segunda-feira, 4 de maio de 2020

Trinta e cinco anos sem Narceu • Por Roberto Muggiati

Domingo, cinco de julho de 1964: Muggiati, Sabino e Narceu na Catedral de Rouen, voltando para Londres
de uma visita a Vinícius de Moraes em Paris. Foto: Arquivo Pessoal 

Sexta-feira, 3 de maio de 1985. Chego cedo à redação, ainda vazia, vai ser um dia morno, poucas matérias serão fechadas, o maior número de páginas fica para o sufoco do fechamento final da revista na segunda-feira. Minutos depois chega o Alberto (de Carvalho), a redação está na penumbra, poucas luzes foram acesas. Numa voz soturna, para dentro, diz: “Nasceu, morreu.” Perturbado, sem querer entender o que ouvi, protesto: “Pô, Alberto! Quem nasceu e morreu?” Alberto não queria também dar a notícia, coitado. Mas disse, firme e pausadamente: “Muggiati, o Narceu morreu esta madrugada.”

De infarto, aos 52 anos.

Narceu de Almeida Filho: minha história com ele começa 22 anos antes, em Londres, 1963, na BBC. Jornalista conhece um mundo de gente, mas nunca tem tempo e oportunidade para fazer amigos. Narceu foi um dos meus maiores amigos, contados na ponta dos dedos de uma mão. Como Programme Assistant do Serviço Brasileiro da BBC, além de traduzir, escrever e ler textos das transmissões para o Brasil, eu contratava matérias dos raros free lancers que apareciam por lá. (Para se ter uma ideia, nas eleições de 1962 compareceram ao consulado do Brasil em Londres pouco mais de 60 eleitores, era o número de nossa diminuta colônia na capital britânica então. Nada a ver com o contingente de brasileiros da Swinging London de 1966 e menos ainda com a patuleia de jovens que acorreu em massa à London London de Caetano e Gil no início dos anos 70).

Lembro a colaboração inicial do Narceu, foi uma brilhante resenha do filme estreado naquele ano de 1963, Tom Jones – tanto o filme como o diretor, Tony Richardson, ganharam o Oscar.
Narceu tinha 30 anos, eu 25. Independente, ele tinha um carro, daqueles primeiros modelos compactos britânicos – um Morris Mini Minor. Frequentávamos o clube de jazz Ronnie Scott’s, ainda em seu endereço original no 39 da Gerrard Street, no Soho, uma arapuca à qual você descia  por uma escada estreita num ângulo quase de 90 graus, sem janelas, um incêndio ali e em poucos minutos virávamos cinzas. Mas milagres aconteciam, principalmente em Londres, como reza a letra de Ira Gershwin em A Foggy Day, “The age of miracles hadn’t passed...” O próprio Ronnie Scott – uma mistura redundante de judeu e escocês – cuidava da casa, dos ingressos (você pagava uma libra anual e se tornava sócio do “clube”) à cozinha, da apresentação dos shows, com seu humor esperto, à própria participação como músico, tocava um sax tenor profissional e honesto. O consumo etílico na Inglaterra era subordinado a um emaranhado de leis (na maioria de fundo moralista), depois da meia-noite, para beber, você tinha de encomendar alguma comida. Lá pelas duas da madrugada você saía com uma meia dúzia de Scotches na cabeça e deixava sobre a mesa pilhas de hambúrgueres e sanduiches intocados. Numa daquelas noites, ao sair, não vimos nenhum traço do nosso Mini Minor. O carrinho tinha sido rebocado por estacionamento ilegal. Até nessas coisas os ingleses são organizados, havia uma placa no local indicando onde resgatar o veículo, Sem problemas, uma hora depois estávamos rodando de novo pelas ruas desertas de Londres. Eu morava em Chelsea, à beira do Tâmisa; o Narceu num lugar de nome poético, mais para o norte, Swiss Cottage.
A mobilidade do carro nos permitia outros programas culturais. Num sábado de agosto fomos ao Festival de Teatro de Chichester ver uma versão do Tio Vânia dirigida e interpretada por Sir Laurence Olivier, com sua mulher Joan Plowright e Sir Michael Redgrave no papel de Tio Vânia.

