![]() |
Vargas Llosa em Paris, anos 1960. Foto: Reprodução Instagram |
Quando eu era bolsista pobre em Paris em 1960, meu amigo Octávio Carneiro Lins – que trabalhava com o tio, o embaixador Paulo Carneiro, na Unesco – costumava me convidar para jantar nos melhores restaurantes. Mas Octávio era uma figura complicada e essa aparente generosidade muitas vezes ocultava surtos perversos de sadismo.
Duas ou três
vezes ele me levou ao México Lindo, na rue des Canettes, naquele cafofo da rive gauche entre as igrejas de
Saint-Germain e de Saint Sulpice. Na primeira vez cuspi a comida toda no prato
de tão apimentada que era. – Caliente?!
– comentou o garçom, gozando da minha cara. Octávio, macaco velho em culinárias
exóticas e chegado a temperos fortes, por trás de um semblante à Buster Keaton,
também devia estar se divertindo.
Vocês já devem
ter ouvido falar na Maldição de Montezuma, que acomete os incautos que vão ao
México e exageram na comida local. Na segunda vez que fui ao México Lindo, bem
que me esforcei, mas ainda refuguei mais da metade da comida. Da terceira, já
com as papilas gustativas cauterizadas no ferro em brasa, me saí um pouco
melhor, mas pedi ao Octávio que voltássemos, por favor, à boa e velha cuisine française.
Para mim a
história teria morrido aí, não fosse ter lido, 45 anos depois, o romance Travessuras da menina má, de Mário Vargas Llosa – o peruano que
ganhou o Nobel de Literatura em 2010. Ele morou em Paris à mesma época que eu.
Cito trechos do livro:
“No meu primeiro
ano em Paris, quando passava apertos financeiros, muitas noites ficava na porta
dos fundos desse restaurante [o México Lindo] esperando que Paúl aparecesse com
um pacotinho de tamales, tortilhas,
carninhas ou enchiladas, que ia
saborear no meu sótão do Hôtel du Sénat antes que esfriassem.”
“Paúl, ao saber
das minhas dificuldades, quis me dar uma força com a comida, porque no México
Lindo era o que sobrava. Que eu passasse pela porta dos fundos, por volta das
dez da noite e ele me ofereceria ‘um banquete grátis e quente’, coisa que já
fizera com outros compatriotas carentes.”
*Do livro de memórias em gestação Paris por um triz.
** Mario Vargas llosa faleceu ontem, em Lima, aos 89 anos. A família não informou a causa da morte. Desde que deixou Madrid em 2022 e voltou a residir no Peru o escritor estava debilitado.
Ler os brilhantes recuerdos do grande " Muggi das Cruzes" é sempre um grande prazer. Por coincidência ou não, acabei de ler este ótimo livro Travessuras da menina má. Mais uma daquelas inúmeras histórias que mereciam contar em um belo livro de memórias. Valeu!
ResponderExcluirMuito boa essa crônica escrita com o desprender de que conheceu bem Paris!
ResponderExcluir