quarta-feira, 6 de maio de 2020

Sérgio Ricardo, estou contigo. Contra a intolerância, vamos quebrar todos os violões do mundo! • Por Roberto Muggiati

Vejam só, meu bom amigo, Sérgio Ricardo, grande violonista, compositor, escritor, artista plástico e gráfico, cineasta, 88 anos no próximo 18 de junho, passou por maus pedaços mas já está dando a volta por cima. Lembro-me do nosso último encontro, quando escrevi um perfil dele no “Gente e Histórias” da revista Contigo em dezembro de 2010, reproduzido aqui.

Sérgio Ricardo teve seu momento maior num protesto indignado contra a intolerância agressiva da plateia do Festival de MPB da Record de 1967 em São Paulo. O sucesso destes festivais – e todo o subproduto deles em fama e fortuna – criou um formato padrão de “música de festival” – cito alguns exemplos, Apareceu a Margarida, Arrastão, Ponteio, nada contra – mas Sérgio Ricardo queria transmitir um pouco mais de massa crítica nessa história, compôs uma música chamada Beto bom de bola, uma crítica à manipulação dos craques de futebol.

Impedido de dar o seu recado, pelo ruído das vaias, Sérgio Ricardo quebrou o violão contra uma caixa de som e o jogou à plateia. Isso aconteceu na noite da finalíssima, em 21 de outubro de 1967. Doze dias antes, na selva da Bolívia, morria Che Guevara. No dia seguinte à explosão de Sérgio Ricardo, o jornal Notícias Populares, mestre das manchetes de duplo sentido, estampava na primeira página em letras garrafais: VIOLADA EM PLENO AUDITÓRIO.   Vejam o vídeo: https://musicaemprosa.wordpress.com/2019/01/16/beto-bom-de-bola-vaias-e-violao-quebrado-no-festival-da-record-1967/

Epílogo

O tempo, em desabalada carreira a partir daí, provou que Sérgio Ricardo tinha razão. O choque ideológico concentrou-se nos festivais em 1968, na tumultuada apresentação de Caetano Veloso em São Paulo com o polêmico E proibido proibir, seguido de vaias e discurso puxado a Fernando Pessoa e, logo depois, no duelo final no Maracanãzinho entre Sabiá e Caminhando (Pra não dizer que não falei de flores), de Geraldo Vandré. Não foi o pronunciamento ingênuo do deputado Márcio Moreira Alves no Congresso Nacional em Brasília, concitando as moças de Agulhas Negras a não dançarem com os cadetes da Academia Militar no baile do Sete de Setembro, que causou a decretação do AI-5, mas sim a adesão popular à música de Vandré, que era uma clara conclamação à luta armada contra a ditadura militar: “Vem, vamos embora que esperar não é saber./Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.”
Vocês que nem eram nascidos na época vejam e julguem por estas imagens da apresentação de Vandré no Maracanãzinho
https://www.youtube.com/watch?v=wkEGNgib2Yw

Como disse então sabiamente Geraldo Vandré, “a vida não se resume em festivais.” Da Viola enluarada dos irmãos Valle e do violão quebrado de Sérgio Ricardo, se passaram 53 anos, iniciados pela guerra sangrenta dos Anos de Chumbo. Apesar da ilusória volta à democracia em 1985, o brasileiro – mesmo nesta hora em que se vê confrontado com a morte na trágica pandemia do coronavírus, continua intolerante. Por isso mesmo, invoco criaturas destemidas como Sérgio Ricardo para quebrarmos todos os violões do mundo contra a intransigência e para resistirmos à ignorância e seguirmos em frente, movidos pelas poucas certezas que uma vida ética e solidária sempre nos forneceu.



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Marcelo Migliaccio: carta ao pai

O jornalista Marcelo Migliaccio publicou no Facebook um texto comovente sobre a morte do pai, Flávio Migliaccio. 

"Ele agora é para nós uma imensa saudade e lembranças maravilhosas", escreveu. 

Para Marcelo Migliaccio, que  trabalhou na Manchete, na segunda metade do anos 1990, onde fez muitos amigos, o nosso abraço.

Foto; Reprodução Facebook



Reprodução Facebook

FLÁVIO MIGLIACCIO (1934-2020): A PRIMEIRA VEZ 
NA  MANCHETE

Reprodução Manchete 
A Manchete documentou desde 1960 muitos passos da Flávio Migliaccio, no teatro, no cinema e na TV. 
A reprodução acima é o primeiro registro da carreira do ator, diretor, dramaturgo e roteirista publicado na revista. Em 1960, depois de uma temporada de quatro meses de sucesso em São Paulo, a peça "Chapetuba Futebol Clube", de Oduvaldo Viana Filho, direção de Augusto Boal, chegava ao Rio de Janeiro, com Flávio Migliaccio no elenco, ao lado de nomes como Nelson Xavier, Milton Gonçalves, Francisco de Assis, José Renato.  Uma escalada que o levou a um lugar de destaque na cultura brasileira e no coração de milhares de fãs, muitos do quais têm na memória o Xerife, de Shazam & Xerife, o seriado que embalou muitas infâncias. 

