Além de levar embora milhares de empregos, a falência da Bloch Editores e a venda da Rede Manchete praticamente vaporizaram itens importantes da memória jornalística e cultural, entre os quais acervos fotográfico, de vídeos e editorial.
A professora Odile Cisneros, da Faculdade de Artes da Universidade de Alberta, no Canadá, tem feito contatos no Brasil em busca de informações sobre o livro "Inferno em Sobibor", de Stanislaw Szmajzner, lançado há décadas pela Editora Bloch. Trata-se de uma rara narrativa em primeira pessoa de um sobrevivente do campo de concentração de Sobibor, na Polônia ocupada pelos nazistas.
O jornalista Zevi Ghivelder, que dirigiu Manchete e Fatos&Fotos, contou há alguns anos - em artigo que escreveu para a revista Morashá - como Szmajzner foi parar um dia na redação levando um original que, logo se constatou, era um documento de enorme importância histórica.
"Há mais de 40 anos" - escreveu Zevi - "fui procurado na redação da revista Manchete por um judeu baixinho, careca, bigode fino, um tanto nervoso. Chamava-se Stanislaw Szmajzner, vindo de Goiás onde era fazendeiro. Trazia um calhamaço de papéis, o manuscrito de um livro que acabara de escrever. Queria saber se a Editora Bloch poderia editá-lo. Por falta de tempo imediato para ler, encaminhei o manuscrito ao jornalista Macedo Miranda, na época diretor do Departamento de Livros da empresa. Decorrido algum tempo, ele me disse: 'Do jeito que está, é impossível publicar. O livro está cheio de erros de português, mas o conteúdo é fascinante, principalmente por causa da revolta dos judeus confinados no campo de concentração de Sobibor'”.
Dias depois, Zevi voltou a falar com o autor, a quem perguntou se autorizava que o livro fosse reescrito. Não houve objeção e o manuscrito foi revisado e finalmente editado.
"Assim nasceu 'Inferno em Sobibor', lançado em 1968 e que obteve fraca repercussão tanto de crítica como de público, embora ainda seja um documento histórico da maior importância e se trate, de fato, de um trabalho extraordinário no segmento universal das obras memorialistas", contou o jornalista à Morashá.
Existem algumas obras sobre Sobibor que relatam a dramática experiência de Stanislaw Szmajzner. Ele foi entrevistado por Richard Rashke, autor de "Escape from Sobibor", lançado em 1982 e que foi levado ao cinema em 1987. Mas "Inferno em Sobibor" tem a intensidade da narrativa pessoal e intransferível, como um diário do horror e da crueldade sem nuances literárias. Sobibor tem uma particularidade, como o filme abordou: foi onde aconteceu a maior revolta registrada em um campo de concentração. Cerca de 300 prisioneiros conseguiram escapar. Muitos foram caçados e assassinados pelas tropas nazistas. Sobibor funcionou durante 18 meses e nesse período cerca de 260 mil pessoas foram mortas nas câmaras de gás do campo. Ao fim da guerra, apenas 50 entre os 600 prisioneiros, que era a capacidade máxima do local, sobreviveram. Incluindo aquele judeu que entrou no dia na redação da Manchete carregando sua história embaixo do braço.
Se o livro, como contou Zevi, não repercutiu muito, Stanislaw Szmajzner foi notícia no rastro de dois acontecimentos impressionantes e de repercussão mundial. Dois dos oficiais alemães que atuavam como carrascos em Sobibor, Franz Stangl e Gustav Wagner, foram localizados e presos no Brasil. O famoso caçador de nazistas, Simon Wiesenthal, detectou a presença de Franz Stangl em São Paulo, trabalhando como funcionário da Volkswagen. Stangl foi preso em 1967 e extraditado para a Alemanha Ocidental.
"O poder judiciário alemão discutiu o assunto durante três anos até concluir que Stangl fora responsável pelo assassinato de 1 milhão e 200 mil pessoas e, assim, os crimes contra a humanidade se sobrepunham à questão da jurisdição. O julgamento de Stangl teve início em Dusseldorf, no dia 13 de maio de 1970. O livro "Inferno em Sobibor" foi traduzido para o alemão e serviu como um dos principais itens da promotoria, e Stanislaw foi convocado como testemunha.
"Enviei um repórter e um fotógrafo da sucursal da Manchete em Paris para cobrirem o julgamento. Numa das sessões do tribunal, o inquieto Stanislaw saiu de seu lugar, caminhou até o banco dos réus e ofereceu um cigarro a Stangl, dizendo: 'Você nunca me deu nada, mas deixe eu lhe dar alguma coisa'. O cigarro foi recusado e o fotógrafo captou aquele exato momento, mostrando o Stanislaw com o braço estendido", recordou Zevi..
Ao depor, Stangl confessou que Gustav Wagner também morava no Brasil. A polícia paulista e o Mossad localizaram o nazista na região de Atibaia, em 1978.
Gustav Wagner não chegou a sr extraditado. Morreu de infarto na prisão em outubro de 1980.
Stangl morreu na prisão, em 1970, seis meses depois do julgamento.
Stanislaw Szmajzner morreu em 1989.
