gim e um pouco de água tônica, em separado? — completou o pedido, com um tom de voz persuasivo e quase infantil.

Voltando-se para nós, retomou:

— Vocês também bebem um gim tônicazinho, não?

Helô quis um suco. Bráulio preferiu água gelada. Eu e Orípides aceitamos o gim. Ajudaria a descontrair o ambiente. Além disso, que jornalista em sã consciência rejeitaria dividir um trago com Vinicius de Moraes?

A surpresa era o gim. Sempre imaginei Vinicius como um adepto incondicional do uísque. Em uma entrevista, chegou a bradar que se tratava do “melhor amigo do homem, o cão engarrafado”. Não bastasse, em “Mais um Adeus”, parceria com o paulistano Toquinho, recomendava a uma das inúmeras amadas: “Olha, benzinho, cuidado/ com seu resfriado/ Não pegue sereno, não tome gelado/ o gim é um veneno/ Cuidado, benzinho, não beba demais”.

Contrariando a letra da canção, iria de gim — embora talvez insulina fosse mais recomendável a um diabético em alto grau. Pouco depois, uma bandeja foi depositada com denodo numa mesinha da sala. Trazia os canapés, o balde de gelo, uma jarra d’água, água tônica, copos altos e a tão aguardada garrafa de gim. Evidentemente, não era o “gim das selvas” — como a minha roda costumava tratar o gim nacional, então perfumado em demasia e de pífia qualidade. Mas um gim Gordon’s, de benquista procedência britânica.

Vinicius preferiu o copo dele com muito gim e pouca tônica. Copiei-lhe o gesto e retomei a entrevista. Puxei a conversa lembrando-lhe o dia em que conheceu Tom no bar Vilariño, no centro do Rio de Janeiro, apresentado por um amigo comum, o jornalista Lúcio Rangel.

Agora mais animado com o gim restaurador, o poeta começou a lembrar de amigos e histórias do Vilariño. Fez um nostálgico passeio pelas mesas boêmias do Rio de Janeiro das décadas de 40 e 50. À medida que renovávamos o gim e o gelo nos copos altos, ele foi se soltando.

Helô, por sua vez, mostrou-se frustrada com os rumos que a conversa tomava. Pudera. Não era personagem do Vilariño ou do centro do Rio, fincados a extensa distância das areias de Ipanema — não só na geografia, como também no tempo.

Achei que a bela loura me fuzilou com os faiscantes olhos verdes. A meu ver, culpava-me por não tomar as rédeas da conversa e encaminhá-la para o bar Veloso, na esquina da Montenegro com a Prudente de Moraes, onde “Garota de Ipanema” foi gerada. Não a musa. Mas a canção.

Decerto, já nem pensava em trazer do porta-malas do Chevette azul os sortidos figurinos que escolhera com capricho. Queria apenas voltar ao assunto que, afinal, nos trouxera até ali — e eliminara a folga do sábado de todos.

Devia estar irada com a incompetência do jovem repórter que, não bastasse, acompanhava Vininha no gim com admirável constância.

De minha parte, embora a ansiedade de voltar ao tema da canção me impelisse a tentar retomá-lo — em nome ao menos do cumprimento da pauta jornalística —, havia, pulsando firme, outro sentimento: o deslumbre de ouvir Vinicius, enfim, se soltando.

Já em tom de pura camaradagem, ele oferecia mais gim, e completava o meu copo e o dele. Orípides também não se acanhou. E foi já sem qualquer resquício infantil na voz, que Vinicius pediu:

— Dá para trazer aquela outra garrafa de gim?

Curiosamente, não requisitou um refil dos canapés. Tampouco da tônica. Só do gelo. E continuou a conversa lembrando histórias do Vilariño, bar em que frequentava uma mesa grande, composta, entre outros, por Emiliano Di Cavalcanti, Dorival Caymmi, Dolores Duran, Otto Lara Resende, Ary Barroso, Aracy de Almeida, Antônio Maria, Cândido Portinari, Fernando Sabino, Lúcio Rangel, José Medeiros e Fernando Lobo — que escreveu as memórias do botequim em À Mesa do Vilariño, publicado pela Editora Record, em 1991.

Por farra, cada frequentador escrevia ou desenhava na parede. Inclusive visitantes, como Pablo Neruda. Até que o dono se cansou daquela “sujeira” e, em nome da assepsia, mandou passar três demãos de tinta sobre poemas de Vinicius, frases de Dolores Duran (escritas com batom) e desenhos de Di Cavalcanti e Portinari.

Do Vilariño, Vinicius pegou um avião imaginário e bandeou-se para as memórias de Los Angeles, onde morou, e Nova York, para onde voou nas asas da Panair — e agora do gim Gordon’s. Lembrou-se até das tardes na piscina da casa de Carmen Miranda, em Hollywood.

E nada de “Garota de Ipanema”.

Foi quando Gilda Mattoso voltou à sala. Parecia preocupada com o copioso consumo daquela bebida incolor, preparada a partir de um fruto chamado zimbro, originário da Toscana e adotada com veneração pelos britânicos — incluindo a Rainha-Mãe, que morreu aos 101 anos, ainda ardorosa fã de um esquenta-peito.

Gilda esticou os olhos para mensurar a quantas andava a segunda garrafa. O tom escuro e poroso do vasilhame, é bem verdade, não facilitava a medição. Talvez em virtude do constrangimento da inspeção, Vinicius passou a tecer loas à Gilda e nos contou que fizera uma canção em homenagem a ela.

Quem visse o começo daquela travada entrevista, não poderia imaginar que, agora bem soltinho, o poeta resolvesse até cantar.

E cantou:

— Nos abismos do infinito uma estrela apareceu/ E da terra ouviu-se um grito/ “Gilda! Gilda!” / Era eu maravilhado, ante a sua aparição/ Que aos poucos fui levado nos véus do bailado pela imensidão/ Aos caprichos do seu rastro como um pobre astro/ Morto de paixão.

De fato, ele sabia tratar as mulheres. Não só Gilda. Mas também Helô, a quem, a partir daí, passou a elogiar, embevecido. Só então a reportagem ganhou o que os jornalistas de hoje chamariam de “foco”. O Poetinha, enfim — para alívio e alegria de Helô —, passou a falar de “Garota de Ipanema” e suas circunstâncias, mais uma vez negando que a canção tenha sido elaborada no Bar Veloso.

— Fiz a letra em Petrópolis. A melodia o Tom já tinha feito. Foi no inverno de 62. Eu me sentei e a letra saiu de uma vez só.

Depois de enaltecer a beleza de Helô e de Ipanema no começo dos anos 60, Vinicius revelou que estava escrevendo um livro de crônicas, relatando o surgimento da Bossa Nova.

— Se você não descreve, a coisa desaparece. Como aconteceu com tantos sambistas. Só recentemente surgiram sujeitos estudiosos, sérios, tentando preservar nossa memória musical, como o Sérgio Cabral, por exemplo. Ou mesmo o Tinhorão, que é um idiota, um imbecil como crítico, mas um historiador importante, não se pode negar. Além desse livro de crônicas, estou terminando dois de poesia: Roteiro Lírico e Sentimental da Cidade do Rio de Janeiro, Onde Nasceu, Vive em Trânsito e Morre de Amores o Poeta Vinicius de Moraes, iniciado há 25 anos, e o Deve e Haver, iniciado depois de 1960. Os dois estão presos pelo cordão umbilical, só falta cortar. Estão praticamente prontos. O problema é que não tenho tido tempo de dar aquela revisada geral, aquela parafusada que eu gosto de dar. Esses livros seriam, digamos assim, uma limpeza geral da casa.

