domingo, 4 de julho de 2010

O dia seguinte

por Gonça
Ontem, andei por aí, fui ver Paraguai x Espanha no telão do Devassa. O assunto era o jogo, não ouvi ninguém discutindo seleção brasileira. Nas ruas, vida normal. Claro que a vexatória eliminação da Argentina ajudou a repor parte do alto astral coletivo. Mas tive a impressão de que futebol é, como deve ser, apenas e tão somente um jogo de futebol. A torcida amadureceu? Ou já não tem maior envolvimento com jogadores que não atuam dos seus clubes? Em jurássicas eras, o escrete - como muitos o chamavam - tinha o Botafogo como base, o Vasco, com seis, sete jogadores, o Santos etc. As respectivas torcidas se identificavam com seus craques, o que só fortalecia o vínculo com o time que representava o Brasil. Nessa comparação, uma seleção na qual nenhum jogador atua no seu país desperta mesmo interesse relativo. Fica um distanciamente que até ajuda a curar a mágoa da derrota. É uma espécie de Harlem Globetrotters, um time de exibição que se reúne de tempos em tempos.
Ok, mas eu estaria falando tudo isso se este mesmo time fosse à final? Provavelmente, não. Por isso, pior do que aturar a derrota da seleção é aguentar as críticas do "dia seguinte". A análise com um delay maior do que esse que atrasa a imagem da TV digital. Todo mundo agora sabe tudo. Esquece que futebol é o campo do se. Se o Brasil faz 2x0 na Holanda no primeiro tempo, quando, aliás, jogou bem, se  "aquela" bola entra, se o juiz marca o escanteio... Se o Brasil ganha o jogo e vai em frente, o que escreveriam? Aliviariam o Dunga, como já estavam fazendo nas últimas 72 horas antes do jogo fatal? Havia crítico se recolhendo diante do "temor" de que a seleção seguisse para as finais. E se fossem campeões? A seleção de 1994, por exemplo, foi uma das mais criticadas antes e durante a primeira fase da Copa. E quase sempre, com razão. Foi um time que levou para os Estados Unidos o "fast food", o básico do futebol. Só que trouxe a taça e as críticas foram devidamente guardadas.
O pior é que parece difícil tirar lições da derrota na África do Sul. Hoje, já há quem defenda nos jornais o modelo "aberto", na verdade escancarado, da seleção do 2006. Argumentam que os patrocinadores querem expor suas marcas, a mídia quer entrevistar jogadores a toda hora, até em alta madrugada, nos seus quartos, como aconteceu várias vezes na Alemanha. Isso é o que importa. Todas as seleções fizeram treinos secretos na África do Sul. A Alemanha, que aí está rumo à final, foi uma das mais reservadas. Não foi um estilo inventado pelo Dunga.
Engana-se quem supõe que esses problemas e essas pressões - de patrocinadores, da mídia, de empresários de jogadores - vão embora com o Dunga. Ao contrário, serão potencializados com a Copa se realizando aqui no Brasil. Contam aqueles que testemunharam a Copa de 50 que, na véspera do fatídico Brasil X Uruguai, os jogadores não conseguiram dormir. A concentração da seleção, em São Januário, foi aberta para um desfile interminável de políticos, socialites, empresários, enfim, vips - a palavra não existia na época - que queriam dar tapinhas nas costas de Ademir, Zizinho, Barbosa e companhia e tirar onda de íntimos dos astros do momento. Imaginem 2014. Se o clima for de "abertura" total, com a volta de todos os privilégios em resposta ao estilo derrotado de Dunga, teremos "cercadinho vip" até nos vestiários. Alguém duvida?
Se eu fosse o Dunga, escreveria um livro. O gaúcho tem o que contar. De como, por exemplo, teria deixado de atender a uma imposição para convocar um jogador empresariado por um certo poderoso agente, para, no dia seguinte, ser criticado por isso em mais de um jornal e mesa-redonda. Coincidentemente.
Que tal lançar o movimento "Abre a Boca, Dunga!"

Um comentário:

debarros disse...

Caro Gonça, muito bem colocada as suas observações. As críticas foram tão acirrada, que em um determinado momento me passou a hipótese de que esses críricos estariam torcendo para o Brasil perder e com a derrota declararem, numa mesa redonda, coléricos e triunfantes: – Não falavamos que a Seleçào estava sendo mal orientada? Que o seu técnico era apenas aprendiz de feiticeiro e não entendia nada de ffutabol? Está aí o resultado.
E abraçados iriam comemorar nos bares e nos lares a derrota do Brasil.