sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

A TV quer que o futebol brasileiro deixe de ser "caixinha de surpresas".

por Niko Bolontrin

A atual "janela" de contratações de jogadores expõe a radicalização de um processo que começou há anos e começar a redesenhar de fato o futebol brasileiro. Para pior.

A estratégia foi posta em andamento desde que os direitos de transmissão dos jogos pela TV, monopolizados, passaram a privilegiar alguns clubes e abriram um fosso entre os valores de cada um. Clubes com maior torcida levam muito mais, embora não se comprove diferença tão brutal,  nem tão desproporcional, nos índices de audiência de certos jogos que envolvem os times que CBF e Globo escalam como inferiores.

A médio prazo, o resultado poderá ser a "espanholização" do futebol brasileiro. O que isso significa? La Liga beneficia uns poucos times e empresários e reduziu o futebol espanhol a dois eternos candidatos ao título, Real Madrid e Barcelona, e um coadjuvante de luxo, o Atlético de Madrid. Os demais são "zebras" permanentes que quase nunca se confirmam. No últimos anos, o Barcelona foi nove vezes campeão; o Real Madrid, cinco vezes; o Atlético de Madrid, uma. A disputada Premier Ligue, da Inglaterra, é um pouco mais equilibrada: nos últimos, dez anos, cinco times diferentes foram campeões. Na Bundesliga, da Alemanha, em 15 anos, o Bayern de Munique ganhou dez títulos. Quando os campeonatos começam, os torcedores já sabem que o caneco ficará entre dois time, no máximo três concorrentes. Na Europa, nos campeonatos regionais, "zebra" é muito "zebra". Talvez aconteça a cada 15 anos... A Champions League diversifica o pódio um pouco mais: nos últimos dez anos, foram cinco vencedores, embora o Real Madrid de Cristiano Ronaldo e Marcelo tenha sido o dono dos últimos três títulos.

No Brasil, o enorme e crescente desequilíbrio no pagamento de direitos  do Brasileirão e na escolha do jogo a ser transmitido ao vivo se reflete na capacidade do clube captar patrocínio. Como resultado, dá aos privilegiados maior poder financeiro para aliciar jogadores dos times menos endinheirados. Daí, a briga de foice de empresários e dirigentes nas sombras da "janela" de contratações. E o Brasil não tem uma regra do "fair play" financeiro como a que a UEFA criou exatamente para tentar  impedir que as ligas de cada país sejam dominadas por dois times, como ocorre na Espanha, esmagando os demais.

Lógico que o Brasil, com agremiações regionais que reúnem grandes torcidas nas capitais, não é a Espanha. Mas não há dúvidas de que começa a ser formar a elite da elite: nos últimos seis anos, Palmeiras, Corinthians e Cruzeiro, cada um com dois títulos, mandaram no Brasileirão. Com o mesmo poder financeiro, privilegiado pela TV, mas incompetente em campo, correu por fora o Flamengo, cujo último título foi em 2009.

Ao mesmo tempo em que ocorre essa concentração, em 2020 e 2022 é esperada maior concorrência na aquisição de direitos de transmissão dos jogos, incluídos Brasileirão, Libertadores e Copa do Brasil. Talvez seja a chance para clubes hoje prejudicados pelos virtual monopólio recebam cotas mais justas e evitem uma "espanhlização" à moda brasileira.

Um comentário:

Eloy disse...

A TV quer audiência. Com menos jogos e só entre times de alto nível ele vai ganhar mais dinheiro. O futebol como estrutura, como lazer social, como cultura esportiva do país, o interesse do torcedor-povão, seja lá o que for, não interessa TV. Isso explica porque está aumentando o fosso financeiro entre oito a dez clubes de destaque e o restante.