Enfim, eu tinha a reportagem. Faltavam as fotos. Foi quando Bráulio Iório, até então impaciente, interveio. Disse que não poderia fotografar Vinicius com aquela barba por fazer. Não era o padrão Manchete. Não ficaria bem. Bráulio era bom fotógrafo — e experiente. Mas já tomara altas duras do chefe do departamento, Mituo Shiguihara. Como na ocasião em que foi incumbido de clicar o time do São Paulo posado para um pôster da revista Manchete Esportiva. Sim, a clássica foto dos jogadores da defesa em pé, com os braços cruzados, e os do ataque ajoelhados, um deles com a mão na bola.

Era uma partida no estádio do Morumbi contra o Botafogo de Ribeirão Preto, que traja o mesmo uniforme do clube da capital. Bráulio não entendia bulhufas de futebol. Inadvertidamente, em vez da equipe do São Paulo, fotografou o time posado do Botafogo que, naquele dia, usava a camisa branca com a listra preta e a vermelha na horizontal, idêntica ao uniforme principal do Tricolor do Morumbi.

Escaldado, Bráulio insistiu que Vinicius fizesse a barba. Era imperioso. Barba por fazer ainda não era moda — mas desleixo. A governanta, dona de rápido expediente, resolveu o impasse. Trouxe duas pequenas bacias metálicas, uma toalha quente e fez, ela mesma, a barba do Poetinha. Ali na sala.

A reportagem saiu na semana seguinte ou na posterior. Três páginas da Manchete.

Trazia uma única foto de Bráulio e sua Rolleiflex: o poeta empunhando o violão e abraçado pela musa. As outras três imagens eram de moças de biquíni, bem ao estilo da revista: Helô na praia, ainda adolescente; Márcia Rodrigues, que viveu a Garota de Ipanema no filme homônimo, de Leon Hirzman (em 1967); e a curvilínea Rose de Primo, com sua tanga.

Até hoje, não sei se Vinicius de Moraes enrolou a mim e a Helô Pinheiro ao longo de horas de propósito, antes de “focar” (tá bom, cabe o verbo) em “Garota de Ipanema”. Talvez estivesse, de início, bronqueado com a insistência da musa em um pleno sábado de manhã. Ou quem sabe tenha notado a falta de traquejo do repórter iniciante; e resolvido, de farra, sacaneá-lo.

Ou vai ver era só mesmo uma destruidora ressaca, amenizada pelo Gordon’s, panaceia matutina.

Sei que Vinicius de Moraes morreu em 9 de julho de 1980, pouco mais de um ano depois. Estava na banheira quando se deu o desenlace.

Pouco depois de sua morte, o nome da rua Montenegro foi trocado. Virou rua Vinicius de Moraes. “Garota de Ipanema”, portanto, teve sua inspiração na esquina da rua Prudente de Moraes com a rua Vinicius de Moraes.

 Millôr Fernandes, que também frequentara o Bar Veloso, escreveu:

“Em Ipanema/ Numa das esquinas mais legais/ Foram se encontrar o Prudente/ E o imprudente de Moraes”.

(*) Matéria enviada ao Panis por Nilton Muniz, ex-Manchete, um atento colaborador deste blog,  originalmente publicada em Berg Textos 

https://textosdoberg.wordpress.com/2020/09/16/gim-no-cafe-da-manha-com-vinicius-de-moraes/

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Formas insólitas de energia autossustentável • Por Roberto Muggiati

Reprodução You Tube

Gosto de observar os animais e de fantasiar soluções cientificas aparentemente impossíveis – pelo menos em nosso atual estágio tecnológico. O abano da cauda do cão, o ronronar dos gatos, o bater de asas do beija-flor, a buzina das cigarras, o coaxar dos sapos, o estridular dos grilos: se pudéssemos canalizar todos esses mecanismos da vida animal teríamos solucionado para sempre nosso problema energético.

Para se sustentar no ar enquanto suga o néctar de uma flor, o beija-flor bate as asas até 88 vezes por segundo, tão rápido que não conseguimos ver as asas, apenas escutamos o ruído das penas ao vibrarem contra o ar. Seu coração bate 1260 vezes por minuto, contra a média humana de 60 a 120 vezes por minuto. O beija-flor respira 250 vezes por minuto para injetar uma quantidade suficiente de oxigênio nos músculos, que oxidam açúcares 10 a 12 vezes mais rápido do que nossos melhores atletas.

E os vaga-lumes, ou pirilampos? Há quarenta anos eu ainda via ocasionalmente suas luzinhas piscando em meu chalé de Itaipava. Hoje talvez ainda apareçam só nas regiões mais ermas. Uma explicação para o seu sumiço:  assim como pesquisas já comprovaram que a presença excessiva da luminosidade na vida humana está afetando os ciclos do sono de aves e mamíferos, há indícios de que a quantidade de luz, principalmente durante a noite, estaria criando uma “poluição luminosa” que afeta os vaga-lumes.

Lembro-me da cena de um romance do paraguaio Augusto Roa Bastos (1917-2005) que muito me impressionou.  Um escritor se isola numa cabana no meio do mato para terminar um livro. Um temporal provoca um apagão que vai durar vários dias. Para ter alguma luz que lhe permita escrever de noite, ele enche um grande vidro de compota de vaga-lumes vivos e assim prossegue na sua empreitada, à custa do sofrimento dos pobres insetos.

Citei apenas alguns exemplos. Aceito novas sugestões para minha usina fantástica.

* Segundo o jornal Washington Post, um estudo publicado na revista da Royal Society B: Biological Sciences demonstrou que as formigas podem ajudar a detectar câncer precocemente. Para os pesquisadores, tais insetos podem atuar como eficientes biodetectores de câncer. Embora ainda não possam ser utilizadas como  meio de diagnóstico em humanos, as formigas foram capazes de identificar tumores em camundongos através da urina das cobaias. Apesar de não possuirem narizes, elas têm antenas dotadaas de receptores olfativos. Os cientistas treinaram os insetos para identificar certos compostos orgânicos presentes em tumores.     

* Em tempo: acabo de receber uma bela contribuição da seguidora paulistana do Panis, Thereza Cavalcanti Vasques:

*ABELHAS DA MINHA VIDA*


🐝🐝🐝🐝🐝🐝🐝


Você sabia que uma das primeiras moedas do mundo tinha o símbolo de uma abelha?

Você sabia que existem enzimas vivas no mel?

Você sabia que em contato com uma colher de metal essas enzimas morrem? A melhor forma de comer mel é com uma colher de pau, se não encontrar, use uma de plástico.

Você sabia que o mel contém uma substância que ajuda o cérebro a funcionar melhor?

Você sabia que o mel é um dos raros alimentos na terra que é o único que pode sustentar a vida humana?

Você sabia que as abelhas salvaram o povo da África da fome?

Uma colher de sopa de mel é suficiente para sustentar a vida humana por 24 horas?

Você sabia que a própolis produzida pelas abelhas é um dos mais poderosos ANTIBIÓTICOS naturais?

Você sabia que o mel não tem prazo de validade?

