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sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Oscar 2023 - "Argentina 1985" e a falta que nos fez um Julio Strassera...


Argentina 1985: o ator Ricardo Darin como o promotor Julio Strassera e Peter Lanzani
no papel do seu assistente  Luiz Morneo Ocampo. Foto Divulgação

por José Esmeraldo Gonçalves 

O longa "Argentina 1985", agora indicado para o Oscar 2023 de Melhor Filme Internacional, atinge dois tipos de público. Afinal o julgamento dos militares responsáveis pelos crimes há 38 anos e o golpe que destituiu a presidente Isabel Perón e implantou a Junta Militar que tocou o terror na Argentina aconteceu no dia 26 de março de 1976, há quase 40 anos. 

Uma parte audiência - na qual me incluo - terá acompanhado pelo noticiário o drama argentino. O filme nos leva a rever os personagens daquela imensa tragédia política. Em 1976, a América do Sul estava submetida a cruéis ditaduras da direita. O Brasil vivia a sua desde 1964, também colecionando assassinatos sequestros e torturas e com os militares e orgãos de segurança nacionais colaborando ativamente com a sangrenta repressão na Argentina, Chile e Uruguai. Os dois últimos países também sob ditaduras desde 1973. 

A segunda audiência é formada certamente pelas gerações que não viveram a época. 

Argentina 1985 tem o mérito de revelar o que aconteceu no país e o desfecho legal de um processo pelo qual o Brasil não passou. Aqui, militares deixaram o poder em 1985, precisamente quando Buenos Aires julgava seus carrascos. O deplorável "jeitinho" lhes concedeu tapete azul para devolverem o poder aos civis. Primeiro, a concessão negociada de uma anistia que, em troca de permitir a volta dos exilados, isentou os militares brasileiros de qualquer culpa, deixou-os intocáveis para sempre. Até mesmo crimes posteriores à anistia, como o atentado terrorista do Riocentro - cometido em 1981 por militares da chamada linha dura descontentes com os primeiros sinais de desgaste do regime e a perspectiva do seu fim -, ficaram impunes. E veio depois a transição negociada que levou à eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral da ditadura, seguida, em março de 1985, pela doença e morte do mineiro e a posse de José Sarney, político ligado ao regime militar. 

Não tivemos o nosso Brasil 1985. Aqui não houve banco dos réus para assassinos e torturadors.             

A  junta militar da Argentina, constituída inicialmente pelo general Jorge Videla, almirante Emilio Massera e brigadeiro Orlando Agosti, abriu caminho para o rastro de sangue que banhou o país. O primeiro trio de ditadores foi substituído nos anos seguintes por outras duas formações que se alternaram no governo até 1983: general Roberto Viola, brigadeiro Omar Graffigna e almirante Armando Lambruschini; e general Leopoldo Galtieri, brigadeiro Lami Dozo e almirante Jorge Anaya.

Dirigido por Santiago Mitre, "Argentina 1985" conta a história real do julgamento desses carrascos da ditadura argentina sob o ponto de vista do promotor Julio Strassera, seu assistente Luis Moreno OCampo, e uma equipe de jovens funcionárários da justiça que levantaram provas e testemunhos sobre sequestros, assassinatos e torturas em série que resultaram em mais de 30 mil mortos e desaparecidos, além bebês nascidos em cativeiro retirados das mães e "doados" a militares sem filhos.

Em performance brilhante, o ator Ricardo Darín vive o promotor Julio Strassera. Seu assistente Luís Moreno Ocampo é interpretado por Peter Lanzani.

Os ditadores argentinos foram condenados por crimes contra a humanidade, vale dizer, genocídio.

Quando veio ao Rio para o lançamento do filme em outubro (que agora pode ser visto no streaming Prime)  o ator Peter Lanzani, que nasceu em 1990, disse ao G1 que ao atuar em "Argentina 1985" aprendeu coisas que não lhe ensinaram. 

Os bolsonaristas que promoveram ataques terroristas às sedes do Congresso, STF e Presidência, em Brasíla, no dia 8 de janeiro de 2023, quebram tudo em nome da volta da ditadura. Esses terroristas têm muitos adeptos que também não eram nascidos sob o regime militar brasileiro. Não lhes ensinaram sobre os crimes que escaparam da nossa justiça, mas não da memória. 

A Argentina curou suas feridas. Além dos membros das juntas condenou nos anos seguintes, até recentemente, outros militares e, desde 1983, não é alvo de golpes. 

O Brasil, ao contrário, optou por apenas varrer os criminosos para o quarto de despejo da história. E, não por acaso, a direita já derrubou, em 2016, sob falso pretexto agora reconhecido pelo MPF e Tribunal de Contas da União, uma presidente legitimamente eleita. O fantasioso  impeachment criou condições para a ascensão de uma ultra direita antidemocrática que prega um golpe militar e volta a ameaçar um presidente eleito democraticamente.  

A Argentina exorcizou os fantasmas, o Brasil escolheu recriar os seus.