sábado, 29 de dezembro de 2018

Minha noite com Miucha, há 62 anos, na Pauliceia desvairada • Por Roberto Muggiati

Miucha com o então marido João Gilberto e o irmão Chico Buarque


por Roberto Muggiati 

Foi naqueles meses malucos de 1962, entre os dois anos em Paris e os três anos em Londres, que eu batizei de Seis meses num DKW. Eu ia muito a São Paulo nesta época e me enturmei com um pessoal muito doido. Tinha o Nelson Coelho, que chefiava a sucursal do JB em São Paulo, mas preferia ser contista, poeta e mestre zen. O Benjamin Steiner, um judeu argentino, publicitário campeão de faturamento que depois largou tudo e virou antiquário; o Pachequinho – que irreverência nossa chama-lo assim, o grande maestro Diogo Pacheco –  e respectivas consortes e sem-sortes. Cada noite era uma aventura e naquela noite de meados de 1962 o pessoal inventou de ir jantar numa cantina do Brás que, naquela época nada gentrificada, era mesmo um bairro bem proletário – e a cantina um bom freje.


Alguém lembrou de tirar do bom caminho a amiga Heloisa Maria Buarque de Holanda, a Miúcha, dois meses mais moça que eu – tínhamos então 24 aninhos. Ela ainda não sonhava em ser cantora, nem em casar com o João Gilberto e parir a Bebel Gilberto. A operação de retirar Miúcha do vetusto casarão do lendário Sérgio Buarque de Holanda, plantado numa encosta atrás do estádio do Pacaembu – Chico Buarque, dezoito anos, não era Chico ainda e dormia como um anjo – aquela operação envolvia, mais do que tudo, rigoroso silêncio. Ninguém tinha celular e, não sei como, à hora aprazada, a menina escapuliu pela janela e pulou o muro. E lá fomos todos nós, felizes da vida, para o Brás.

Um corte rápido, de apenas cinquenta anos, meio século. Reencontro Miúcha no Rio em 2012 na estreia para a imprensa de A música segundo Tom Jobim, que ela roteirizou com o diretor do filme, Nelson Pereira dos Santos. Numa brecha, ataco: “Miúcha, lembra de mim, aquela noite no Brás?” Embora na ocasião mítica tivéssemos sentado lado a lado, nenhum dos dois lembrava nada de cada um ou de tudo mais. Mas ela recordou o nome do restaurante: “Era a Cantina do Marinheiro, não?” Cantina do Marinheiro só mesmo naquela Pauliceia pós-desvairada – mais desvairada ainda – dos anos 1960. Valeu, Miúcha, foi breve e fugaz o nosso tête-à-tête, mas foi eterno enquanto durou.  Saudades...

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