sábado, 13 de junho de 2009

45 ANOS: O ATO, O FATO E O VENTO


"No dia 31 de março, convalescia eu de uma intervenção cirúrgica, em minha casa, no Posto Seis. A 1º de abril fui à rua assistir as confusas operaçõesque se processavam no Forte de Copacabana. E na rua estava quando foi anunciada a vitória dos "rebeldes". Estarrecido, com grande surpresa minha descobri que os rebeldes eram homens como Eugênio Gudin, como Augusto Frederico Schmidt, como o almirante Pena Bôto e como o marechal Gaspar Dutra. De momento - honestamente o digo, sem medo e sem pejo - não compreendi o que se passava. Vi senhoras de terço na mão, chorando porque a "revolução" havia sido ganha. A frase "a revolução foi ganha por nós" era incompreensível, e os rosários brandidos pelas pias senhoras tornavam a coisa mais incompreensível ainda. Desse pasmo, dessa estupefação nasceria a minha primeira crônica sobre política. Esperava que não fosse a única".

O escritor e jornalista Carlos Heitor Cony escreveu este prefácio no dia 10 de junho de 1964, há 45 anos. De fato, a sua primeira crônica política não seria a ultima. Entre 2 de abril e 9 de junho, Cony escreveu no Correio da Manhã 38 crônicas de "ira santa". "Cony falou por todos, na hora em que muitos não podiam dizer palavras e em que tantos outros preferiram silenciar" resumiu Hermano Alves, na orelha do livro "O Ato e o Fato" (Civilização Brasileira), lançado naquele mês em plena Cinelândia (em noite de autógrafos histórica, que atraiu uma multidão e que se transformou na primeira manifestação pública contra o golpe militar de 1964).

No último texto do livro, intitulado "Uma palavra ainda", Cony descreve: "As prisões continuam cheias, com homens sem culpa formada vivendo em regime sub-humano. Intelectuais, militares, camponeses, operários, mulheres, sacerdotes - todas as classes atuantes de uma nação ganharam a glória de ter vários de seus representantes nos navios-presídios ou nas enxovias do atual governo".

Naqueles dias sombrios, cuja luz já tênue se apagaria ainda mais no anos seguintes, restou ao autor fechar o livro com um alento: "Não queria terminar este livro sem uma palavra de esperança. Que cada qual mantenha-se à tona, lutando para evitar o naufrágio total e irrecuperável. E quando o vento se tornar mais frio, não é hora de desesperar: é que este vento anuncia que, de algum canto, já com algum calor, a aurora surgirá para todos, com suas redeções e claridades."

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