sábado, 2 de janeiro de 2016

2016: Meu Réveillon com Norma Desmond

Por ROBERTO MUGGIATI

Depois dos convencionais fins de ano com a família – em casa ou na mitológica festa a rigor no Graciosa Country Club de Curitiba – tive a partir de 1960 uns réveillons insólitos e glaciais: sozinho em Frankfurt; com amigos brasileiros numa cervejaria de Munique, com direito a uma visita, antes, ao campo de extermínio de Dachau; em Londres, com a rapaziada se jogando na fonte de Trafalgar Square; em Paris bêbado diante da Nôtre Dame sob os flocos de neve que começaram a cair à meia-noite.
Veio depois uma sucessão mais sábia e desapegada de réveillons sozinho comigo mesmo no meu esconderijo de Botafogo – não à toa o Alberto da Manchete me chamava de O Eremita.

Gloria Swanson e William Holden. Reprodução
Nesta última passagem de ano, fiquei em casa, disposto a manter minha distância deste “insensato mundo” a que alude nosso caro Thomas Hardy. De uma pilha de DVDs me olhava com insistência Sunset Boulevard/Crepúsculo dos Deuses. Lembrei que o filme de 1950 tem uma cena de réveillon marcante e resolvi rever o clássico de Billy Wilder. A ação começa com um flashback narrado por um cadáver furado por três tiros numa piscina. O corpo é mostrado com um movimento de câmera magnífico, um contra-plongé literal que sobe do fundo da piscina. Contrariando toda a lógica, Joe Gillis (William Holden) conta como foi parar naquela posição crítica. Pressionado por dívidas atrozes, sem futuro como roteirista, deixa-se enredar pelo dinheiro de uma estrela do cinema mudo, Norma Desmond (Gloria Swanson), que mora com um mordomo sinistro numa mansão decadente da Hollywood dos anos 20.
A cena da piscina. Reprodução
(Não por acaso o filme ganhou o Oscar de direção de arte e cenário.) Joe – a pretexto de roteirizar uma ideia da atriz para um filme com Cecil B. de Mille – se deixa gigolotear pela dona, detentora de uma sólida fortuna de Glorias passadas.
Aqui entra de novo em cena a Manchete – aquele vampiro que nem balas de prata, nem estacas de madeira-de-lei no peito conseguem desencarnar. Na condição de diretor da revista, recebi em 1978 a visita de Gloria Swanson à redação, acompanhada do marido. Ele, William Dufty, jornalista, lançava aqui seu livro Sugar Blues, uma cruzada ambulante contra os males do açúcar. Eu não era tiete só de Gloria, mas também de William. Imaginem, amigo íntimo de Billie Holiday, ele copidescou a autobiografia da cantora, Lady Sings the Blues. Vejam a primeira frase primorosa que lavrou: “Papai e mamãe eram apenas duas crianças quando casaram. Ele tinha só dezoito anos, ela dezesseis e eu três.”
Gloria Swanson/Reprodução
Confesso que pouca atenção prestei para Dufty, fascinado que estava por Gloria Swanson/Norma Desmon. Tinha ela 51 anos quando fez Sunset Blvd; estava com 79 ali, diante de mim, ainda inteira. Ícones como Gloria/Norma  estão acima do bem e do mal. E, segundo um axioma da turma dos Capuccinos que se reúne todo sábado high noon na Travessa de Ipanema, “os xibius são eternos”.
A gigantesca mesa do editor da Manchete em forma de L nos separava. Gloria estendeu a mão, eu apertei sua mão. Infelizmente, não houve nenhum toque de pele, ela usava uma luva branca, comme il faut. Suplício de Tântalo, Norma Desmond ficou para sempre inatingível para mim. Mas uma memória eterna.
Meu amigo cinéfilo Paulo Martins também viu de perto Gloria Swanson naquela incursão carioca – imaginem, tomando um cafezinho com o marido num pé sujo da Galeria Alaska!... Outro mito de Hollywood extraviado (com duplo sentido) em Copacabana foi Norman Bates, o ator Anthony Perkins, quando veio lançar aqui Psicose de Hitchcock. Teve até um caso com Maurício Bebiano, que conheci na época no salon cinématographique parisiense de Paulo Berredo Carneiro, nosso embaixador na Unesco. Não me deixam mentir as irmãs Maria Lúcia Dahl e Marília Carneiro. (E os já finados Joaquim Pedro, Paulo César Saraceni e Gustavo Dahl.)
Gloria Swanson morreu cinco anos depois da visita à Manchete, aos 84. Mas, como Norma Desmond em Sunset Boulevard – que se tornou um musical de sucesso – viverá para sempre.

3 comentários:

J.A.Barros disse...

Sempre desconfiei dessa paixão do nosso editor Muggiati por essa atriz tão famosa e de uma forte e marcante personalidade e diante de mim vi surgir no corredor da revista Manchete a própria Norma Desmond, exuberante e fascinante mulher, dominante dona absoluta do momento em que atravessava o corredor para se dirigir ao encontro do Eremita de tantos réveillons internacionais.

Rodrigo disse...

Há uns 15 anos, talvez, andando não em Copacabana mas na Prudente de Moraes, passei por um moça que achei muito parecida com a atriz Sandra Bullock. Sozinha, sem aparatos, ela sorriu pra mim. Não dei maior importância até ver, no dia seguinte, no jornal, que era aquela moça simptáca era a própria que estava hospedada no Caesar Park. Um colunista dizia que ela foi vista na Feira Hippie da General Ozório, ali perto.

Esmeraldo disse...

No capítulo Hollywood na Manchete lembro de um projeção de fotos na cabine do oitavo andar do Russell. O filme Mulher Nota 10 era lançado no Brasil, em 1979, e Bo Derek era a capa da semana. A própria, então com 22 anos, ao lado do marido, John Derek, assistia à projeção. Ela e metade da redação acotovelada na sala escura. Acho que naquele dia, o Alberto, que pilotava o projetor de slides, fez a mais demorada sessão de escolha de capa. Ninguém reclamou.