Flávio Migliaccio: a jornalista Cynara Menezes escreve sobre a despedida do ator: "um protesto, um apelo, uma súplica'



LEIA NO SITE "SOCIALISTA MORENA", AQUI

terça-feira, 5 de maio de 2020

Mídia: as estantes de livros brilham na TV, nas redes sociais, nas lives e nas chamadas de vídeo e viram meme


por Ed Sá
Com tantos apresentadores em quarentena, estantes de livros viraram protagonistas no fundo dos ambientes domésticos improvisados em estúdios. Não apenas no Brasil e não somente jornalistas. Como aumentou a comunicação através de aplicativos de chamadas de vídeo, muita gente capricha na cenografia intelectual ao conversar com amigos e parentes.

De tanto ver bibliotecas na TV, o  ilustrador espanhol Eduardo Berazaluce fez uma brincadeira que viralizou na internet. Ele criou um painel de papelão que simula uma estante - "perfeita para atores, comediantes e jornalistas" -  e divulgou no twitter, como se estivesse à venda. Apesar do preço irreal, a meme recebeu pedidos de compra. A matéria está no El Pais. Veja AQUI


Pegando carona no home office

A propósito, em duas dessas transmissões caseiras, no Brasil, a lombada do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", do qual este blog é uma expansão on line, aparece discretamente em duas estantes de prestígio: no canal do twitter do jornalista Maurício Stycer (UOL) e na CNN Brasil durante comentário de Fernando Molica, que trabalhou na Manchete nos anos 1980. As imagens originais são mais nítidas, mas ficam aí abaixo os registros que muito honram a obra lançada em 2008 e que foi uma modesta iniciativa deste paniscumovum.





Do janelaço ao panelaço • Por Roberto Muggiati


Quase meio século passou de uma das cenas mais fortes do cinema, expressando a indignação social, ao momento de hoje. Em Network/Rede de intrigas (1976), de Sidney Lumet, o apresentador de TV interpretado por Peter Finch, num surto de raiva, convoca a população para ir às janelas berrar a plenos pulmões em protesto, o que acontece nas principais cidades americanas. O filme rendeu Oscars para as atrizes Faye Dunawaye e Beatrice Straight, para o roteirista Paddy Chayefsky e para o ator Peter Finch – que jogou toda sua vida no papel e ganhou o prêmio postumamente. Rede de intrigas mostra, uma vez mais, como a arte muitas vezes antecipa a realidade.
Confira nestas imagens, AQUI

segunda-feira, 4 de maio de 2020

A escalada do terror

Na primeira página do Estadão, o registro da agressão da milícia bolsonarista contra o fotógrafo Dida Sampaio.

Desde a campanha eleitoral de 2018, a seita bolsonariana promoveu a violência sob a leniência das autoridades. Já aconteceram ameaças de morte, agressões morais e físicas e atentados a tiros e a bombas. Alguém foi responsabilizado? Não. À medida em que as milícias vão testando a lei e nada acontece claro que dá-se a escalada terrorista. A mídia já noticia ofertas de treinamento militar para manifestantes da ultra direita. A revista Época revela hoje evidências do aliciamento de militares de baixa patente e de PMs. Recentemente, a propósito da abertura de investigações contra Bolsonaro, Roberto Jefferson, novo homem forte na busca de apoio político por parte do Planalto, ameaçou com resistência armada a qualquer tentativa, seja do Congresso, do STF ou de quem mais aparecer contra o atual governo.  Por tudo isso, não surpreende que a seita parta para agressões a jornalistas nas  manifestações contra a democracia e nas carretas da morte pelo fim do isolamento social realizadas nos últimos dias. Estão à vontade para fazer isso até mesmo diante do "grande condutor" caboclo, tal qual aconteceu na mais recente demonstração golpista da ultra direita em frente ao Planalto.

Aldir Blanc: o Brasil perde o carioca essencial

Aldir Blanc e João Bosco, 1976. Foto Frederico Mendes/Manchete/Reprodução

Eram tempos de telex, No Natal de 1977, as máquinas dispararam um informe das agências: morria na Suíça Charles Chaplin. Tocado pela notícia, João Bosco compôs nos dias seguintes uma música em homenagem ao ator e diretor e à sua eterna criação, o vagabundo Carlitos.

Bosco pediu a Aldir Blanc que fizesse a letra do samba.

Naquele momento, o Brasil iniciava, ainda timidamente, um movimento que pedia a volta dos exilados pelo regime militar. A onda ganharia força em 1978. Os arquivos do Jornal da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) guardam um depoimento onde Aldir revelou como a letra que fez celebrou o personagem chapliniano, relacionando-o à luta política. A ideia surgiu após um encontro com o cartunista Henfil e o músico Chico Mário, que comentaram a situação do irmão, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, no exílio desde 1971. Foi assim que o "O Bêbado e a Equilibrista", tornou-se o hino da anistia, enfim aprovada em agosto de 1979.
o compositor e escritor fez da sua arte a crônica do Rio. Foi a personificação do carioca.

Aldir Blanc faleceu hoje, vítima de complicações decorrentes da Covid-19. Fará muita falta. Parte no momento em que a democracia está ameaçada pela sombra do autoritarismo e por mais um golpe patrocinado pela ultra direita.

