sexta-feira, 26 de junho de 2009

Metrô, Estação Catete

Sai do cinema cantarolando uma música de Zé Ramalho, que estava na cabeça:
"ÔÔÔÔ, vida de gado, povo marcado, povo feliz..."
Já eram 18h e desejava ir à inauguração da exposição de fotos do meu amigo e fotógrafo Paulo Marcos e me achava naquele momento, perto do Largo do Machado. Pensei no Metrô, estação Catete, que fica em frente ao Palácio do mesmo nome, para mim, de tristes e boas memórias. Tristes, porque nunca me esqueci da noite que passei em claro esperando a vez de entrar nesse Palácio para prestar a minha homenagem ao Presidente Getúlio Vargas, que tinha se suicidado, na noite anterior.
Boas memórias, porque alguns momentos de relaxamento e tranquilidade passei nos jardins desse Palácio, nas horas que o almoço me proporcionava. Nessa ocasião, trabalhava na Bloch Editores, revista Manchete, que ficava a menos de um quarteirão desse recanto palaciano.
Quando cheguei na Estação, levei um susto. Um trem estava parado, de portas abertas, com passageiros ainda tentando entrar e não conseguindo. De tão cheio, o trem não dava partida, mesmo porque não podia. A composição só entra em movimento com as portas fechadas.
Bem, pensei comigo mesmo, o próximo virá mais vazio e poderei embarcar. Depois de dez minutos de espera chegou o trem e claro, era a hora do "rush", me lembrei então, mas tinha que pegar aquele trem de qualquer jeito, Foi então, que me passou pela cabeça um dcumentário, que mostrava cenas do Metrô de Tóquio, não muito diferente do que se passava no Metrô do Rio de Janeiro, nessas horas.
A única diferença era que, em Tóquio, guardas uniformizados, atenção para o detalhe, de luvas brancas, empurravam, gentilmente pelas costas, os passageiros, que ainda teimavam em viajar naquele trem. Assim, todos conseguiam entrar no vagão escolhido.
As portas do trem se abriram e começou a correria. Me joguei, como os outros, em direção da porta empurrando os da frente e sendo empurrado pelos que vinham atrás. Na altura da porta esbarrei com a massa de gente que já estava lá. Os que estavam dentro do vagão resistiam a dar espaço para não ficarem mais apertados. Aos poucos, fui vencendo a resistência e de repente me achava dentro do vagão. Como?, até hoje não sei. Nunca me esquecerei da posição em que fiquei e viajei naquele trem. A minha perna esquerda ficou levantada no ar. Tive que me apoiar nos corpos dos outros passageiros para não cair. À minha frente, estava uma mocinha, bem bonitinha até, que com seus olhos arregalados me olhava aflita. Minha mão direita tinha ficado entre o meu peito e o dela pressionando os seus seios. enquanto a minha mão esquerda, não sei como, foi parar nas minhas costas, na altura do meu quadril, infelizmente contra, pelo volume, o chamado órgão genital do passageiro que estava atrás de mim. O meu pé direito ficou virado para as minhas costas. Como consegui isso, confesso que não sei.
O trem saiu da Estação e comecei a pensar na próxima parada, que seria a da Glória. Mais passageiros iriam entrar e mais apertados ficaríamos. Na estação, mais uns cinco passageiros entraram com bastante vontade empurrando a massa humana em que fomos transformados nos levando para perto da porta contrária. E lá fomos, eu agarrado a mocinha, que cada vez mais arregalava os olhos com a minha mão ainda sobre os seus seios e ainda o incômodo volume na minha trazeira que teimava em permanecer no mesmo lugar, mas o volume também não se mexia, o que me deixava mais tranquilo.
Faltava mais uma Estação, a da Cinelândia. Se conseguisse passar por essa parada sem enfrentar mais passageiros para embarcar, pensei: 'na próxima, a do Largo da Carioca, estarei a salvo'.
Respirar num vagão superlotado, espremido entre pessoas que voltavam do trabalho para as suas casas, cansadas e estressadas pelas dificuldades encontradas nessa viagem é uma tortura. Só faz idéia quem passou por essa experiência. Todos os cheiros do mundo invadem as suas narinas. Cheiro de tabagistas, talvez seja o pior, porque o cheiro pega na sua roupa, no seu cabelo, na sua pele e custa a sair mesmo depois do terceiro banho seguido. O da cachaça da vontade de vomitar, fora outros cheiros impublicáveis.
Passamos pela Cinelândia intactos. Só conseguiu entrar mais uma pessoa que, coitada, ficou espremida, grudada mesmo, na porta do vagão.
Chegamos enfim, à Estação Carioca. Quando o trem parou e abriu as suas portas, gente, eu não saí, fui cuspido com tanta violência que fui parar na parede de mármore da Estação.
Não me machuquei mas, respirei aliviado. Prometi a mim mesmo nunca mais viajar de Metrô nesse horário. É sacrifício demais. Com as pernas bambas e dormentes me dirigi a passos lentos para o velho casarão, na Praça 15, onde morou a Dona Maria I, a Louca, onde estava acontecendo a exposição fotográfica do meu amigo fotógrafo Paulo Marcos, ainda com a música do Zé Ramalho na cabeça:"
ÔÔÔÔ, vida de gado, povo marcado, povo feliz..."

J.A.Barros

3 comentários:

Gonça disse...

Barros, contou bem essa odisséia urbana. Li recentemente uma crônica do Arnaldo Bloch, no Globo, um conto de terror, na verdade, em que ele narrava um episódio parecido. E alertava para o risco de uma tragédia. Costumo usar o metrô na volta do trabalho mas só quando não saio na hora do rush. Entre 5h30 e 7h30 é impossível. Bom, e não se pode ter tudo, né?, mocinha bonitinha na frente e bafo no cangote atrás.

Maria Alice disse...

Eu, Jussara, Nini e Zé Rodolfo, já passamos por uma situação desta. Foi na saída do sambódromo, no carnaval, quando embarcamos no metrô na estação Pça XI rumo à Pavuna. Que situação, até hoje não sei como conseguimos entrar naquele vagão. Mas o que importa e que chegamos na redação sãos e salvos. E, por incrível que pareça, viajos junto de gente feliz. Zé Ramalho tem razão,rs.

Rezende disse...

é um absurdo isso que o debarros conta muito bem mas tornou-se comum no Rio de Janeiro. Já passeie por essa situação no Estácio.