Por ROBERTO MUGGIATI
Outro da Bloch que se
foi, David Klajmic. Certa vez o David me deu um presente. Sou eternamente
grato. Foi um relógio de pulso Mondaine. Aproximou-se da grande mesa do editor,
por trás da qual eu me protegia – dez metros por dez metros, em ângulo reto – e
me entregou o estojo dizendo: “Com os agradecimentos do Egon.” Egon era o pai
do Michel Frank, envolvido até a medula na morte de Cláudia Lessin Rodrigues. O
dono dos relógios Mondaine agradecia porque tínhamos em mão um dossiê completo
do caso e não o publicamos. Os agradecimentos – e um milhão de relógios –
deveriam ser endereçados ao Oscar Bloch Sigelmann, que proibiu a redação da Manchete de publicar a matéria.
Na quarta-feira, 7 de
setembro de 1977, as bancas estariam fechadas. Tínhamos de antecipar o
lançamento da revista para terça. O fechamento da edição foi marcado para um
ensolarado domingo, 4 de setembro. Desci cedo da Serra no meu fusca com meu
sobrinho Sérgio, que tinha acabado seu casamento com a australiana Jane.
Encerrava-se toda uma temporada de fins de semana no Sítio do Sossego, em
Nogueira. Meu casamento também começava a terminar. Um fechamento de Manchete num domingo era um verdadeiro
terror. Cheguei ao prédio do Russell às dez da manhã e arregacei as mangas. Os
patrões já estavam lá, excitadíssimos – o Adolpho, o Oscar e o Jaquito, que
Adolpho denominava “a Troika”, em
alusão ao trio que reinava na União Soviética. De camisa esporte nestes dias
festivos, adrenalina a mil, eles adoravam brincar de jornalista e interferir
ostensivamente no nosso trabalho. A grande história do momento era a morte de
Claudia Lessin Rodrigues, cujo corpo fora encontrado nas rochas da Avenida
Niemeyer numa segunda-feira no final de julho. Uma dupla da revista – o
repórter Tarlis Baptista e o fotógrafo Adir Mera – voltava de um trabalho
na Barra e parou ao ver a movimentação policial. O Mera fotografou toda a
operação de resgate do corpo – a lembrança daquelas fotos em preto e branco da
nudez juvenil de Cláudia Lessin me persegue até hoje. Tarlis prosseguiu, com
seu instinto de cão farejador, atrás de todas as pistas possíveis. Tamanha persistência foi premiada. Às dez
horas da noite daquele domingo ele voltou exultante de um encontro que tivera
numa churrascaria do Meier com o detetive Jamil Warwar. Trazia em mãos o dossiê
completo do caso, ouro puro.
Oscar Bloch Sigelmann
pegou o telefone da minha mesa e ligou para Egon Frank, pai de Michel. “Olá,
Egon, temos aqui a versão completa do dossiê policial, mas não vamos publicar,
de jeito nenhum. Você pode contar conosco.” Os anúncios da Mondaine eram
importantes na receita da Bloch. Jornalismo é isso aí. A Manchete nada publicou e outra cópia do Dossiê Warwar foi entregue
de bandeja ao repórter da Veja
Valério Meinel, que ganhou o Prêmio Esso de Reportagem daquele ano com a
matéria de capa.
Oscar me odiava
cordialmente. “Muggiati, quando o Adolpho morrer, o primeiro que eu vou demitir
é você.” Bipolar, às vezes me beijava e dizia: “Você é o maior editor da Manchete de todos os tempos!” Ironia da
sorte, embora mais jovem do que seu tio Adolpho, morreu antes e só demitiu a si
mesmo. David Klajmic tinha autoridade moral sobre o Oscar. Quando o Célio Lyra
sofreu uma estafa, David intercedeu para que ele tivesse o melhor tratamento no
Samaritano. As contas do hospital VIP assustaram os Bloch. David aproveitou o
susto para convencer os patrões a fazerem uma permuta com a Golden Cross e garantiu
assim, por alguns anos, um plano de saúde para os funcionários. A última vez
que vi David foi no enterro do Célio Lyra, no São João Batista, no canto mais
distante do cemitério, quase perto do Rio Sul. Tudo com o Célio era complicado,
até a morte: o caixão não cabia na vaga junto à parede e teria de ser serrado.