"A esperança/ Dança na corda bamba de sombrinha/E em cada passo dessa linha/Pode se machucar", cantou Elis Regina ao dar voz à bela mensagem de João Bosco e Aldir Blanc. 
OUÇA "O BÊBADO E A EQUILIBRISTA" AQUI

Trinta e cinco anos sem Narceu • Por Roberto Muggiati

Domingo, cinco de julho de 1964: Muggiati, Sabino e Narceu na Catedral de Rouen, voltando para Londres
de uma visita a Vinícius de Moraes em Paris. Foto: Arquivo Pessoal 

Sexta-feira, 3 de maio de 1985. Chego cedo à redação, ainda vazia, vai ser um dia morno, poucas matérias serão fechadas, o maior número de páginas fica para o sufoco do fechamento final da revista na segunda-feira. Minutos depois chega o Alberto (de Carvalho), a redação está na penumbra, poucas luzes foram acesas. Numa voz soturna, para dentro, diz: “Nasceu, morreu.” Perturbado, sem querer entender o que ouvi, protesto: “Pô, Alberto! Quem nasceu e morreu?” Alberto não queria também dar a notícia, coitado. Mas disse, firme e pausadamente: “Muggiati, o Narceu morreu esta madrugada.”

De infarto, aos 52 anos.

Narceu de Almeida Filho: minha história com ele começa 22 anos antes, em Londres, 1963, na BBC. Jornalista conhece um mundo de gente, mas nunca tem tempo e oportunidade para fazer amigos. Narceu foi um dos meus maiores amigos, contados na ponta dos dedos de uma mão. Como Programme Assistant do Serviço Brasileiro da BBC, além de traduzir, escrever e ler textos das transmissões para o Brasil, eu contratava matérias dos raros free lancers que apareciam por lá. (Para se ter uma ideia, nas eleições de 1962 compareceram ao consulado do Brasil em Londres pouco mais de 60 eleitores, era o número de nossa diminuta colônia na capital britânica então. Nada a ver com o contingente de brasileiros da Swinging London de 1966 e menos ainda com a patuleia de jovens que acorreu em massa à London London de Caetano e Gil no início dos anos 70).

Lembro a colaboração inicial do Narceu, foi uma brilhante resenha do filme estreado naquele ano de 1963, Tom Jones – tanto o filme como o diretor, Tony Richardson, ganharam o Oscar.
Narceu tinha 30 anos, eu 25. Independente, ele tinha um carro, daqueles primeiros modelos compactos britânicos – um Morris Mini Minor. Frequentávamos o clube de jazz Ronnie Scott’s, ainda em seu endereço original no 39 da Gerrard Street, no Soho, uma arapuca à qual você descia  por uma escada estreita num ângulo quase de 90 graus, sem janelas, um incêndio ali e em poucos minutos virávamos cinzas. Mas milagres aconteciam, principalmente em Londres, como reza a letra de Ira Gershwin em A Foggy Day, “The age of miracles hadn’t passed...” O próprio Ronnie Scott – uma mistura redundante de judeu e escocês – cuidava da casa, dos ingressos (você pagava uma libra anual e se tornava sócio do “clube”) à cozinha, da apresentação dos shows, com seu humor esperto, à própria participação como músico, tocava um sax tenor profissional e honesto. O consumo etílico na Inglaterra era subordinado a um emaranhado de leis (na maioria de fundo moralista), depois da meia-noite, para beber, você tinha de encomendar alguma comida. Lá pelas duas da madrugada você saía com uma meia dúzia de Scotches na cabeça e deixava sobre a mesa pilhas de hambúrgueres e sanduiches intocados. Numa daquelas noites, ao sair, não vimos nenhum traço do nosso Mini Minor. O carrinho tinha sido rebocado por estacionamento ilegal. Até nessas coisas os ingleses são organizados, havia uma placa no local indicando onde resgatar o veículo, Sem problemas, uma hora depois estávamos rodando de novo pelas ruas desertas de Londres. Eu morava em Chelsea, à beira do Tâmisa; o Narceu num lugar de nome poético, mais para o norte, Swiss Cottage.
A mobilidade do carro nos permitia outros programas culturais. Num sábado de agosto fomos ao Festival de Teatro de Chichester ver uma versão do Tio Vânia dirigida e interpretada por Sir Laurence Olivier, com sua mulher Joan Plowright e Sir Michael Redgrave no papel de Tio Vânia.

Nessa época eu estava encalacrado (a palavra obsoleta diz tudo) num caso amoroso sem futuro, mas com um presente intenso. A jovem em questão era casada com um diplomata da nossa embaixada. Eu a visitava uma vez por semana, nas tardes de segunda ou terça, meus dias de folga na BBC, por trabalhar nas transmissões diretas da meia-noite à uma da manhã aos sábados e domingos. Tínhamos tudo a ver, ela morava em Chelsea, perto de mim, os filhinhos – um menino, uma menina – dormiam no andar de cima, na sala de estar tomávamos chá e discutíamos Proust, ou o que fosse – é sempre Proust nestas horas – uma madeleine e nada mais, para minha imensa frustração. Às vezes, lá pelas seis horas, o marido chegava cansado do trabalho, me cumprimentava cordialmente e subia para o quarto. Tudo muito civilizado, very British... O sapiente e paciente Narceu não só ouvia as lamúrias do pierrô apaixonado como, de certa forma, participava indiretamente daquela louca aventura amorosa.

