sábado, 5 de janeiro de 2019

Comunicação: a "nova era" do dito e do desdito

Acontece. Conhece o dito popular "vamos organizar essa suruba"?. Pois é, o povão, sempre sábio, concluiu que até essa prática coletiva milenar pode precisar, em algum momento, de uma voz sensata que corrija rumos e preferências. Ou, sem um mínimo de consenso, corre o risco de desandar.

Taoquei, as autoridades da "nova era" - o rótulo que várias delas têm repetido - estão recém-chegadas, dizem que ainda varrendo a URSAL e o Triplo A infiltrados na burocracia estatal. Por isso, a voz de comando ainda não ecoou para organizar o swing da comunicação do novo governo. 

Para focalizar apenas as últimas 72 horas, as próprias fontes do governo fizeram pipocar declarações, revisões ou desmentidos sobre aumento de impostos de operações financeiras, limites de idade da reforma da Previdência, mudança de faixas do imposto de renda, versões sobre recusa inicial e agilidade para mandar a Força Nacional conter ações de organizações criminosas em Fortaleza, Embraer etc.

O governo não tem porta-voz e não deu sinais de que vai "hierarquizar" - para usar outro termo em vigor na "nova era" - a comunicação oficial. Por enquanto, está na base de todo mundo fala e todo mundo desmente. O aparente vazio nesse setor cria um campo fértil para a plantação de fake news. 

Em entrevista ao SBT, o próprio Bolsonaro divulgou uma fake news ao afirmar que o assessor parlamentar Fabrício Queiroz teve seu sigilo bancário quebrado sem autorização. Falso. O banco onde Queiroz tem conta foi obrigado a comunicar ao Coaf a movimentação suspeita de acordo com lei de 1998 sobre lavagem de dinheiro, ocultação de bens e transações em espécie. 

Um risco evidente é tornar fake news e "balões de ensaio" (a "notícia" que é divulgada para testar reações a uma futura medida) como parte da estratégia de comunicação oficial. Uma preocupação que aumenta à partir da nomeação de pessoas que foram responsáveis por polêmicos conteúdos de sites e contas de redes sociais na recente e controvertida campanha eleitoral. 

Dois livros recentes - "Fogo e Fúria, por dentro da Casa Branca de Trump" de Michael Wolf, e "Medo - Trump na Casa Branca", de Bob Woodward - dissecam o estilo de governar e de comunicar do magnata. Um das suas características, como se sabe, é a utilização do twitter como canal preferencial tanto para comentários banais, curtidas e trivialidades quanto para comunicar decisões e prometer decretos. Trump dispõe de estrutura montada de assessoria e comunicação, como é regra na Casa Branca, mas é, ao mesmo tempo, o presidente que mais nomeou e demitiu, e em menos tempo, nomes do seu staff próximo e não apenas na área de imprensa. 

Wolf revela que o domingo à noite e as primeiras horas da manhã são períodos cruciais para os assessores. ´Por algum motivo, tédio talvez, uma síndrome deprê dos Fantástico à americana, ao fim dos domingos Trump costuma ligar o acelerador e dispara mensagens, geralmente as mais tortuosas. As primeiras horas da manhã também são críticas porque ele acorda e liga os três monitores de TV da sua suíte - onde dorme sozinho, Melania ocupa outro quarto - e zapeia os telejornais.Se alguma coisa o irrita, vai pro twitter e retalia ou anuncia no impulso alguma decisão, muitas vezes algo que não depende dele, mas do Congresso ou da Suprema Corte, ou decreto que irá assinar para "acabar com isso aí". 

Tantos conflitos nasceram desse método impulsivo que conselheiros da Casa Branca alertaram aos vários setores que Trump tuitar uma decisão não necessariamente quer dizer que oficializa normas e decretos. Há etapas para o que está expresso na mensagem cumprir, como confirmar se é constitucional, se é atribuição do presidente ou até se não fere a autonomia dos estados. 

Em resumo, Trump pode tuitar à vontade, mas na maioria das vezes os outros poderes têm que confirmar o "like" ao humor presidencial, assim como as agências de checagem farão a faxina do que é ou não é fake news em ditos e desditos.

   

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