Saí antes do fim. Encontrei o David sentado num banco no portão de entrada do
cemitério. Não acompanhara o enterro até aquelas lonjuras. Parecia cansado, tomado
por aquele cansaço mortal que abateu muitos de nós depois que o Império Bloch
se desmantelou.
Neste próximo 1º de
agosto a falência da Bloch Editores completa quinze anos. Quinze anos de
solidão, sofrimento, doença, morte e agruras.
Meu caro David Klajmic,
muito obrigado pelo reloginho Mondaine, que, como todo relógio popular, se
esfacelou em poucos meses. Obrigado, mais do que tudo, pela lição de jornalismo
– e de vida.
4 comentários:
Nos 25 anos que trabalhei na Manchete, uma das pessoas que me impressionou e marcou foi a personalidade de David Klajmic Diretor do Departamento de publicidade da Editora sempre foi um amigo e companheiro. Verdadeiro e franco nas suas polemicas v ai deixar um buraco imenso junto aos amigos que o cercavam. Até lá David.
"Esse cansaço mortal" é realmente devastador. Mas ficam as boas lembranças. Vida que segue...
Que bela matéria Mugg. O seu texto, com detalhes do convívio com os Bloch, e com o David Klajmic, que morreu esta semana, me fez reviver os 38 anos que tive na Empresa. Ao lado de grandes colegas, como você, verdadeiros irmãos, nos ”tapas e beijos” diários, apesar das Redações e funções diferentes . Parece que eu estava ali, vendo o “seu” Adolfo e o Jaquito falarem, enquanto o “seu” Oscar, com seu “falso sorriso” vociferava. Do tempo que estive na Bloch, a maior parte foi na Pais&Filhos, onde recebi do “seu” Oscar, o maior “esporro”, me responsabilizando, pelas ausências de alguns redatores. O Roberto Antunes, foi testemunha. Só no final, já na ELEELA, tive o prazer de conviver com você Mugg., um grande aprendizado, um grande diretor. As revistas da “segundona” , como as nossas, tinham pouco contato com a publicidade e com o David. Mas sempre havia tempo para falarmos de algum novo projeto em tom descontraído. Até qualquer dia David. Descanse em paz!
Bom amigo e um grande parceiro nos anos loucos da Fatos & Fotos. Às vezes, surgiam nas reuniões de pauta projetos sem aviso prévio do tipo de cadernos especiais de Jeans, Verão, Turismo etc e David era sempre convocado para correr atrás de anunciantes, geralmente pra ontem. Reclamava, com razão, mas saía em campo. Há poucos meses, em função da edição de uma pequena revista institucional, reencontrei-o. Almoçamos em um restaurante no centro da cidade, em companhia de Juvenil Siqueira, o resistente produtor gráfico da ex Bloch, perto do Sindicato dos Publicitários, seu local de trabalho. Nos últimos meses, ficamos em contato por email em função dos vários números da revista. E chegamos a esboçar um projeto de uma edição especial sobre Rio 450+Carnaval+Rio Olímpico. Tivemos que preparar algumas páginas-piloto e uma das duplas era do Maracanã, o que nos fez relembrar uma das "tradições" da Manchete: o "bonde', na verdade uma das Rural Willys da empresa, que levava a turma à tribuna da imprensa do estádio em noite de jogo. O famoso "bonde" era comandado pelo Tarlis, que ditava ao motorista até a melhor rota, às vezes nem tanto, para evitar o trânsito, o que gerava animadas discussões até a chegada ao portão 18 do Maraca. O projeto Rio 450 deu em nada, abatido pela crise, mas valeu pelos bate-papos retomados nessas breves reuniões. Descanse em paz, David.
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