Em 1964 entra em cena Fernando Sabino, nomeado adido cultural do Brasil em Londres poucos meses antes do golpe militar. Em carta de 13 de abril de 1964 a Otto Lara Resende, Sabino escreve: “O meu amigo aqui se chama Narceu de Almeida (também não é mineiro, mas parece) – um jornalista daí que trabalhou no Estado de S. Paulo, passou pela Thompson, etc e veio dar com os costados em Londres, Ótimo sujeito, escritor, 30 anos, goiano, excelente companheiro.” (Cartas na mesa, Record, 2002). Baterista amador e grande aficionado de jazz, Sabino passou a nos acompanhar nos programas noturnos – Londres era passagem obrigatória dos maiores músicos, lembro-me de ter ouvido com Sabino e Narceu os tenores de Stan Getz e Sonny Rollins, o piano de Bill Evans. Na manhã de quarta-feira, 1º de julho de 1964, na Mini Minor do Narceu, pegamos a estrada rumo a Paris, Sabino ia visitar Vinícius de Moraes, que trabalhava no consulado. Narceu e eu desfrutamos também da companhia do poetinha e de seus parceiros da hora, Baden Powell e a bela Odete Lara, com quem Vinicius gravou um LP fabuloso para a Elenco: doze composições de Baden e Vinícius com arranjo e regência de Moacir Santos e produção de Aloysio de Oliveira,

Sábado de Aleluia, 17 de abril de 1965, em Cambridge. Narceu entre Lina Muggiati e Celina Luz. Foto; Arquivo Pessoal

Essa viagem, mal sabia eu, seria responsável por meu primeiro casamento. Conheci Lina, casada com um dos maiores doleiros do Rio, Daniel Tolipan, e amante de um arquiteto francês, Jerôme. Francês tem amante, mas não larga a família jamais de la vie. Dentro de seis meses Lina estaria morando comigo em Londres – uma tremenda responsabilidade substituir marido e amante. Narceu e eu nos afastamos por um período, ele havia iniciado, via Sabino, negociações com Adolpho Bloch para assumir a chefia do principal escritório europeu da Manchete, a cidade escolhida foi Paris por ter voo direto para o Rio. Antes disso, o Narceu teve uma estranha incumbência. Ia com seu carrinho a Aylesbury, onde o jornalista Assis Chateaubriand, ex-embaixador do Brasil na Inglaterra, estava internado num centro neurológico desde que sofrera uma trombose em 1960. Embora paraplégico, Chatô conseguia, com a ajuda de fiações amarradas aos dedos, como aquelas de marionetes, teclar a sua máquina de escrever, a fim de mandar o artigo diário para seus jornais. Narceu pegava aquelas páginas empasteladas, fazia o devido “copidespe” (como dizia o Adolpho) e despachava o artigo limpo para o Brasil. Fazia todo dia a viagem de 60 quilômetros a Aylesbury – 120 km ida-e-volta.

Na Páscoa de 1965, Narceu nos visitou no apartamento de Embankment Gardens com a Celina Luz, um jornalista curitibana velha amiga, filha de pastor que lia Henry Miller às escondidas. No carrinho do Narceu, Celina, Lina e eu visitamos Cambridge no dia 17 de abril, sábado de Aleluia. E eu não conhecia a Universidade de Cambridge – minha alma mater via Cultura Inglesa – excepcionalmente nevou naquele dia. Pouco depois, Lina começou a mostrar a que viera. Me fez desfazer a prorrogação de contrato por dois anos que tinha assinado com a BBC. Invariavelmente, quem continuava lá, continuava para sempre. Hoje eu seria um plácido pensionista do Brexit, em vez de suportar as agruras de aposentado do INSS por aqui, jornalista com 66 anos de carreira sem trabalho. Mas Lina ambicionava, no mínimo, ser embaixatriz, e decidiu que eu voltaria para tentar o Itamaraty. É um exame que não se faz em cima da hora. Fiz e não passei. Tínhamos alugado a casa-ateliê do pintor Loio Pérsio em Santa Teresa, fomos expulsos por uma praga de camundongos e tivemos de nos refugiar no pequeno apartamento do sogro no Leblon. Foi quando reencontrei o Narceu, que viera ao Rio por conta do I Festival Internacional de Cinema, comemorando os 400 anos da cidade.

Honor Blackman no Baile das Celebridades, em 1965, no Rio. A atriz participava do
festival internacional de cinema que homenageou o 4° Centenário da Cidade Maravilhosa.
Foto Manchete/Reprodução

E no filme Goldfinger contracenando com Sean Connery. Foto: Divulgação

Narceu de Almeida teve um caso com Honor Blackman. Ele entrevistou a atriz
para a Manchete. No texto uma revelação: a bondgirl adiou a volta a Londres
por três semanas para "conhecer melhor o Rio". 

Um pouco sobre a personalidade do meu amigo goiano-mineiro. O Narceu tinha uma enorme dificuldade de falar. Às vezes abria a boca e não saía nada. Nem a leitura labial ajudava, seus lábios quase não se mexiam. Pois não é que no voo de Londres para o Rio o Narceu veio sentado ao lado da exuberante Honor Blackman? Faixa preta de caratê, a moça brilhava no terceiro filme da série, 007 contra Goldfinger, fazendo a Bond Girl com o sugestivo nome de Pussy Galore – algo como Xota a Granel...  Ninguém sabe o que se passou na meia-luz da travessia transatlântica, o fato é que a Honor Blackman desceu as escadas no Galeão com um namorado brasileiro a tiracolo – nosso bom Narceu. Podem imaginar o frisson que atacou os bravos rapazes da imprensa? No ano anterior tivemos de recorrer a um playboy marroquino metido a brasileiro, Bob Zagoury, para conquistar Brigitte Bardot em Búzios...

