segunda-feira, 7 de março de 2022

Santo Henry, o menino mártir • Por Roberto Muggiati

Henry queria ser um menino feliz como os outros.Arquivo Pessoal

Neste 8 de março faz um ano a morte de Henry Borel, dois meses antes de completar cinco anos de idade. Foi um dos casos mais clamorosos e chocantes de brutalidade contra uma criança de que se tem notícia no país. 

O menino morreu de hemorragia interna quatro horas depois de sofrer uma laceração no fígado causada por objeto contundente. Nos documentos da perícia legal foram atestadas 23 lesões, que não foram causadas em um único momento ou num curto período. Ou seja, a criança seria um “saco de pancadas” do padrasto acusado pelo crime. A perícia revelou ainda detalhes de algumas lesões no rosto do menino: “As lesões na região nasal e infra-orbital esquerda são compatíveis com escoriações causadas por unha.” Seria uma mãe capaz disso? No caso desta criança, ficou evidente que até o impensável é possível. Na breve passagem pelo mundo, Henry Borel foi submetido às piores agressões e abusos – físicos, emocionais e morais – sujeitado ao silêncio dos inocentes, por sua total vulnerabilidade.

Em sua canção “God”, John Lennon diz: “God is a concept/ By which we measure our pain.”

“Deus é um conceito pelo qual medimos nossa dor.”

Por esse parâmetro, o sofrimento é a marca maior da santidade. O suplício de Henry Borel – por pouco que tenha durado, durou toda a sua vida – está à altura daqueles dos grandes mártires da história. Por uma coincidência impressionante, o dia de nascimento de Henry, 3 de maio, tem como santo padroeiro São Tiago Menor, um dos doze discípulos de Cristo, e um dos primeiros cristão martirizados em defesa de sua fé. No ano de 42 em Cesareia Palestina, Tiago foi perseguido por ordem do rei Herodes Agripa I, que mandou prendê-lo, decapitá-lo e jogar seus restos para os cães. 

Sou daqueles que advogam a beatificação de Henry Borel. O próprio Papa Francisco acompanha a história do menino carioca desde o seu início. Em 24 de abril de 2021 – pouco mais de um mês depois da morte de Henry – seu pai, Leniel Borel de Almeida, recebeu uma carta em que o Papa Francisco lhe presta solidariedade pelo que classifica como “massacre” causado pela “loucura humana”. 

Os pastorinhos que viram Nossa
Senhora em Fátima: a prima Lucia e
os irmãos Francisco e Jacinta
. D.P
As crianças beatificadas ou canonizadas são relativamente poucas na história do cristianismo. Os irmãozinhos pastores Francisco e Jacinta e a prima deles Lúcia, testemunhas das aparições de Nossa Senhora de Fátima em 1917, foram profundamente marcados pelo episódio e dedicaram a vida como sacrifício vivo a Deus pela conversão e salvação dos pecadores do mundo inteiro. Após o término das aparições, os pequenos foram vítimas da pandemia de gripe espanhola. Francisco morreu aos dez anos, em 1919; Jacinta morreu aos nove, em 1920. Beatificados por João Paulo II em 2000, Francisco, Jacinta e Lúcia tiveram um milagre aprovado pelo Papa Francisco, que os canonizou em 2017. Os irmãos são os mais jovens santos da Igreja Católica.

Odetinha morreu aos oito anos já com
uma aura de santidade.
A.P
O Rio de Janeiro já tem uma pequena santa em potencial, Odette Vidal Cardoso, conhecida como Odetinha. Nascida no bairro carioca  de Madureira em 1931, ia à missa toda manhã e rezava o terço à noite. Dedicada à caridade, ajudava a mãe a servir feijoada aos pobres nos sábados. Aos cinco anos frequentou o catecismo na Igreja da Imaculada Conceição, em Botafogo. Em 25 de novembro de 1939, aos oito anos, morreu de tifo, com fama de santidade. Odetinha já era considerada “serva de Deus” quando, em 2021, no dia dos 82 anos de sua morte, o Papa Francisco lhe concedeu o título de “venerável”, um passo a mais no caminho da beatificação. Depois de rezar uma missa na Imaculada Conceição – onde repousam os restos mortais de Odetinha – o Cardeal Dom Orani Tempesta a descreveu como “uma menina que rezava, cuidava dos pobres, tinha grande preocupação com os necessitados e que deixou belos exemplos.”