Nessa época eu estava encalacrado (a palavra obsoleta diz tudo) num caso amoroso sem futuro, mas com um presente intenso. A jovem em questão era casada com um diplomata da nossa embaixada. Eu a visitava uma vez por semana, nas tardes de segunda ou terça, meus dias de folga na BBC, por trabalhar nas transmissões diretas da meia-noite à uma da manhã aos sábados e domingos. Tínhamos tudo a ver, ela morava em Chelsea, perto de mim, os filhinhos – um menino, uma menina – dormiam no andar de cima, na sala de estar tomávamos chá e discutíamos Proust, ou o que fosse – é sempre Proust nestas horas – uma madeleine e nada mais, para minha imensa frustração. Às vezes, lá pelas seis horas, o marido chegava cansado do trabalho, me cumprimentava cordialmente e subia para o quarto. Tudo muito civilizado, very British... O sapiente e paciente Narceu não só ouvia as lamúrias do pierrô apaixonado como, de certa forma, participava indiretamente daquela louca aventura amorosa.

Em 1964 entra em cena Fernando Sabino, nomeado adido cultural do Brasil em Londres poucos meses antes do golpe militar. Em carta de 13 de abril de 1964 a Otto Lara Resende, Sabino escreve: “O meu amigo aqui se chama Narceu de Almeida (também não é mineiro, mas parece) – um jornalista daí que trabalhou no Estado de S. Paulo, passou pela Thompson, etc e veio dar com os costados em Londres, Ótimo sujeito, escritor, 30 anos, goiano, excelente companheiro.” (Cartas na mesa, Record, 2002). Baterista amador e grande aficionado de jazz, Sabino passou a nos acompanhar nos programas noturnos – Londres era passagem obrigatória dos maiores músicos, lembro-me de ter ouvido com Sabino e Narceu os tenores de Stan Getz e Sonny Rollins, o piano de Bill Evans. Na manhã de quarta-feira, 1º de julho de 1964, na Mini Minor do Narceu, pegamos a estrada rumo a Paris, Sabino ia visitar Vinícius de Moraes, que trabalhava no consulado. Narceu e eu desfrutamos também da companhia do poetinha e de seus parceiros da hora, Baden Powell e a bela Odete Lara, com quem Vinicius gravou um LP fabuloso para a Elenco: doze composições de Baden e Vinícius com arranjo e regência de Moacir Santos e produção de Aloysio de Oliveira,

Sábado de Aleluia, 17 de abril de 1965, em Cambridge. Narceu entre Lina Muggiati e Celina Luz. Foto; Arquivo Pessoal

Essa viagem, mal sabia eu, seria responsável por meu primeiro casamento. Conheci Lina, casada com um dos maiores doleiros do Rio, Daniel Tolipan, e amante de um arquiteto francês, Jerôme. Francês tem amante, mas não larga a família jamais de la vie. Dentro de seis meses Lina estaria morando comigo em Londres – uma tremenda responsabilidade substituir marido e amante. Narceu e eu nos afastamos por um período, ele havia iniciado, via Sabino, negociações com Adolpho Bloch para assumir a chefia do principal escritório europeu da Manchete, a cidade escolhida foi Paris por ter voo direto para o Rio. Antes disso, o Narceu teve uma estranha incumbência. Ia com seu carrinho a Aylesbury, onde o jornalista Assis Chateaubriand, ex-embaixador do Brasil na Inglaterra, estava internado num centro neurológico desde que sofrera uma trombose em 1960. Embora paraplégico, Chatô conseguia, com a ajuda de fiações amarradas aos dedos, como aquelas de marionetes, teclar a sua máquina de escrever, a fim de mandar o artigo diário para seus jornais. Narceu pegava aquelas páginas empasteladas, fazia o devido “copidespe” (como dizia o Adolpho) e despachava o artigo limpo para o Brasil. Fazia todo dia a viagem de 60 quilômetros a Aylesbury – 120 km ida-e-volta.

