sexta-feira, 1 de maio de 2020

As teclas do Edgar nunca dormiam... • Por Roberto Muggiati


Em outubro de 1960, Zuenir Ventura e eu chegamos a Paris para estudar um ano letivo no Centre de Formation des Journalistes, como bolsistas do governo francês. A nossa foi a segunda edição da bolsa, no primeiro ano foram escolhidos o Luiz Edgar de Andrade e um paulista que na verdade queria era estudar teatro em Paris. Edgar – assim o chamávamos – conseguiu um feito raro: a renovação da bolsa. Zuenir e eu bem que tentamos, sem êxito. Luiz Edgar continuou em Paris, como correspondente do Jornal do Brasil, o que fazia com extrema competência. Morávamos os três no mesmo andar da Maison du Brésil, na Cité Universitaire. 

Invariavelmente, quando passávamos pela porta do Luiz Edgar, ouvíamos o matraquear da sua máquina de escrever portátil. Quando havia silêncio, ele estava na rua a serviço ou folheando jornais e revistas brasileiros no escritório da Panair, regido pela angelical Mademoiselle Liliane Dubois. Zuenir era correspondente da Tribuna da Imprensa, jornal onde trabalhava quando ganhou a bolsa. Eu, que trabalhava na Gazeta do Povo de Curitiba, rompi os vínculos com o jornal e com a cidade: depois de dois anos de Paris e seis meses à toa em Curitiba, voltei à Europa para três anos no Serviço Brasileiro da BBC, e daí para quase o resto da vida na Manchete, não fosse a autofalência de agosto de 2000.

As setas apontam para Roberto Muggiati, Brigitte Bardot e Françoise Arnoul.
Reprodução Arquivo Pessoal. Clique nas imagens para ampliar


Luiz Edgar, que não temia competição, municiava a mim e ao Zuenir com pautas quase todo santo dia. Foi graças a uma dica do Edgar que compareci – mais como voyeur e tiete – à missa de corpo presente de Vera Amado Clouzot, valendo-me do evento funéreo para respirar o mesmo metro cúbico de ar das minhas musas Brigitte Bardot e Françoise Arnoul. (Já contei essa história no PANIS, se quiserem, confiram https://paniscumovum.blogspot.com/2019/01/a-dupla-de-ouro-de-vertigo-e-as.html.)

Ao Luiz Edgar foi injustamente atribuída uma das mais célebres fake news dos anos 60 (na época não tinham esse nome e esta não passou de uma tremenda “barriga”: a frase que o general-Presidente De Gaulle teria pronunciado durante a Guerra da Lagosta, entre Brasil e França: “Le Brésil n’est pas un pays sérieux...” Edgar sequer chegou a publicar a frase no JB, dita, em bom português, pelo então embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza, que depois assumiria sua autoria.

Em sua rica e variada carreira, ele andou também pela Bloch, na revista e na TV. Que o Edgar, um dos maiores repórteres brasileiros de todos os tempos, descanse em paz. Guardarei para sempre nossas belas lembranças de Paris que, na época, era realmente uma festa...


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