Você sabia que os corpos dos grandes imperadores do mundo foram enterrados em caixões de ouro e depois cobertos com mel para evitar a putrefação?

Você sabia que o termo "LUA DE MEL" vem do fato de os noivos consumirem mel para fertilidade após o casamento?

Você sabia que uma abelha vive menos de 40 dias, visita pelo menos 1000 flores e produz menos de uma colher de chá de mel, mas para ela é uma vida inteira.

Obrigado ABELHAS!

Mídia - Jornalistas devem ouvir calados os políticos que usam o acesso a veículos de grande audiência para atacar a democracia e difundir fake news?

por José Esmeraldo Gonçalves

Três jornalistas em momentos e veículos diferentes - Globo News e CBN - entrevistavam políticos bolsonaristas quando decidiram reagir às mentiras e fake news que os tais sujeitos veiculavam. Deram um basta e mostraram aos ouvintes e assinantes, com firmeza, que os seus entrevistados, os senadores Rogério Marinho, Eduardo Girão e Carlos Viana, estavam mentindo descaradamente. 

Andréia Sadi, Camila Bomfim e Cássia Godoy cumpriram seus papéis de jornalistas. Que a postura das três mulheres alcance alguns coleguinhas mais cordatos com fake news ditas e repetidas diante deles, no ar. 

É simples: se o jornalista detém a informação confirmada de que o entrevistado está mentindo e falsificando os fatos, deve levar ao leitor a correção ou pontuar claramente a manipulação desonesta do seu entrevistado. Se não o fizer estará contribuindo para difundir fake news. Será cúmplice.

Outra questão em discussão é a "regra" de "ouvir os dois lados". E aí estão em questão fatos e também opiniões. 

O jornalismo deve mesmo dar espaço a políticos que defendem golpes ou atacam a democracia? Deve dar crédito a um imbecil que ataca a Constituição? É válido ouvir uma pessoa que põe em dúvida o resultado de uma eleição sem que apresente provas de fraude?

Não. 

Na Alemanha dos anos 1930, Hitler tinha apoiadores e oposicionistas. Em um exercício de imaginação, transportando a situação para os dias de hoje, a mídia brasileira seria capaz de "ouvir os dois lados" e assim legitimar o debate do nazismo? 

Talvez, se insistisse em aplicar o modelo que pratica atualmente. No auge da pandemia, a mídia deu espaço para políticos que contestavam a vacinação. Promoveu debates entre cientistas respeitados e os confrontou com idiotas fascistas. Muitas vezes foi constrangedor ver homens e mulheres da ciências colocados frente a frente, como se fosse uma acareação, a conhecidos lixos da política bolsonarista.

E, sim, essa "jabuticaba" dos "dois lados" é muito mais comum no Brasil do que em democracias desenvolvidas. Um dos grandes jornais do mundo, o New York Times, não tem como regra "ouvir os dois lados". O jornal é suficientemente consciente das suas posições para saber quando um debate em torno de determinadas questões é legítimo e honesto e quando, por exemplo, é prudente não dar voz a golpistas ou terroristas que ameaçam a democracia. Ao mesmo tempo, o NYTimes é obrigatoriamente bem informado para saber quando dois pontos de vista diferentes e éticos podem se colocados na mesma mesa. 

O discurso golpista, no Brasil, não se esgotou no triste episódio do 8/1. Está entre nós e vai permanecer. A vigilância deve ser permanente e a mídia tem um papel relevante a desempenhar diante dessa ameaça. 

Se todos condenam a invasão terrorista das sedes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo, porque permitir que gente que defende abertamente os ataques à democracia e que é conivente com acampamentos, bloqueios e atentados invada a mídia para atacar as instituições democráticas? 

Você, como jornalista, acharia normal entrevistar um dos políticos que deram declarações desacreditando o drama dos ianomâmis e debochando da tragédia  dos indígenas? Sério? Acolheria seus argumentos?  

Com a ultra direita ameaçando democracias em vários países nem a famosa frase atribuída a Voltaire se sustenta. "Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o último instante o teu direito de dizê-la".

Depende. 

O jornalista deve posar de vacilão e dar moral para os ataques à democracia?    

Deu capa no mercado



 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Tomando caipivodca e lendo P.G. Wodehouse na Montanha Mágica de Laranjeiras numa hora de crise aos 85 anos: só eu... • Por Roberto Muggiati

Roberto Muggiati no  Armazém Cardosão, Laranjeiras. Foto de Lena Muggiati 

Corrijo T.S. Eliot, para mim “January is the cruellest month”. O ano começou com uma sexta-feira 13. Às oito da manhã me liga a assistente social da UPA de Botafogo convocando para a alta de minha mulher, Lena. Apavorei. Eu tinha internado Lena na segunda-feira 9 – um dia sinistro em que choveu sem parar no Rio e as telas de TV repassavam imagens de um dos episódios mais feios da nossa história, uma turba muito rude quebrando tudo em Brasília. 

Lena Muggiati no Hospital Rocha
Maia, em Botafogo

Um surto emocional acompanhado de uma crise de inapetência levara Lena à beira da inanição, um fiapo inerte de 35 quilos. Visitei-a todo dia, melhorava aos poucos, mas ainda não estava em condições de ter alta. Corri até a UPA, por sorte encontrei a médica que a atendia, a assistente social me dera uma informação truncada. Lena ia ser transferida para o Hospital Rocha Maia, em Botafogo, que oferecia melhor suporte médico.

Agora as visitas eram mais complicadas. Saindo de Laranjeiras, se surgisse um raro ônibus 584, que me deixava na sede do Botafogo perto do Rio Sul, era só uma caminhada até o Rocha Maia. Se o também raro 583 (Cosme Velho-Leblon) desse o ar de sua graça, eu descia no metrô de Botafogo e pegava um táxi até o hospital. O pior cenário era tomar o 422 até o Largo do Machado, o metrô até a estação Botafogo-Coca Cola (sic) e daí um táxi até o Rocha Maia. Arriscar uma caminhada até lá sob o sol de verão era estafante e perigoso, em meio a pistas de alta velocidade.

Nada acontece por acaso. Naquelas noites eu revia a versão de A montanha mágica de Thomas Mann num filme de três horas da TV alemã. Mann mostrava o hospital como uma parábola da sociedade e a doença como uma parábola da vida. E eu completamente mergulhado naquela mórbida frequentação nosocomial. 

Meu antídoto para toda essa gravidade literária era ler o autor mais leve e engraçado do século 20, o inglês P.G. Wodehouse (1881-1975). Comprei dois ou três livros dele nos sebos de calçada daqui – onde já encontrei coisas surpreendentes. Quando era editor da Manchete, eu tinha um redator muito culto e querido, George Gurjan. Nos momentos de pausa, entre um leiaute e outro, ele enfiava sempre o nariz num livro do Wodehouse. P.G. descreve com muito humor as aparentemente rígidas relações de classe britânicas e faz até uma inversão de papeis: é o valete Jeeves quem manda no seu patrão-playboy. Seus melhores livros, publicados nos anos 1920/30, são um deleite de linguagem com a colorida gíria inglesa da época.