Terminado o festival, o Narceu, posto em sossego, me procurou. Depois da reprovação no Itamaraty, fui recomendado para o Rogério Marinho no Globo, que me encaminhou ao chefe de reportagem Alves Pinheiro, que me botou imediatamente a trabalhar. Fui ao Hotel Glória cobrir um congresso internacional da Interpol. O transporte do Globo era complicado, tinha de telefonar de um orelhão para uma central de rádio, enfim esperei mais de uma hora pelo carro que me levou à redação da Rua Irineu Marinho que, desde o começo, me pareceu sinistra e cheia de bad vibes... Bati a matéria na máquina – como dizia um coleguinha nosso, para ele escrever não passava de uma atividade física – botei o texto na mesa do Alves Pinheiro, eu tinha ido fazer uma boquinha na lanchonete da esquina, e nunca mais voltei a pisar na redação de O Globo. Narceu caiu do céu. Lina e eu o recebemos com uma garrafa de bom Scotch no apartamento da Rita Ludolf, em cima da farmácia Piauí – os sogros estavam na casa da ilha de Paquetá. Narceu me animou a procurar a Manchete. “Você vai encontrar o Ricardo Gontijo e o Zuenir.” Ricardo era irmão do Antônio Fernando, meu colega de BBC que morreu afogado em Málaga. Zuenir Ventura fora meu colega de bolsa no Centre de Formation des Journalistes em Paris, em 1960.

O quadro de Harry Elsas no restaurante da Frei Caneca:
dramaticidade expressionista inibia apetites. 
Dois ou três dias depois adentrei o prédio de Frei Caneca, você tinha de caminhar meio quilômetro entre máquinas sucateadas até um elevador de carga que servia o prédio de oito andares nos fundos, onde ficavam as redações, a administração e o restaurante. No oitavo andar, o restaurante tinha uma peculiaridade: uma parede enorme coberta por um mural do Harry Elsas, um pintor do século 20 que se imaginava Hyeronymus Bosch, o que estava longe de ser. A comida de Frei Caneca era ótima, sempre teve a fama de ser melhor do que a do Russell, mas o painel do Harry Elsas era um grande inibidor do apetite.

As coisas aconteciam rápido demais na Bloch, Zuenir não estava mais lá, tinha brigado com o Adolpho e se mandado. Também rapidamente o Jaquito e o Arnaldo Niskier foram com a minha cara. “Veio da BBC? Que bacana! Pode começar depois do feriado como repórter especial?” Dito e feito. O 15 de novembro caiu na segunda, terça-feira eu estava lá para iniciar o que jamais imaginaria seriam 35 anos de Manchete, um bom pedaço – o melhor talvez – da minha vida.

Terça-feira, 17 de dezembro de 1972: na redação da Manchete,  Narceu, 39 anos, com o jovem Ruy Castro, 24 anos.
Foto: Arquivo Pessoal

Narceu chefiava a sucursal de Paris com seu fiel escudeiro, o fotógrafo Alécio de Andrade, mestre da Leica que entraria para o seleto clube da Magnum. Eram os anos da contracultura, a Revolução Cultural anteciparia Maio de 68. Para Adolpho Bloch Paris era luxo puro, adorava ser recebido com tapete vermelho nos melhores restaurantes, segundo o Protocolo Sylvio Silveira que seria consagrado a seguir. Horas antes de Adolpho embarcar para o Rio, Sylvio o levava à melhor casa de queijos de Paris e forrava bolsas térmicas de queijos de todas as variedades, Adolpho voltava direto do aeroporto para a Manchete, convocava seus favoritos e fazia a distribuição. Além de queijos, eu recebia patês e às vezes um potinho de caviar. Não fazia parte do figurino do Adolpho e da Lucy (Lucy Mendes foi Miss Rio Grande) encarar o Narceu e o Alécio num bistrô enfumaçado da rive gauche com duas garotas punk de boina coroada pela estrela vermelha. Adolpho ficou com aquilo atravessado na garganta. Um dia, encontrou o pretexto que procurava, na mesa de edição do Justino: fotos da namorada do Narceu seminua distribuídas por uma agência internacional. Já com a decisão tomada, Adolpho convocou o Sabino e a mim – nunca me dirigira a palavra até então – para sermos seus avalistas. “Essa mulher está desgraçando a vida do Narceu! Ele precisa voltar para o Brasil já, senão estará perdido.” Almoçando com Adolpho no restaurante de Frei Caneca, sob os olhares sorumbáticos dos judeus do Harry Elsas, nada tínhamos a dizer, Sabino e eu. Nosso silêncio estupefato selou o destino do Narceu. Logo depois ele voltava ao Rio para trabalhar como redator da Manchete.

Um corte rápido para 1970. Editor de EleEla, Carlos Heitor incumbiu a repórter Ana Maria de Abreu de entrevistar jornalistas conhecidos sobre seu filme de amor preferido. Ana Maria procurou o Narceu. Sua love story favorita só podia ser, como ele, romântica e trágica: Acossado/À bout de souffle, de Godard, em que a mocinha (na verdade bandida) entrega à polícia o bandido (na verdade mocinho), que morre com uma bala nas costas. Da entrevista ao casamento, Narceu e Ana Maria viveram felizes quinze anos (com três filhos) até a morte prematura dele.