Na Páscoa de 1965, Narceu nos visitou no apartamento de Embankment Gardens com a Celina Luz, um jornalista curitibana velha amiga, filha de pastor que lia Henry Miller às escondidas. No carrinho do Narceu, Celina, Lina e eu visitamos Cambridge no dia 17 de abril, sábado de Aleluia. E eu não conhecia a Universidade de Cambridge – minha alma mater via Cultura Inglesa – excepcionalmente nevou naquele dia. Pouco depois, Lina começou a mostrar a que viera. Me fez desfazer a prorrogação de contrato por dois anos que tinha assinado com a BBC. Invariavelmente, quem continuava lá, continuava para sempre. Hoje eu seria um plácido pensionista do Brexit, em vez de suportar as agruras de aposentado do INSS por aqui, jornalista com 66 anos de carreira sem trabalho. Mas Lina ambicionava, no mínimo, ser embaixatriz, e decidiu que eu voltaria para tentar o Itamaraty. É um exame que não se faz em cima da hora. Fiz e não passei. Tínhamos alugado a casa-ateliê do pintor Loio Pérsio em Santa Teresa, fomos expulsos por uma praga de camundongos e tivemos de nos refugiar no pequeno apartamento do sogro no Leblon. Foi quando reencontrei o Narceu, que viera ao Rio por conta do I Festival Internacional de Cinema, comemorando os 400 anos da cidade.

Honor Blackman no Baile das Celebridades, em 1965, no Rio. A atriz participava do
festival internacional de cinema que homenageou o 4° Centenário da Cidade Maravilhosa.
Foto Manchete/Reprodução

E no filme Goldfinger contracenando com Sean Connery. Foto: Divulgação

Narceu de Almeida teve um caso com Honor Blackman. Ele entrevistou a atriz
para a Manchete. No texto uma revelação: a bondgirl adiou a volta a Londres
por três semanas para "conhecer melhor o Rio". 

Um pouco sobre a personalidade do meu amigo goiano-mineiro. O Narceu tinha uma enorme dificuldade de falar. Às vezes abria a boca e não saía nada. Nem a leitura labial ajudava, seus lábios quase não se mexiam. Pois não é que no voo de Londres para o Rio o Narceu veio sentado ao lado da exuberante Honor Blackman? Faixa preta de caratê, a moça brilhava no terceiro filme da série, 007 contra Goldfinger, fazendo a Bond Girl com o sugestivo nome de Pussy Galore – algo como Xota a Granel...  Ninguém sabe o que se passou na meia-luz da travessia transatlântica, o fato é que a Honor Blackman desceu as escadas no Galeão com um namorado brasileiro a tiracolo – nosso bom Narceu. Podem imaginar o frisson que atacou os bravos rapazes da imprensa? No ano anterior tivemos de recorrer a um playboy marroquino metido a brasileiro, Bob Zagoury, para conquistar Brigitte Bardot em Búzios...

Terminado o festival, o Narceu, posto em sossego, me procurou. Depois da reprovação no Itamaraty, fui recomendado para o Rogério Marinho no Globo, que me encaminhou ao chefe de reportagem Alves Pinheiro, que me botou imediatamente a trabalhar. Fui ao Hotel Glória cobrir um congresso internacional da Interpol. O transporte do Globo era complicado, tinha de telefonar de um orelhão para uma central de rádio, enfim esperei mais de uma hora pelo carro que me levou à redação da Rua Irineu Marinho que, desde o começo, me pareceu sinistra e cheia de bad vibes... Bati a matéria na máquina – como dizia um coleguinha nosso, para ele escrever não passava de uma atividade física – botei o texto na mesa do Alves Pinheiro, eu tinha ido fazer uma boquinha na lanchonete da esquina, e nunca mais voltei a pisar na redação de O Globo. Narceu caiu do céu. Lina e eu o recebemos com uma garrafa de bom Scotch no apartamento da Rita Ludolf, em cima da farmácia Piauí – os sogros estavam na casa da ilha de Paquetá. Narceu me animou a procurar a Manchete. “Você vai encontrar o Ricardo Gontijo e o Zuenir.” Ricardo era irmão do Antônio Fernando, meu colega de BBC que morreu afogado em Málaga. Zuenir Ventura fora meu colega de bolsa no Centre de Formation des Journalistes em Paris, em 1960.