Moro em pleno vale das Laranjeiras, no que chamo de Baixo-Glicério. Para aliviar o estresse comecei a caminhar até as alturas do Armazém Cardosão. Abreviava o trajeto subindo uma escada de 59 degraus e depois a ladeira que serpenteava até o bar-restaurante. Encurtava a volta descendo direto uma escada de 115 degraus. Chamei aquele cume de Montanha Mágica. Laranjeiras é um bairro estranho, com encostas e morros escarpados, boa parte coberta por trechos de Mata Atlântica do Maciço da Tijuca. Também venta muito por estas bandas, por isso criei um nome alternativo para a região, Cumbres borrascosas, título espanhol do Morro dos Ventos Uivantes, que Buñuel filmou no México como Abismos de pasión.

Na terça-feira 17 de janeiro, Rio 40° com sensação térmica de 50°, acompanhei Lena num passeio de ambulância até uma clínica de Madureira, onde ela foi fazer uma tomografia computadorizada. Na TV da sala de espera vi que tinha morrido o Henrique Caban, meu colega na equipe inicial da Veja em São Paulo em 1968. Depois nos reencontramos na Bloch,  ele foi secretário do Samuel Wainer no malogrado projeto do Domingo Ilustrado, uma revista em forma de jornalão para ser lida na praia – se a brisa marinha permitisse, só na cabeça do Adolpho mesmo... Duas coincidências do dia com um toque do Além: uma semana antes eu presenteara a Sirleine do Pastel, que vende seus quitutes defronte ao Cardosão, com um exemplar do meu primeiro livro, Mao e  China, lançado em São Paulo na segunda-feira antes da sexta-feira 13 de dezembro do AI-5. Costumo comprar livros da minha autoria na Estante Virtual, o da Sirleine portava justamente uma dedicatória ao Caban, em letra vermelha. Caban fazia parte da “Máfia do Partidão”: nas redações brasileiras, quem tinha carteirinha do PCB era sempre protegido e tinha emprego garantido.

Quando voltei para casa – quatro horas de ida e volta até Madureira numa ambulância sacolejante, o piso ao longo do caminho estava sendo recapeado – recebi na portaria do prédio dois livros da Estante Virtual. Quando abri o segundo tomei um choque, um livro que eu não tinha encomendado: De como ser, do Harry Laus, seu nome em maiúsculas gritantes na capa. Harry Laus (1922-1992) era meu editor de artes plásticas na Veja quando eu dirigia o módulo de Artes e Espetáculos. Militar de carreira, inteligente, transgressor, foi reformado como tenente-coronel pelo golpe de 1964. Homossexual, tinha escrito um romance sobre sexo proibido num quartel de fronteira, O batalhão sagrado, que nunca foi publicado. Por conta da minha primeira mulher, chegada a homossexuais, ficamos amigos e compartilhamos alguns programas fora da redação na buliçosa São Paulo daquela época. Depois que deixei a Veja em setembro de 1969 nunca mais vi o Harry Laus, que se tornou um contista ignorado no Brasil, mas muito prestigiado na Europa com a tradução de seus livros.

 Intrigado por aquela súbita aparição, subi para minha caipivodca de seriguela no Cardosão. Por uma feliz coincidência era o dia de jazz na casa. Um grupo compacto com um som fusion competia com os aviões da Ponte Aérea que passavam zunindo a cada dois minutos na descida para o Santos Dumont. O sabor da caipivodca de fruta silvestre, os bólidos prateados silvando a apenas cem metros de nossas cabeças e o jazz num longo improviso sobre o Corcovado do Jobim – e a visão muito próxima do Cristo Redentor que tínhamos de nossas cadeiras – tudo isso me levou a uma iluminação espiritual, aquele fenômeno que James Joyce chamava de epifania e os zen-budistas de satori. 

Uma semana depois Lena voltou para casa. No hospital a entupiram de comida, ganhou oito quilos de peso e estava em franca recuperação. Subi com ela de táxi para fazermos a foto que ilustra esse texto. O chamado do Além do Harry Laus foi explicado: minha amiga jornalista de Curitiba Marleth Silva, que vive insistindo para que eu escreva minhas memórias, mandou o livro como amostra de uma autobiografia. (Ela desconhecia minha amizade com o Laus.) 

Uma palavrinha para Marleth: escrevo minhas memórias todo dia há mais de vinte anos. O blog Panis Cum Ovum, dos ex-Manchete, com quinze anos de existência, abriga já alguns volumes. O problema é que não consigo colocar um ponto final. Cada dia me brinda com encontros, surpresas, descobertas, benesses, pessoas, lugares. O presente me atropela e se transforma instantaneamente em passado, matéria de memória.  Gosto da expressão com que Boris Vian definia a passagem do tempo: “a espuma dos dias”. Intenso, hiperativo, curioso e afoito, uma ida até a esquina hoje para mim equivale a uma verdadeira odisseia. 


sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Oscar 2023 - "Argentina 1985" e a falta que nos fez um Julio Strassera...


Argentina 1985: o ator Ricardo Darin como o promotor Julio Strassera e Peter Lanzani
no papel do seu assistente  Luiz Morneo Ocampo. Foto Divulgação

por José Esmeraldo Gonçalves 

O longa "Argentina 1985", agora indicado para o Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional, atinge dois tipos de público. Afinal o julgamento dos militares responsáveis pelos crimes há 38 anos e o golpe que destituiu a presidente Isabel Perón e implantou a Junta Militar que tocou o terror na Argentina aconteceu no dia 26 de março de 1976, há quase 40 anos. 

Uma parte audiência - na qual me incluo - terá acompanhado pelo noticiário o drama argentino. O filme nos leva a rever os personagens daquela imensa tragédia política. Em 1976, a América do Sul estava submetida a cruéis ditaduras da direita. O Brasil vivia a sua desde 1964, também colecionando assassinatos sequestros e torturas e com os militares e orgãos de segurança nacionais colaborando ativamente com a sangrenta repressão na Argentina, Chile e Uruguai. Os dois últimos países também sob ditaduras desde 1973. 

A segunda audiência é formada certamente pelas gerações que não viveram a época. 

Argentina 1985 tem o mérito de revelar o que aconteceu no país e o desfecho legal de um processo pelo qual o Brasil não passou. Aqui, militares deixaram o poder em 1985, precisamente quando Buenos Aires julgava seus carrascos. O deplorável "jeitinho" lhes concedeu tapete azul para devolverem o poder aos civis. Primeiro, a concessão negociada de uma anistia que, em troca de permitir a volta dos exilados, isentou os militares brasileiros de qualquer culpa, deixou-os intocáveis para sempre. Até mesmo crimes posteriores à anistia, como o atentado terrorista do Riocentro - cometido em 1981 por militares da chamada linha dura descontentes com os primeiros sinais de desgaste do regime e a perspectiva do seu fim -, ficaram impunes. E veio depois a transição negociada que levou à eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral da ditadura, seguida, em março de 1985, pela doença e morte do mineiro e a posse de José Sarney, político ligado ao regime militar. 

Não tivemos o nosso Brasil 1985. Aqui não houve banco dos réus para assassinos e torturadors.             

A  junta militar da Argentina, constituída inicialmente pelo general Jorge Videla, almirante Emilio Massera e brigadeiro Orlando Agosti, abriu caminho para o rastro de sangue que banhou o país. O primeiro trio de ditadores foi substituído nos anos seguintes por outras duas formações que se alternaram no governo até 1983: general Roberto Viola, brigadeiro Omar Graffigna e almirante Armando Lambruschini; e general Leopoldo Galtieri, brigadeiro Lami Dozo e almirante Jorge Anaya.