A professora da Universidade de Alberta quer saber a quem procurar para obter os direitos e a autorização para reeditar o livro "Inferno em Sobibor". A Bloch, que faliu em 2000, era a detentora desses direitos. O interesse de Odile Cisneros é ainda maior porque o livro de Stanislaw Szmajzner foi editado somente em português - a Bloch teria lançado duas edições e a versão para o alemão foi peça processual -, e seria pela primeira vez traduzido para o inglês e levado a um público muitas vezes maior.
Que a professora consiga resolver o impasse e, nesses dias de neonazistas à vista, reedite o livro.
Donald Trump está precisando de um exemplar na cabeceira da sua cama na Casa Branca.
O livro editado pela Bloch |
O jornalista Zevi Ghivelder, que dirigiu Manchete e Fatos&Fotos, contou há alguns anos - em artigo que escreveu para a revista Morashá - como Szmajzner foi parar um dia na redação levando um original que, logo se constatou, era um documento de enorme importância histórica.
"Há mais de 40 anos" - escreveu Zevi - "fui procurado na redação da revista Manchete por um judeu baixinho, careca, bigode fino, um tanto nervoso. Chamava-se Stanislaw Szmajzner, vindo de Goiás onde era fazendeiro. Trazia um calhamaço de papéis, o manuscrito de um livro que acabara de escrever. Queria saber se a Editora Bloch poderia editá-lo. Por falta de tempo imediato para ler, encaminhei o manuscrito ao jornalista Macedo Miranda, na época diretor do Departamento de Livros da empresa. Decorrido algum tempo, ele me disse: 'Do jeito que está, é impossível publicar. O livro está cheio de erros de português, mas o conteúdo é fascinante, principalmente por causa da revolta dos judeus confinados no campo de concentração de Sobibor'”.
Dias depois, Zevi voltou a falar com o autor, a quem perguntou se autorizava que o livro fosse reescrito. Não houve objeção e o manuscrito foi revisado e finalmente editado.
"Assim nasceu 'Inferno em Sobibor', lançado em 1968 e que obteve fraca repercussão tanto de crítica como de público, embora ainda seja um documento histórico da maior importância e se trate, de fato, de um trabalho extraordinário no segmento universal das obras memorialistas", contou o jornalista à Morashá.
Stanislaw Szmajzner |
Se o livro, como contou Zevi, não repercutiu muito, Stanislaw Szmajzner foi notícia no rastro de dois acontecimentos impressionantes e de repercussão mundial. Dois dos oficiais alemães que atuavam como carrascos em Sobibor, Franz Stangl e Gustav Wagner, foram localizados e presos no Brasil. O famoso caçador de nazistas, Simon Wiesenthal, detectou a presença de Franz Stangl em São Paulo, trabalhando como funcionário da Volkswagen. Stangl foi preso em 1967 e extraditado para a Alemanha Ocidental.
"O poder judiciário alemão discutiu o assunto durante três anos até concluir que Stangl fora responsável pelo assassinato de 1 milhão e 200 mil pessoas e, assim, os crimes contra a humanidade se sobrepunham à questão da jurisdição. O julgamento de Stangl teve início em Dusseldorf, no dia 13 de maio de 1970. O livro "Inferno em Sobibor" foi traduzido para o alemão e serviu como um dos principais itens da promotoria, e Stanislaw foi convocado como testemunha.
Stanislaw Szmajzner: a vítima confronta o carrasco. Foto Manchete/Reprodução |
"Enviei um repórter e um fotógrafo da sucursal da Manchete em Paris para cobrirem o julgamento. Numa das sessões do tribunal, o inquieto Stanislaw saiu de seu lugar, caminhou até o banco dos réus e ofereceu um cigarro a Stangl, dizendo: 'Você nunca me deu nada, mas deixe eu lhe dar alguma coisa'. O cigarro foi recusado e o fotógrafo captou aquele exato momento, mostrando o Stanislaw com o braço estendido", recordou Zevi..
Ao depor, Stangl confessou que Gustav Wagner também morava no Brasil. A polícia paulista e o Mossad localizaram o nazista na região de Atibaia, em 1978.
Gustav Wagner não chegou a sr extraditado. Morreu de infarto na prisão em outubro de 1980.
Stangl morreu na prisão, em 1970, seis meses depois do julgamento.
Stanislaw Szmajzner morreu em 1989.
A professora da Universidade de Alberta quer saber a quem procurar para obter os direitos e a autorização para reeditar o livro "Inferno em Sobibor". A Bloch, que faliu em 2000, era a detentora desses direitos. O interesse de Odile Cisneros é ainda maior porque o livro de Stanislaw Szmajzner foi editado somente em português - a Bloch teria lançado duas edições e a versão para o alemão foi peça processual -, e seria pela primeira vez traduzido para o inglês e levado a um público muitas vezes maior.
Que a professora consiga resolver o impasse e, nesses dias de neonazistas à vista, reedite o livro.
Donald Trump está precisando de um exemplar na cabeceira da sua cama na Casa Branca.
Um comentário:
Um sobrinho dele, com o mesmo sobrenome, trabalhava em Parada de Lucas.
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