O quadro de Harry Elsas no restaurante da Frei Caneca:
dramaticidade expressionista inibia apetites. 
Dois ou três dias depois adentrei o prédio de Frei Caneca, você tinha de caminhar meio quilômetro entre máquinas sucateadas até um elevador de carga que servia o prédio de oito andares nos fundos, onde ficavam as redações, a administração e o restaurante. No oitavo andar, o restaurante tinha uma peculiaridade: uma parede enorme coberta por um mural do Harry Elsas, um pintor do século 20 que se imaginava Hyeronymus Bosch, o que estava longe de ser. A comida de Frei Caneca era ótima, sempre teve a fama de ser melhor do que a do Russell, mas o painel do Harry Elsas era um grande inibidor do apetite.

As coisas aconteciam rápido demais na Bloch, Zuenir não estava mais lá, tinha brigado com o Adolpho e se mandado. Também rapidamente o Jaquito e o Arnaldo Niskier foram com a minha cara. “Veio da BBC? Que bacana! Pode começar depois do feriado como repórter especial?” Dito e feito. O 15 de novembro caiu na segunda, terça-feira eu estava lá para iniciar o que jamais imaginaria seriam 35 anos de Manchete, um bom pedaço – o melhor talvez – da minha vida.

Terça-feira, 17 de dezembro de 1972: na redação da Manchete,  Narceu, 39 anos, com o jovem Ruy Castro, 24 anos.
Foto: Arquivo Pessoal

Narceu chefiava a sucursal de Paris com seu fiel escudeiro, o fotógrafo Alécio de Andrade, mestre da Leica que entraria para o seleto clube da Magnum. Eram os anos da contracultura, a Revolução Cultural anteciparia Maio de 68. Para Adolpho Bloch Paris era luxo puro, adorava ser recebido com tapete vermelho nos melhores restaurantes, segundo o Protocolo Sylvio Silveira que seria consagrado a seguir. Horas antes de Adolpho embarcar para o Rio, Sylvio o levava à melhor casa de queijos de Paris e forrava bolsas térmicas de queijos de todas as variedades, Adolpho voltava direto do aeroporto para a Manchete, convocava seus favoritos e fazia a distribuição. Além de queijos, eu recebia patês e às vezes um potinho de caviar. Não fazia parte do figurino do Adolpho e da Lucy (Lucy Mendes foi Miss Rio Grande) encarar o Narceu e o Alécio num bistrô enfumaçado da rive gauche com duas garotas punk de boina coroada pela estrela vermelha. Adolpho ficou com aquilo atravessado na garganta. Um dia, encontrou o pretexto que procurava, na mesa de edição do Justino: fotos da namorada do Narceu seminua distribuídas por uma agência internacional. Já com a decisão tomada, Adolpho convocou o Sabino e a mim – nunca me dirigira a palavra até então – para sermos seus avalistas. “Essa mulher está desgraçando a vida do Narceu! Ele precisa voltar para o Brasil já, senão estará perdido.” Almoçando com Adolpho no restaurante de Frei Caneca, sob os olhares sorumbáticos dos judeus do Harry Elsas, nada tínhamos a dizer, Sabino e eu. Nosso silêncio estupefato selou o destino do Narceu. Logo depois ele voltava ao Rio para trabalhar como redator da Manchete.

Um corte rápido para 1970. Editor de EleEla, Carlos Heitor incumbiu a repórter Ana Maria de Abreu de entrevistar jornalistas conhecidos sobre seu filme de amor preferido. Ana Maria procurou o Narceu. Sua love story favorita só podia ser, como ele, romântica e trágica: Acossado/À bout de souffle, de Godard, em que a mocinha (na verdade bandida) entrega à polícia o bandido (na verdade mocinho), que morre com uma bala nas costas. Da entrevista ao casamento, Narceu e Ana Maria viveram felizes quinze anos (com três filhos) até a morte prematura dele.

Depois do AI-5, que proibiu qualquer expressão política, intelectuais e jornalistas que faziam a resistência contra a ditadura militar optaram pelo discurso cultural, Ou melhor, contracultural. Do meu panfletário Mao e a China de 1968, parti para o Rock: o grito e o mito/A música pop como forma de comunicação e contracultura, em 1973. Narceu entrou na onda de maneira mais radical. Amigo dos jornalistas Luiz Carlos Maciel e Luiz Carlos Cabral, que também trabalhavam na Bloch, acabou partindo com eles – e a musa de ambos, a atriz Maria Claudia, casada com Maciel – para uma temporada de vida alternativa na Região dos Lagos. Jaquito, em suas rondas pelas redações, costumava zoar: “O Narceu está jogando pingue-pongue contra o vento!” Quando Narceu voltou para garantir o leite das crianças – iniciara o alfabeto, teve os filhos André e Bruno e Ana Maria estava grávida do César quando ele morreu – Jaquito o colocou punitivamente no regime de frila. “Agora ele está correndo atrás, o Capelinha. Cobra como uma corrida do táxi, de preferência em bandeira 2...” Não faltava humor ao Jaquito, afinal ele cresceu entre os Karamabloch e as víboras das redações. Capelinha era a marca dos taxímetros da época.