Dirigido por Santiago Mitre, "Argentina 1985" conta a história real do julgamento desses carrascos da ditadura argentina sob o ponto de vista do promotor Julio Strassera, seu assistente Luis Moreno OCampo, e uma equipe de jovens funcionárários da justiça que levantaram provas e testemunhos sobre sequestros, assassinatos e torturas em série que resultaram em mais de 30 mil mortos e desaparecidos, além bebês nascidos em cativeiro retirados das mães e "doados" a militares sem filhos.

Em performance brilhante, o ator Ricardo Darín vive o promotor Julio Strassera. Seu assistente Luís Moreno Ocampo é interpretado por Peter Lanzani.

Os ditadores argentinos foram condenados por crimes contra a humanidade, vale dizer, genocídio.

Quando veio ao Rio para o lançamento do filme em outubro (que agora pode ser visto no streaming Prime)  o ator Peter Lanzani, que nasceu em 1990, disse ao G1 que ao atuar em "Argentina 1985" aprendeu coisas que não lhe ensinaram. 

Os bolsonaristas que promoveram ataques terroristas às sedes do Congresso, STF e Presidência, em Brasíla, no dia 8 de janeiro de 2023, quebram tudo em nome da volta da ditadura. Esses terroristas têm muitos adeptos que também não eram nascidos sob o regime militar brasileiro. Não lhes ensinaram sobre os crimes que escaparam da nossa justiça, mas não da memória. 

A Argentina curou suas feridas. Além dos membros das juntas condenou nos anos seguintes, até recentemente, outros militares e, desde 1983, não é alvo de golpes. 

O Brasil, ao contrário, optou por apenas varrer os criminosos para o quarto de despejo da história. E, não por acaso, a direita já derrubou, em 2016, sob falso pretexto agora reconhecido pelo MPF e Tribunal de Contas da União, uma presidente legitimamente eleita. O fantasioso  impeachment criou condições para a ascensão de uma ultra direita antidemocrática que prega um golpe militar e volta a ameaçar um presidente eleito democraticamente.  

A Argentina exorcizou os fantasmas, o Brasil escolheu recriar os seus.           

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Oscar 2023 anuncia os indicados - Premiação acontecerá no dia 12 de março. Marilyn Monroe estará presente. Duvida?

 por Clara S. Britto

Ana de Armas em "Blonde", 2022. Foto: Reprodução


Marilyn Monroe em "O Pecado Mora ao Lado, em 1955. Foto Divulgação

A atriz Ana de Armas, nascida em Cuba, interpretou Marilyn Monroe em "Blonde", o filme-série da Netflix que contou a história de um dos maiores simbolos sexuais do cinema. A crítica desconfiou  da escolha. Uma atriz latina vivendo Marilyn? Apesar do preconceito, ela acaba de ser indicada para concorrer ao Oscar de Melhor Atriz. Ana de Arma construiu uma impressionante Marilyn e com um diferencial: mostrou as marcas da difícil infância e adolescência da estrela loura de Hollywood e os passos que moldaram sua vida atgitada e de trágico desfecho. O apresentador da 95° cerimônia de entraga da estatueta será o comendiante Jimmy Kimmel. Marilyn, no corpo espetacular de Ana de Armas, estará na plateia, mas o grande concorrente destaque é o filme "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo", que lidera a seleção, com 11 indicações. 

Melhor Filme

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Os Banshees de Inisherin

Elvis

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Os Fabelmans

Tár

Top Gun: Maverick

Triângulo da Tristeza

Entre Mulheres

Melhor Direção

Martin McDonagh (Os Banshees de Inisherin)

Daniel Kwan e Daniel Scheinert (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Steven Spielberg (Os Fabelmans)

Todd Field (Tár)

Ruben Östlund (Triângulo da tristeza)

Melhor Ator

Colin Farrell (Os Banshees de Inisherin)

Austin Butler (Elvis)

Brendan Fraser (The Whale)

Bill Nighy (Living)

Paul Mescal (Aftersun)

Melhor Atriz

Cate Blanchett (Tár)

Ana de Armas (Blonde)

Andrea Riseborough (To Leslie)

Michelle Williams (Os Fabelmans)

Michelle Yeoh (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Melhor Ator Coadjuvante

Brendan Gleeson (Os Banshees of Inisherin)

Brian Tyree Henry (Causeway)

Judd Hirsch (Os Fabelmans)

Barry Keoghan (Os Banshees of Inisherin)

Ke Huy Quan (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Melhor Atriz Coadjuvante

Angela Basset (Pantera Negra: Wakanda para Sempre)

Hong Chau (The Whale)

Kerry Condon (Os Banshees de Inisherin)

Stephanie Hsu (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Jamie Lee Curtis (Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo)

Melhor Filme Internacional 

Nada de Novo no Front (Alemanha)

Argentina, 1985 (Argentina)

Close (Bélgica)

EO (Polônia)

The Quiet Girl (Irlanda)

Melhor Filme de Animação

Pinóquio de Guillermo Del Toro

Marcel the Shell with Shoes On

Gato de Botas 2: O Último Pedido

A Fera do Mar

Red - Crescer é uma Fera

Melhor Documentário

All That Breathes

All The Beauty and the Bloodshed

Fire of Love

A House Made of Splinters

Navalny

Melhor Roteiro Adaptado

Nada de Novo no Front

Glass Onion: Um Mistério Knives Out

Living

Top Gun: Maverick

Entre mulheres

Melhor Roteiro Original

Os Banshees de Inisherin

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Os Fabelmans

TÁR

Triângulo da tristeza

Melhor Fotografia

James Friend, por Nada de Novo no Front

Darius Khondji, por Bardo: Falsa Crônica de Algumas Verdades

Mandy Walker, por Elvis

Roger Deakins, por Império da Luz

Florian Hoffmeister, por Tár

Melhor Trilha Sonora Original

Nada de Novo no Front

Babilônia

Os Banshees de Inisherin

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Os Fabelmans

Melhor Canção Original

Sofia Carson - "Applause" (de Tell it Like a Woman)

Lady Gaga - "Hold My Hand" (de Top Gun: Maverick)

Rihanna - "Lift Me Up" (de Pantera Negra: Wakanda Para Sempre)

"Naatu Naatu" (de RRR)

Son Lux - "This is a Life" (de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo)

Melhor Som

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Batman

Elvis

Top Gun: Maverick

Melhor Edição

Mikkel E.G. Nielsen, por Os Banshees de Inisherin

Matt Villa & Jonathan Redmond, por Elvis

Paul Rogers, por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo

Monika Willi, por Tár

Eddie Hamilton, por Top Gun: Maverick

Melhor Design de Produção

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Babilônia

Elvis

Os Fabelmans

Melhor Figurino

Babilônia

Pantera Negra: Wakanda para Sempre

Elvis

Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo

Sra. Harris Vai a Paris

Melhor Maquiagem e Cabelo

Nada de Novo no Front

Batman

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Elvis

A Baleia

Melhor Curta-Metragem (animação)

The Boy, the Mole, the Fox, and the Horse

The Flying Sailor

Ice Merchants

My Year of Dicks

An Ostrich Told Me the World is Fake, and I Think I Believe It

Melhor Curta-Metragem (live action)

An Irish Goodbye

Ivalu

Le Pupille

Night Ride

The Red Suitcase

Melhor Documentário em Curta-Metragem

The Elephant Whisperers

Haulout

How do You Measure a Year?