Depois do AI-5, que proibiu qualquer expressão política, intelectuais e jornalistas que faziam a resistência contra a ditadura militar optaram pelo discurso cultural, Ou melhor, contracultural. Do meu panfletário Mao e a China de 1968, parti para o Rock: o grito e o mito/A música pop como forma de comunicação e contracultura, em 1973. Narceu entrou na onda de maneira mais radical. Amigo dos jornalistas Luiz Carlos Maciel e Luiz Carlos Cabral, que também trabalhavam na Bloch, acabou partindo com eles – e a musa de ambos, a atriz Maria Claudia, casada com Maciel – para uma temporada de vida alternativa na Região dos Lagos. Jaquito, em suas rondas pelas redações, costumava zoar: “O Narceu está jogando pingue-pongue contra o vento!” Quando Narceu voltou para garantir o leite das crianças – iniciara o alfabeto, teve os filhos André e Bruno e Ana Maria estava grávida do César quando ele morreu – Jaquito o colocou punitivamente no regime de frila. “Agora ele está correndo atrás, o Capelinha. Cobra como uma corrida do táxi, de preferência em bandeira 2...” Não faltava humor ao Jaquito, afinal ele cresceu entre os Karamabloch e as víboras das redações. Capelinha era a marca dos taxímetros da época.

Narceu tinha uma qualidade que nem todo jornalista, por mais brilhante e intelectualmente equipado, era capaz de ter: sabia fazer amigos. Assim, ele publicou em O Globo a última entrevista de Vinicius de Moraes e, no EleEla, uma entrevista histórica com Os Quatro Mineiros do Apocalipse: Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.

Na madrugada da sexta-feira, 3 de maio, Ana Maria ligou aflita para o Irineu Guimarães. Ele e o Cícero Sandroni, que morava perto, no Cosme Velho, acorreram (Narceu morava nas proximidades da estação do trenzinho do Corcovado), mas o amigo já tinha morrido de infarto. Partiu silencioso, discreto como sempre. Numa atmosfera que me recorda a de um dos mais belos poemas do século 20, de Dylan Thomas, ele mesmo morto muito cedo, aos 39 anos. Com a palavra Dylan Thomas e o grande tradutor, Ivan Junqueira

NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA COM DOÇURA

                    Dylan Thomas • Tradução: Ivan Junqueira

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva
                                               [ lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha
                                               [ esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela
                                               [ alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde
                                               [ baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea
                                               [ altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua
                                               [ travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os
                                              [ transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se
                                              [ alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula
                                              [ obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima
                                              [ bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.


DO NOT GO GENTLE INTO
THAT GOOD NIGHT

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

PS – Opções no YouTube: o poema recitado pelo autor, Dylan Thomas, ou pelos atores Anthony Hopkins ou Richard Burton. Recomendo o Burton.

domingo, 3 de maio de 2020

Jam session recorda canção da Segunda Guerra que ecoa mensagem de esperança em dias de isolamento


Em 30 de abril foi comemorado mais um Dia Internacional do Jazz. Dessa vez, em uma pegada diferente, o mundo se uniu virtualmente para relembrar uma canção histórica, que pediu a volta da paz em plena Segunda Guerra Guerra, e agora soou alusiva à tragédia global do coronavírus.

Sete países se uniram em uma jam session que simboliza a resistência e responde com arte à terrível ameaça. Os Airmen of Note da Banda da Força Aérea dos EUA lideraram a sessão, em colaboração única com músicos militares de todo o mundo. A música "Eu vou ver você", em tradução livre, é uma mensagem de esperança para aqueles que estão no isolamento, às vezes distantes das famílias e dos amigos.

“I’ll Be Seeing You”, no título original, foi gravada por Billie Holliday e tornou-se muito popular durante a Segunda Guerra Mundial tanto para quem estava nos cenários da batalha quanto para quem vivia a saudade nos países de origem dos soldados.

Participaram da jam session cantores e músicos da Austrália, Brasil, Finlândia, Alemanha, Japão e Reino Unido. O Brasil foi representado por um integrante da Banda de Música do 10° Batalhão de Infantaria Leve Montanha

Há 75 anos, as bombas afastaram as pessoas, hoje um vírus as isola. A música, mais uma vez, ecoa a esperança de reunião.

Assista à jam session AQUI

"Eu Vou Ver Você (I'll Be Seeing You)

Eu vou vervocê
Em todas os lugares familiares
Que este meu coração abraça
Através dos dias

Neste pequeno café
O parque ao longo do caminho
O carrossel das crianças
Os castanheiros
O poço do desejo

Eu vou ver você
Em cada adorável dia de verão
Em tudo o que é brilhante e colorido
Eu vou sempre pensar em você daquele modo

Eu vou encontrar você
Na manhã de sol
E quando a noite for nova
Eu vou estar olhando para a lua
Mas eu vou estar vendo você

Eu vou ver você
Em cada adorável dia de verão
Em tudo que é brilhante e colorido
Eu vou sempre pensar em você daquele modo

Eu vou encontrar você
Na manhã sol
E quando a noite for nova
Eu vou olhar para a lua

