Mostrando postagens com marcador Histórias do Grasnde Circo Adolpho Bloch. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Histórias do Grasnde Circo Adolpho Bloch. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Memórias da redação: O peixe polêmico do Cícero Sandroni * • Por Roberto Muggiati**

 




Cícero Sandroni com o fotógrafo Antonio Rudge na cobertura para a Manchete da assinatura do acordo atômico
Brasil-Alemanha em 1975

Na ABL


Sandroni na Manchete em 1969

Este episódio surreal é contado sempre de maneira diferente, dependendo do narrador. Como o presenciei de perto, garanto que a minha versão é a correta, exata nos menores detalhes. Cícero Sandroni, jornalista, contista, era uma pessoa culta em processo de mudança e fazia psicanálise há vários anos. Chefe de redação, sentava-se defronte da grande mesa em L do editor, que eu ocupava na época. Um dia, Jaquito cochilou e perdeu uma concorrência importante. Depois de xingá-lo de “cagalhão”, chamamento que usava para todos os parentes empregados na firma, Adolpho o mandou descansar em Cabo Frio. Mesmo com a lancha da Manchete à sua disposição, o agitado Jaquito não aguentou por muito tempo as férias forçadas. Resolveu peitar o tio e voltar antes do tempo de “repouso” que lhe fora imposto. Teve então a ideia de levar um agrado para amaciar o Adolpho. Conhecendo seus gostos, foi à colônia de pesca local e comprou o peixe mais robusto e bonito que encontrou, um cherne, robalo ou garoupa da mais nobre estirpe com quase um metro de comprimento. Assim que chegou ao Russell foi diretamente à cozinha e pediu ao Severino que desse um tratamento de gala ao precioso pescado.

Jaquito, é claro, vangloriou-se ao Adolpho dizendo que ele mesmo tinha fisgado o bicho. (Recorreu aos artifícios da prosa hemingwayana em O velho e o mar, o único livro que leu na vida.) Acertou em cheio na sua aposta. Orgulhoso da obra do seu chef de cuisine – requintada como aquelas peças de ourivesaria que Benvenuto Cellini lavrava para os papas – Adolpho decidiu exibir o prato na redação, antes que ele fosse devorado no restaurante pela alta direção e pelos editores da casa. O acepipe, sobre uma travessa de porcelana, foi trazido numa bandeja de prata. O garçom, mal podendo arcar com o peso do troféu, o depositou no centro da sala, sobre a mesa do Cícero, que havia se ausentado por alguns minutos.

Quando se deparou com aquele espetáculo, o Sandroni ficou profundamente ultrajado. Sempre se sentira diminuído pelo Adolpho, que o chamava de “O Genro”, pelo fato de ser casado com a filha do imortal Austregésilo de Athayde, o mais longevo presidente da Academia Brasileira de Letras. Cícero retirou-se intempestivamente e encaminhou depois seu pedido de demissão.

O desenlace da história fere o sagrado sigilo do divã, mas correu que, na manhã seguinte, em sua sessão de psicanálise diária, ao ouvir o relato do insólito episódio, o analista teria perguntado ao Cícero: “Senhor Sandroni, não acha que está exagerando nestas suas fantasias sobre os Bloch? Um peixe na sua mesa de trabalho!...”

*Cícero Sandroni morreu aos 90 anos na terça-feira, 17 de junho. Nascido em São Paulo, fez uma carreira bem-sucedida na imprensa carioca. Entrou na Bloch no final de 1969 como meu chefe de redação em Fatos&Fotos; foi meu chefe de reportagem e de redação da Manchete em meados dos anos 1970. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2007, presidente da Casa entre 2008 e 2009, fez parte do que carinhosamente chamamos “a Máfia da Manchete na ABL”: R. Magalhães Jr, Josué Montello, Ledo Ivo, Arnaldo Niskier, Afonso Arinos Filho, Carlos Heitor Cony, Murilo Melo Filho, Geraldinho Carneiro e Ruy Castro. Viveu ainda um episódio curioso como jornalista na gestão galhofeira de Raul Giudiccelli na F&F: Cícero escrevia anonimamente a coluna de Horóscopo e, por uma incrível coincidência, previu o sequestro de embaixador suíço no Rio.

**Esse texto faz parte do livro a ser lançado em breve por Arnaldo Niskier e Roberto Muggiati, O humor na Manchete/Histórias do Grande Circo Adolpho Bloch.