The Martha Mitchell Effect

Stranger at the Gate

Efeitos Visuais

Nada de Novo no Front

Avatar: O Caminho da Água

Batman

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre

Top Gun: Maverick

Para quem diz que o mercado é "fenômeno natural" e não tem ideologia

 

Reprodução Twitter 



domingo, 22 de janeiro de 2023

Os jornalistas "setoristas de quartel" estão de volta às redações. Não é uma boa notícia. Eles andavam sumidos desde o fim da ditadura.

 

Reprodução Twitter 

por José Esmeraldo Gonçalves

Observação certeira essa do Conrado Ubner. Acho que certos jornalistas logo que acordam ligam pro quartel para saber se a tropa está nervosa. 

No tempo da ditadura, cada redação tinha um especialista em Forças Armadas e órgãos de segurança. Eram valorizados pelo acesso a fontes da caserna. Quando passavam os colegas sussurravam: " cuidado, esse aí tem generais no caderninho". Eram uns *Elio Gaspari" de baixa patente.  

Lembro que um deles foi demitido pouco antes das primeiras eleições diretas para presidente, em 1989. Os militares saíram do noticiário e os brasileiros passaram a desconhecer os nomes dos comandantes. A democracia agradecia a deferência. Os setoristas foram pra reserva não remunerada. Bolsonaro trouxe fardas e coturnos de volta à cena política. E logo  reapareceram os setoristas de quartel.. Ontem, na TV, era um tal de "falei com uma fonte militar", " fiz uma apuração com um quatro estrelas". 

Isso preocupa.  Os militares estão mais badalados do que o BBB da Globo.

Mídia - Nos jornais de hoje, o drama incômodo dos ianomâmi não ganha destaque




Ianomâmi em estado de desnutrição extrema. Reprodução Instagram 

Ontem, o Brasil acordou em choque. Na última sexta-feira caíram na rede fotos dramáticas da lenta agonia de crianças, adultos e idosos em uma das aldeias ianomâmi. As imagens foram distribuídas pelos líderes indígenas. Ontem, o presidente Lula partiu com urgência para Rondônia levando oito ministros na comitiva para providências imediatas para salvar a etnia. Somente este ano morreram 99 crianças. Quase 600 faleceram nos meses anteriores vítimas de desnutrição, pneumonia fome e contaminação por mercúrio lançado nos rios pelo garimpo ilegal que avança nos territórios das tribos. 

Os ianomâmi vivem um caos sanitário que tem as digitais criminosas de Jair Bolsonaro, seus ministros e seu vice-presidente. 

Em operação ativa desde 2019, o governo passado apoiou o garimpo e, em consequência, o narcogarimpo, desprezou e oprimiu os indígenas, desmontou a fiscalização e incentivou a brutalidade na Amazônia. Na prática, Bolsonaro, que muitas vezes proferiu frases racistas e ofensivas aos indígenas, liberou a barbárie na região onde hoje se concentram 20 mil garimpeiros ilegais. O quadro que se revelou ao país ontem vinha sendo denunciado nos últimos anos  - e ignorado - principalmente desde o começo de 2022 quando se agravou ainda mais.

As fotos divulgadas mostram indígenas esquálidos. São cenas inacreditáveis. 

Pois os três principais jornais da elite brasileira não deram grande importância à tragédia. Evitaram publicar as fotos dramáticas em uma espécie de "limpeza étnica" editorial. Dois deles deram chamadas na primeira página. O Globo nem isso. Nas páginas internas, pequenas e burocráticas matérias sem as fotos incômodas. Os jornais Estado de Minas e Correio Braziliense colocaram o assunto com maior importância nas respectivas capas. Para a maioria dos veículos foi como se o drama dos ianomâmi atrapalhasse o sábado dos editores que já estavam às voltas com a demissão do comandante do Exército. 

É óbvio que, considerando-se a hierarquização dos fatos, havia espaço para as duas notícias e com igual destaque. O chefe militar omisso quanto à tentativa de golpe e ao ataque aos poderes constitucionais foi descartado e rapidamente substituído. Já as mortes em Roraima vão permanecer na consciência dos governantes que não se identificaram com a causa indígena. 

Houve quem criticasse a criação do Ministério dos Povos Originários anunciada por Lula logo após a eleição. Pois aí está a razão. É para salvá-los antes que sejam exterminados. 

ATUALIZAÇÃO em 23/1/2022. O Globo finalmente destaca a tragédia dos ianomâmi. 


        

Rede Manchete, 40 anos depois - O depoimento de quem testemunhou o começo, o meio e o fim...

por Ed Sá

A Rede Manchete foi inaugurada em junho de 1983. Há 40 anos. Talvez esse relato de Claudio Hazan seja uma boa referência. Hazan revela uma conversa que teve com Adolpho Bloch em 1981, quando a Bloch Editores recebeu do governo militar as concessões de cinco canais para montar uma rede de televisão, o que se concretizaria em 1983. 

Segundo Hazan, Adolpho não era favorável ao projeto idealizado por seus sobrinhos Oscar Bloch e Pedro Jack Kapeller. Achava que o DNA do grupo estava na bem-sucedida editora de revistas e na gráfica. "Não é o nosso ramo. Um dia nós vamos nos sentar em um banco dessa praça (referindo-se ao largo em frente ao edifício-sede da Bloch na Rua do Russell, no Rio de Janeiro) e vamos recordar: "esse prédio já foi nosso". 

Adolpho faleceu em 1995, quando a Rede Manchete já enfrentava a grave crise que levou ao seu fim em junho de 1999, quando foi vendida para a Rede TV.. A Bloch Editores faliu em agosto de 2000 arrastada pelo tsunami administrativo e financeiro que inviabilizou a a TV. 

A Rede Manchete teve relativamente pouco tempo de capacidade plena de produção de uma programação de qualidade. Em 1989, com apenas seis de operação, houve a primeira tentativa de venda. Outras propostas fracassadas apareceram até o encerramento definitivo em 1999. 

Apesar disso, a Rede Manchete deixou suas marcas de excelência na história da televisão brasileira.  Vale citar o jornalismo ágil; novelas como Dona Beija e, principalmente o extraordinário sucesso de Pantanal, além de Ana Raio e Zé Trovão; lançou musicais inesquecíveis, como Bar Academia; inovou em séries, Xingu foi uma delas;  e realizou coberturas memoráveis de Copas do Mundo, Olimpíadas e Carnaval. 

Talvez investir em TV não tenha sido um decisão tão sem sentido assim. Olhando pelo retrovisor, vê-se que oi meio revistas impressas, a grande especialidade do Grupo Bloch, passou a ter os dias contados a partir do fim dos anos 1990, em processo lento, é verdade, mas inexorável. A Bloch ainda informatizou as redações, ensaiou entrar no meio digital, mas era tarde demais para as finanças combalidas da empresa e cedo demais para a verdadeira explosão da internet, como business, o que só ocorreu a partir do anos 2000. A televisão poderia ter sido uma ponte para o futuro do Grupo Bloch que não deu conta da tarefa que se revelou muito maior do que sua capacidade administrativa e financeira. Adolpho Bloch, como cita Hazan, foi profético. 