Guido Schäffer, o Surfista
Santo de Ipanema
. A.P.
Já ouviram falar no Surfista Santo de Ipanema? Nascido em Volta Redonda, em 22 de maio de 1974, Guido Schäffer veio morar muito cedo no Rio. Começou a participar de grupos de oração jovens. Em 1998, quando se formou em medicina, decidiu fundar um novo grupo de oração, o Fogo do Espírito Santo, na paróquia de Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, onde o padre Jorjão tinha um jeito especial de congregar jovens para suas ações. Segundo sua irmã, a partir dali "ele se desenvolveu rápido na pregação da palavra de Deus". Até então, Guido era apenas surfista e médico, tinha até uma namorada e planos de casar. A vocação religiosa só seria externada com clareza dois anos depois.

No dia 1º de maio de 2009, Guido saiu para surfar no seu trecho preferido da praia, no Recreio dos Bandeirantes. Uma prancha desgarrada atingiu sua nuca, ele desmaiou e morreu afogado, vinte dias antes de completar 35 anos. Faltavam alguns meses para ele concluir os estudos de teologia no Seminário Arquidiocesano de São José. 

Seu túmulo no cemitério São João Batista tornou-se lugar de devoção, principalmente na data do seu aniversário. Diante do culto do "Surfista Santo", a Arquidiocese do Rio de Janeiro transferiu seus restos mortais para a Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema e abriu um processo de beatificação junto à Santa Sé em 2014. Guido tornou-se um "Servo de Deus", primeiro título num processo de canonização. O próximo título, que deve vir em breve é o de “Venerável”, quando se conclui que a pessoa viveu as virtudes cristãs de forma heroica, ou sofreu realmente o martírio; o terceiro título é o de Beato, quando se comprova a existência de um milagre obtido pela sua intercessão e o último e mais importante é o de Santo, quando um segundo milagre é reconhecido. Alguns milagres já foram atribuídos a Guido Schäffer nos últimos anos.

Odetinha – por mais breve que fosse seu tempo de vida – e Guido, que desfrutou seus anos da juventude, tiveram oportunidade de praticar o bem. Já Henry Borel, nos 1723 dias que viveu, não teve sequer a oportunidade de se definir como pessoa; e a maior parte dos seus dias e noites foi ocupada pelo sofrimento causado pelas brutalidades praticadas em sua própria casa, pelas pessoas próximas que mais deveriam protegê-lo. 

Grafiteiros da Zona Norte do Rio homenagearam
Henry com asas de anjo num mural. Foto Facebook
Um sinal de culto ao menino-mártir surgiu já apenas um mês depois da sua morte. Um grupo de artistas e grafiteiros do bairro de Rocha Miranda, na Zona Norte do Rio, pintou um painel em homenagem a Henry. O artista responsável, Murilo Lemos, 33 anos, conta: “Esse mural, na verdade, a gente estava para fazer desde que saiu o caso na televisão. Aí, ontem, foi o estopim, na verdade. Entramos em contato, fizemos o grupo, começamos neste sábado às sete da manhã e terminamos agora, às cinco da tarde, sem almoçar, sem beber nada. O comércio da região toda hora vinha, trazia uma maçã, trazia um café, e foi o combustível para conseguirmos terminar a obra". Murilo expressou ainda sua indignação: "Toda vez que eu via reportagem, eu queria desligar a televisão, queria quebrar a televisão. Eu não queria imaginar se fosse com o meu filho, da mesma idade, me impactou muito, e aí eu tomei essa iniciativa".

Um comentário:

Isabela disse...

Como católica sou a favor.No caso de Odetinha tem processo no Vaticano acho que em fase de comprovação de milagres.Ocaso triste desse menino Henry e cedo para isso mas quem sabe ele faça futuramente milagres que ajudem pessoas a ajuda que ele coitado não teve