Mas eu vou ver você

sábado, 2 de maio de 2020

Os novos heróis de Tina Turner

por J.A.Barros

Sempre que abro a página do Facebook me aparece uma pergunta: "O que está pensando, João"? Dessa vez, fui levado a me lembrar de uma fantástica cantora norte–americana, Tina Turner, que em uma de suas músicas canta que o mundo está precisando de novos heróis. Pois aí estão, Tina Turner, os seus novos heróis, que são os médicos, enfermeiras e enfermeiros, auxiliares de enfermagem, padioleiros, motoristas de ambulâncias, prestadores de serviços, que num trabalho incessante passaram a dedicar suas próprias vidas a salvar a vida daquelas vítimas que lutam,  contagiadas, contra esse novo coronavírus, se debatendo nas camas de UTIs de hospitais de campanha, de hospitais tradicionais, de clínicas privadas, lutando contra esse vírus que contagia o mundo com a sua baba venenosa,

Desafiando esse novo flagelo, esses novos heróis e valentes profissionais da Saúde sacrificam suas próprias vidas como guerreiros que se tornaram, abatidos alguns, nesse novo campo de batalha, por contato direto com a morte,. Em um desses dias, esses heróis desconhecidos e ignorados sentiram bater seus corações chorarem de alegria e com palmas saudaram a passagem de uma senhora de 101 anos que, na cadeira de rodas, com alta do mal que a  tinha jogado numa cama,  sem esperanças de sobreviver, passava por aquele corredor entre esses heróis que a fizeram reviver para a vida. Aí estão, Tina Turner, os seus reclamados novos heróis que numa luta tenaz contra a morte conseguem salvar vidas humanas condenadas ao frio eterno por este vírus assassino que, atualmente, flagela a humanidade.

Vazou a fábula!

por O. V. Pochê

Houve um dirigente que governou por quatro anos, tornou-e conhecido por ser maldoso, cruel mesmo, e pervertido. Não admitia concorrência, costumava demitir quem tentasse ofuscar seu "brilho". Gostava que o povo o chamasse de deus ou mito. O coro da patuleia - "mito", "mito", "mito" - à saída do Palácio Tiberiano animava suas manhãs. Sua administração quase arruinou a economia. Empreendeu reformas públicas que resultaram em esvaziamento do tesouro. Para sair do sufoco pediu dinheiro ao povo, uma espécia de "rachadinha" de parte dos proventos.

Seu governo foi curto, mostrou-se demente ao pedir ao exército que interrompesse uma ofensiva para recolher conchas na praia: queria enfeitar o palácio. O Senado achou prudente conspirar contra ele.

Chamava-se Caio Júlio César Augusto Germânico, vulgo Calígula. A razão do apelido? Ele tinha fascinação por tudo que fosse militar. Quando não tinha nada para fazer ia bater perna no quarteis.

Jamais entrou em combate, covardia era seu nome do meio, mas gostava de usar cáligas, um tipo de chinelinho que as legiões calçavam no verão. Era motivo de piada quando passava tropas em revista, elevando os calcanhares, quase sentindo-se um general.

Que coisa essa tal de História!

Trívia: quem diria, repórter da Manchete inspirou filme...

Reprodução Manchete, 1957.


Só dá ele na capa: o vírus do ano




Economia: Paul Krugman assombra Brasília

O Brasil já havia construído uma tempestade política e econômica perfeita com o sociopata Bolsonaro no Planalto e o corretor Paulo Guedes na Economia. A chegada da Covid-19 e o modo desvairado com que o governo federal trata a pandemia é o excremento lançado sobre a diarreia. Nem a tragédia sanitária, com milhares de mortes, será capaz levar a dupla a rever suas ideias fundamentalistas que no pós-coronavírus serão mais ultrapassadas ainda. Ouvirão falar de uma coisa que desconhecem: melhor distribuição de renda como gatilho de desenvolvimento.

El País Internacional publica uma matéria ("La economía se hunde, la Bolsa sube: ¿qué está pasando") que mostra bem, por tabela, como é obsoleto o curralzinho ideológico e financeiro onde os dois pastam. Antes de refletir sobre a atual crise global impulsionada pelo vírus e diante da oscilação lucrativa do mercado financeiro em alguns centros - que consegue subir, mesmo com a perspectiva de quedas recordes no PIB mundial - o site cita frase de Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008, que ilustra bem o comportamento do mercado de ações, nesse momento, nos Estados Unidos, em meio à paralisação.

"Três regras devem ser lembradas. A primeira, que o mercado de ações não é a economia. A segunda, que o mercado de ações não é a economia. E a terceira, que o mercado de ações não é a economia. Não preste atenção ao Dow Jones, concentre-se nos postos de trabalho que estão desaparecendo". 

A frase de Krugman pontua uma terrível contradição: Wall Street tem dias felizes no momento em que há 30 milhões de desempregados nos Estados Unidos.

Bolsonaro não faz a menor ideia de quem é Krugman, deve achar que marca de cereal matinal, passa batido quando ouve uma frase dessas. Guedes, um chicago boy que foi intelectualmente molestado por Milton Friedman, o pai do neoliberalismo, deve odiar Krugman com todas as forças. Outro dia, ameaçou pedir demissão, quis ir embora do playground e levar a bola pra casa, apenas porque o ministro da Casa Civil, Braga Neto, coordenou um esboço de um suposto e futuro programa de gastos públicos para impulsionar a economia pós-coronavírus.

O economista americano Krugman critica as políticas de austeridade, constata que no atual quadro a poupança não se torna investimento e só o investimento público permitirá a recuperação dos empregos.

Se alguém ousar levar um conceito desses ao Ministério da Economia, Guedes, o ministro que no ano passado passou uma guilhotina impiedosa nas verbas da Saúde e do SUS em especial, se revolta, entra em modo tresloucado, pode até atear fogo às vestes, às pantufas, e correr pelado  na Praça dos Três Poderes.