Claudio Hazan foi diretor-geral do Centro de Produção da Rede Manchete. Ele faleceu precocemente, mas deixou esse depoimento que circula há alguns anos no You Tube. 

https://www.youtube.com/watch?v=VMEOvQGMkpA

Mídia: Estadão prega conciliação com criminosos e terroristas

 

Reprodução Twitter 


Sedes do Executivo, Legislativo e Judiciário destruídas, bolsonaristas agredindo pessoas em todo o país, participação de militares nos ataques e omissão de outros, tentativa de invasão da sede da PF, carros incendiados e apoiadores do ex-presidente fugitivo tentando lançar um ônibus de um viaduto sobre o trânsito, terroristas preparando explosão de bomba em aeroporto e o Estadão define a reação a esses crimes como "ressentimento". "E natural que Lula fale do 8 de janeiro a todo momento, mas um verdadeiro estadista não remói ressentimentos: ao contrário, deve agir para serenar os ânimos, e não atiçá-los", é o que escreve o jornalão. Na mesma linha, o Estadão deve achar Biden deveria esquecer a invasão do Capitólio e não acionar a justiça para os golpista. Deve entender que defesa da democracia não é uma obrigação de todos os presidentes.     

Imagine apenas se todas essas ações do 8 de janeiro não fossem patrocinadas pela direita. O Estadão estaria pedindo intervenção militar imediata. Como pediu em 1964 ao conspirar para a implantação da ditadura que defendeu com entusiasmo ou quando pregou a queda de uma presidente eleita como fez no golpe de 2016 ao propagar as mentiras e armações golpistas que "justificaram" o afastamento de Dilma Rousseff. E daquele golpe nasceram os ataques constantes à democracia que persistem desde então. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

Vida moderna - Coréia do Sul tem apartamentos de 3 metros quarados. É o cortiço gourmetizado. Sabia que Bangu 1, por exemplo, tem cela individual de 5 metros quadrados?

Um goshiwon na Coréia do Sul. Reprodução BBC Brasil

por Pedro Juan Bettencourt
A BBC Brasil publicou uma matéria sobre o goshiwon, os apartamentos de três metros quadrados oferecidos em edifícios na Coréia do Sul. Geralmente os box room são usados por estudantes ou idosos. São habitações com cômoda, banheiro e cama. Cozinha e lavanderia costumam ser coletivas, o banheiro também pode ser interno ou compartilhado, a depender do formato do apartamento. O Japão foi primeiro país a lançar um tipo de hotel com cápsulas para dormir adotadas por muitos executivos em viagem, mas o novo recorde minimalista para habitação permanente é agora da Coréia do Sul. Muitos goshiwon não têm janelas. O ar condicionnado - que nem todos têm - e o aquecimento é controlado pelo proprietário do edifício. O aluguel de um micro apê equivale a cerca de R$2 mil por mês, segundo a matéria da BBC Brasil. Na prática, são, digamos, um cortiço gourmetizado.

Os vereadores, em algumas capitais brasileiras, ainda não chegaram ao ponto de permitir a construção de microapartamentos de 3 metros quadrados, mas já avançam nesse sentido. Em São Paulo já é permitido costruir apê de 10 metros quadrados. No Rio de Janeiro, o código de obras determia o mínimo de 25 metros quadrados.

Para se ter uma ideia,o  presídio de Bangu 1, no Rio, tem celas de isolamendo com um total de 5 metros quadrados. A Papuda, em Brasília, onde estão os "patridiotas" bolsonaristas, coloca os políticos que vão em cana em celas de 25 metros quadrados, mas essas são para presos com direitos especiais. As celas individuais têm 6 metros quadrados. Claro que existem as celas coletivas superlotadas, mas essa é outra história.     

Mídia - Vandalismo jornalístico - O que a Folha pretende sugerir?


Folha de São Paulo, 19/1/2023

por José Esmeraldo Gonçalves

A foto de capa da Folha de São Paulo, hoje, foi feita pela fotógrafa Gabriela Biló em modo de múltipla exposição, que consiste em fotografar separadamente vários elementos e fundi-los em uma única imagem. O editor do jornalão deve ter delirado ao vê-la.  O carnaval não começou mas a Folha já vestiu uma fantasia digna do bloco dos sujos.

A imagem de Lula simplesmente ajeitando a gravata ganha nova e intencional leitura ao ser montada ao lado do ponto estilhaçado, qual marca de tiro, do vidro do Palácio do Planalto. Na leitura da foto publicada, um Lula de cabeça baixa, mão esquerda acima do peito, parece reagir ao impacto de uma bala no coração. 

Para os bolsonaristas radicais que se exibem armados nas redes sociais e prometem atirar no Lula é a cenografia do sonho acalentado. A Folha pode argumentar, em vão, que é apenas uma imagem que simboliza Lula acuado pelo terrorismo bolsonarista ou alvejado pela "presença militar" recorde no Planalto. Haverá um monte de versões.  O melhor para a Folha é assumir que tem assento no "gabinete do ódio".   

A foto que repercute nas redes sociais segue o estilo que o "jornalismo de guerra" da direita consagrou em 2016, quando a Veja fez uma capa com a cabeça do Lula decapitada, pingando sangue. Naquela ocasião, os editores da Veja devem ter corrido para o banheiro espalmando a capa como se fosse um pôster da Playboy. A Veja nem precisou pensar para criar a ilustração: copiou a Newsweek, que fez capa semelhante com Khadaffi; e a Time, que fez o mesmo com Donald Trump.
As primeiras páginas de jornais geralmente são discutidas pela cúpula das redações.
Imagino a turma em torno de uma mesa. "Do caralho", "Vai arrebentar, véio", "Vai quebrar a banca em Orlando";  "Manda aumentar o reparte da Papuda', "Carlos Bolsonaro vai amar"; "Vou avisar ao general Heleno, ele vai curtir"; "Liguei por Braga Neto, ele pediu um print", "Lacrou".      
   


quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Terroristas trocaram de roupa na Papuda

 

"Patriotários" domesticados. Reprodução Instagram 

Tudo é seita. Por um momento achei que o "Racional Superior" (acima), de Tim Maia, estava de volta. Mas era que o racional inferior de sempre (Ed Sá)


Juntos e algemados...

Reprodução Twitter 

 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Terrorista reclama por ter sido preso "contra a vontade"

 

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Viva Gina! • Por Roberto Muggiati



Mais uma musa que se despede. Gina Lollobrigida, além de ter vivido muito, viveu bem. Mito sexual, comediante talentosa, fez sucesso ainda como fotógrafa. Tive o privilégio de respirar o mesmo metro cúbico de ar com ela no Carnaval de 1967, em seu apartamento no Copacabana Palace, quando me recebeu para uma entrevista exclusiva para a Manchete. Estava no auge da beleza, aos 39 anos – eu tinha dez a menos.

Havia um intérprete de plantão, o jornalista Alessandro Porro. Oriundo, dispensei os seus serviços. Ainda ingênuo, apesar de meus dois anos de Paris e três de Londres, impregnado da cultura dos anos 60 – rica em problemática e pobre em solucionática – perguntei a ela sobre “il problemma sessuale”.

Com um sorriso irônico, a diva me colocou no devido lugar:

“Problema sessuale? Non lo so, il sesso per me non è un problema. Forse lo sarebbe per lei".

Guardo do encontro nossa foto, eu o repórter de terno e gravata com as ferramentas do ofício.  Como 56 anos passam rápido...