No Charlie Hebdo: Covid 2, nova temporada...

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Na capa da IstoÉ: o Coisa Ruim

As teclas do Edgar nunca dormiam... • Por Roberto Muggiati


Em outubro de 1960, Zuenir Ventura e eu chegamos a Paris para estudar um ano letivo no Centre de Formation des Journalistes, como bolsistas do governo francês. A nossa foi a segunda edição da bolsa, no primeiro ano foram escolhidos o Luiz Edgar de Andrade e um paulista que na verdade queria era estudar teatro em Paris. Edgar – assim o chamávamos – conseguiu um feito raro: a renovação da bolsa. Zuenir e eu bem que tentamos, sem êxito. Luiz Edgar continuou em Paris, como correspondente do Jornal do Brasil, o que fazia com extrema competência. Morávamos os três no mesmo andar da Maison du Brésil, na Cité Universitaire. 

Invariavelmente, quando passávamos pela porta do Luiz Edgar, ouvíamos o matraquear da sua máquina de escrever portátil. Quando havia silêncio, ele estava na rua a serviço ou folheando jornais e revistas brasileiros no escritório da Panair, regido pela angelical Mademoiselle Liliane Dubois. Zuenir era correspondente da Tribuna da Imprensa, jornal onde trabalhava quando ganhou a bolsa. Eu, que trabalhava na Gazeta do Povo de Curitiba, rompi os vínculos com o jornal e com a cidade: depois de dois anos de Paris e seis meses à toa em Curitiba, voltei à Europa para três anos no Serviço Brasileiro da BBC, e daí para quase o resto da vida na Manchete, não fosse a autofalência de agosto de 2000.

As setas apontam para Roberto Muggiati, Brigitte Bardot e Françoise Arnoul.
Reprodução Arquivo Pessoal. Clique nas imagens para ampliar


Luiz Edgar, que não temia competição, municiava a mim e ao Zuenir com pautas quase todo santo dia. Foi graças a uma dica do Edgar que compareci – mais como voyeur e tiete – à missa de corpo presente de Vera Amado Clouzot, valendo-me do evento funéreo para respirar o mesmo metro cúbico de ar das minhas musas Brigitte Bardot e Françoise Arnoul. (Já contei essa história no PANIS, se quiserem, confiram https://paniscumovum.blogspot.com/2019/01/a-dupla-de-ouro-de-vertigo-e-as.html.)

Ao Luiz Edgar foi injustamente atribuída uma das mais célebres fake news dos anos 60 (na época não tinham esse nome e esta não passou de uma tremenda “barriga”: a frase que o general-Presidente De Gaulle teria pronunciado durante a Guerra da Lagosta, entre Brasil e França: “Le Brésil n’est pas un pays sérieux...” Edgar sequer chegou a publicar a frase no JB, dita, em bom português, pelo então embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza, que depois assumiria sua autoria.

Em sua rica e variada carreira, ele andou também pela Bloch, na revista e na TV. Que o Edgar, um dos maiores repórteres brasileiros de todos os tempos, descanse em paz. Guardarei para sempre nossas belas lembranças de Paris que, na época, era realmente uma festa...


Pega fogo, cabaré!

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Luiz Edgar de Andrade (1931-2020): um mestre do jornalismo

Luis Edgar de Andrade (na foto, ao lado do título) no Vietnã, pela Manchete, em 1968.


Trinta anos depois, também pela Manchete, a volta ao antigo cenário de guerra. 
Em 1998, Luiz Edgar posa em Ho Chi Minh, antiga Saigon, com a camisa que reproduz a bandeira
do Vietnã vitorioso e unificado. Reprodução 

por José Esmeraldo Gonçalves

Qual a melhor maneira de homenagear um grande jornalista senão relembrar um dos seus grandes momentos como repórter ?

Em 1968, Luiz Edgar de Andrade foi o enviado especial da Manchete ao Vietnã. Naquele ano, a base de Khe Sanh foi cercada e atacada por morteiros e foguetes lançados pelas tropas do Vietnã do Norte. Em quatro dos 77 dias em que durou o cerco, o cearense Luiz Edgard, de Fortaleza, estava lá. "Minha Guerra no Vietnã" foi o título da matéria que ele enviou com a dura realidade da guerra. Ele contava que a primeira frase que aprendeu no idioma local foi "bao chi, bao chi" ("não atirem").

Luiz Edgard de Andrade.
Foto: Memória Globo
Luís Edgar, que foi repórter do Cruzeiro, passou pela Manchete em três ocasiões. Foi correspondente em Paris, de 1962 a 1967. Depois, na Globo, tornou-se produtor do Fantástico e chefe de redação do Jornal Nacional.Voltou à Bloch nos anos 1990, como diretor de Jornalismo da Rede Manchete. No fim da década, após a editora se desfazer da TV,  foi novamente enviado ao Vietnã pela revista Manchete, em 1998, dessa vez em paz, para rever o campo de batalha 30 anos depois da experiência de guerra na Khen Sahn sitiada. Além da reportagem, transformou a guerra em ficção e escreveu um livro. O personagem principal? Um jornalista que cobria a guerra para uma revista brasileira. O título? "Bao chi, bao chi".

Luiz Edgar de Andrade morreu ontem, no Rio de Janeiro, aos 89 anos, vítima da Covid-19.