(*) Gina Lollobrigida morreu nesta segunda-feira, 16, aos 95 anos, em sua casa, em Roma.


domingo, 15 de janeiro de 2023

Onde estão as musas? Houve uma época em que crises políticas produziam belas estrelas

por Ed Sá

Era uma espécie de tradição.

 Em meio às grandes crises políticas e escândalos que abalavam Brasília era praticamenente obrigatório que surgisse uma musa. Belas mulheres de alguma forma ligadas a  escândalos da vez como esposas, amantes ou apenas por trabalharem no Congresso ao lado de envolvidos estampavam jornais e revistas e, algumas delas, acabavam descolando um cachê para posarem nuas para a extinta Playboy. 

Como Monica Veloso, pivô da renúncia de Renan Calheiros à presidência do Senado, em 2007. O caso envolvia acusação de pagamento por uma construtora de pensão alimentícia devida por Renan, com quem Monica tivera um relacionamento.  Thereza Collor, então mulher de Pedro Collor, que fez a denúncia que disparou a investigação e o processo que resultou no impeachmente de Fernando Collor de Mello, não posou nua, mas agitou o Congresso ao chegar para depor exibindo belas pernas em saias curtas. A assessora parlamentar Denise Rocha, que ficou conhecida durante a chamada CPI do Cachoeira, por trabalhar no gabinete de Ciro Nogueira, integrante da CPI e por ter um vídeo erótico vazado, também foi parar nas páginas da Playboy. 


Camila Amaral foi a musa da CPI do Mensalão. Ela trabalhava no gabinete de Ideli Salvatti, integrantre daquela CPI. Notada pela mídia e lançada A fama, ela aceitou um convite para posra nua. A Playboy acabou e os escândalos se tornaram áridos, digamaos, no quesito beleza. Quem disputaria o título de musa nos últimos anos? Damares? Janaína Pascoal? Carla Zambelli? Bia Kicis? Cássia Kiss? Regina Duarte?. Regina, muito antes de se tornar bolsonarista fanática, posou para a revista Homem, em 1975, eram fotos "sensuais", não de nudez explícita. Resta, nesses dias difíceis, a Vovó do Pó, que se destacou no ataque terrorista de 8 de janeiro. É o que temos. Por fim, para as novas gerações, um PS: meninos, nós vimos!       

O Globo - Investigações identificam entre os terroristas de homicidas, traficante, estelionatários a fraudadores em geral

Reprodução O Globo, 15/1/2023

O Globo de hoje publica uma matéria que revela o DNA de alguns terroristas bolsonaristas. Mais prrecisamente,  expõe a folha corrida de vários deles. As identificações e depoimentos dos "patriotas" que assaltaram os palácios de Brasília têm mostrado que acampamentos e barreiras também abrigavam  marginais. No meio dos terroristas havia gente processada por homicídio, tráfico de drogas, estelionado e fraudes em geral. A que se tornou mais famosa foi Maria de Fátima Mendonça Jacinto Souza, a Vovó do Pó, condenada por tráfico de drogas. Não por acaso, a turba roubou objetos do Senado e do Planalto. segundo o minstro da Casa Civil, Ruy Costa, em entrevista ao Globo, também na edição de hoje,  as câmeras internas do Palácio do Planalto mostram tentativa de roubo de caixa eletrônico.  

  

De Vinicius de Moraes para Di Cavalcanti: "Hay que luchar, Cavalcanti" (*)

Palácio do Planalto: a  obra de Di Cavalcanti,As Mulatas, perfurada a faca
por terroristas bolsonaristas durante assalto às sedes dos Três Poderes  

Amigo Di Cavalcanti 

A hora é grave e 

inconstante. 

Tudo aquilo que prezamos 

O povo, a arte, a cultura 

Vemos sendo desfigurado 

Pelos homens do passado 

Que por terror ao futuro 

Optaram pela tortura. 

Poeta Di Cavalcanti 

Nossas coisas bem-amadas 

Neste mesmo exato instante 

Estão sendo desfiguradas. 

Hay que luchar, Cavalcanti 

Como diria Neruda. 

Por isso, pinta, pintor 

Pinta, pinta, pinta, pinta 

Pinta o ódio e pinta o amor 

Com o sangue de tua tinta 

Pinta as mulheres de cor 

Na sua desgraça distinta 

Pinta o fruto e pinta a flor 

Pinta tudo que não minta 

Pinta o riso e pinta a dor 

Pinta sem abstracionismo 

Pinta a Vida, pintador 

No teu mágico realismo! -- 

(*) Em 6/9/1964, o Brasil estava sob a ditadura instalada em 1/4/1964 quando Vinícius de Moraes escreveu um poema para Di Cavalcanti (trecho reproduzido acima), que comemorava 66 anos.


sábado, 14 de janeiro de 2023

Na capa da IstoÉ: a gangue do terror bolsonarista

 



Lojas Americanas venderam camisetas de Bolsonaro em 2018


Em agosto de 2018, Lojas Americanas deram força à  campanha de Bolsonaro com uma série de camisetas para promover o "mito", inclusive estimulando a política de armas. O BNDES tem dinheiro investido no grupo e, como todos os credores, pode ficar no prejuízo. O banco diz que tem "garantias bancárias". 

O executivo Miguel Gutierrez, que presidiu a companhia por 20 anos mudou-se para a Espanha em fins do ano passado. O novo presidente ficou apenas nove dias no cargo. Pulou fora ao descobrir um rombo de R$ 20 bi que rapidamente já se transformou em R$40 bi. Integrantes da diretoria da Americanas foram acometidos de paranormalidade, adivinharam o caos e venderem ações no ano passado e escaparam do desastre.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O golpe que falhou e o primeiro "Ato Institucional" da Ditadura. 2








O batom na cueca suja dos golpistas.  O documento acima é uma espécie de Ato Institucional da ditadura.2 que  terroristas,  generais e aloprados  queriam implantar no Brasil. Criado o caos pelos terroristas que invadiram o Planalto,  o Congresso e o STF, Lula teria que convocar a GLO e o Exércíto entraria em ação. Lula de Flávio Dino não caíram na armadilha e decretaram apenas intervenção parcial no governo do DF. No link abaixo, leia o passo a passo do golpe que falhou. Mas, atenção, a democracia precisa ser defendida todo dia. De braços dados, terroristas e golpista continuam sendo uma ameaça à liberdade. 


1 VEJA AQUI O PLANO COMPLETO DA TENTATIVA DE GOLPE DOS MILITARES, VIA GLO, SEGUNDO PAULO ALMEIDA:

Ministro Múcio forçou a barra para que Lula liberasse uma ação militar chamada GLO (Garantia da Lei e da Ordem). Era tudo o que os militares queriam para darem um golpe de Estado na sequência. +
(https://twitter.com/palma35d/status/1613560626177085443?t=oaulnZWBtQ_hhCV-ycj4JQ&s=03

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Aceita cartão? Tem nota fiscal pros amigos?

 


Medinho

 

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Lojas Americanas: cadê os 20 bi que estavam aqui!

 A "contabilidade criativa"  das Americanas é um espanto. O cara responsável pela coisa "errou" em 20 bilhões de reais. Uma simples "inconsistência" segundo os rapazes e moças da mídia para quem empresa privada é sempre perfeita. Nas redes sociais já há quem defenda que o governo federal tem que entrar com dinheiro para não deixar as Americanas fechar. Beleza. O governo toma ferro na arrecadação de impostos e ainda tem que dar uma ajuda?