Narceu tinha uma qualidade que nem todo jornalista, por mais brilhante e intelectualmente equipado, era capaz de ter: sabia fazer amigos. Assim, ele publicou em O Globo a última entrevista de Vinicius de Moraes e, no EleEla, uma entrevista histórica com Os Quatro Mineiros do Apocalipse: Fernando Sabino, Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.

Na madrugada da sexta-feira, 3 de maio, Ana Maria ligou aflita para o Irineu Guimarães. Ele e o Cícero Sandroni, que morava perto, no Cosme Velho, acorreram (Narceu morava nas proximidades da estação do trenzinho do Corcovado), mas o amigo já tinha morrido de infarto. Partiu silencioso, discreto como sempre. Numa atmosfera que me recorda a de um dos mais belos poemas do século 20, de Dylan Thomas, ele mesmo morto muito cedo, aos 39 anos. Com a palavra Dylan Thomas e o grande tradutor, Ivan Junqueira

NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA COM DOÇURA

                    Dylan Thomas • Tradução: Ivan Junqueira

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva
                                               [ lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha
                                               [ esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela
                                               [ alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde
                                               [ baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea
                                               [ altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua
                                               [ travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os
                                              [ transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se
                                              [ alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula
                                              [ obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima
                                              [ bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.


DO NOT GO GENTLE INTO
THAT GOOD NIGHT

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rave at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless, me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

PS – Opções no YouTube: o poema recitado pelo autor, Dylan Thomas, ou pelos atores Anthony Hopkins ou Richard Burton. Recomendo o Burton.

domingo, 3 de maio de 2020

Jam session recorda canção da Segunda Guerra que ecoa mensagem de esperança em dias de isolamento


Em 30 de abril foi comemorado mais um Dia Internacional do Jazz. Dessa vez, em uma pegada diferente, o mundo se uniu virtualmente para relembrar uma canção histórica, que pediu a volta da paz em plena Segunda Guerra Guerra, e agora soou alusiva à tragédia global do coronavírus.

Sete países se uniram em uma jam session que simboliza a resistência e responde com arte à terrível ameaça. Os Airmen of Note da Banda da Força Aérea dos EUA lideraram a sessão, em colaboração única com músicos militares de todo o mundo. A música "Eu vou ver você", em tradução livre, é uma mensagem de esperança para aqueles que estão no isolamento, às vezes distantes das famílias e dos amigos.

“I’ll Be Seeing You”, no título original, foi gravada por Billie Holliday e tornou-se muito popular durante a Segunda Guerra Mundial tanto para quem estava nos cenários da batalha quanto para quem vivia a saudade nos países de origem dos soldados.

Participaram da jam session cantores e músicos da Austrália, Brasil, Finlândia, Alemanha, Japão e Reino Unido. O Brasil foi representado por um integrante da Banda de Música do 10° Batalhão de Infantaria Leve Montanha

Há 75 anos, as bombas afastaram as pessoas, hoje um vírus as isola. A música, mais uma vez, ecoa a esperança de reunião.

Assista à jam session AQUI

"Eu Vou Ver Você (I'll Be Seeing You)

Eu vou vervocê
Em todas os lugares familiares
Que este meu coração abraça
Através dos dias

Neste pequeno café
O parque ao longo do caminho
O carrossel das crianças
Os castanheiros
O poço do desejo

Eu vou ver você
Em cada adorável dia de verão
Em tudo o que é brilhante e colorido
Eu vou sempre pensar em você daquele modo

Eu vou encontrar você
Na manhã de sol
E quando a noite for nova
Eu vou estar olhando para a lua
Mas eu vou estar vendo você

Eu vou ver você
Em cada adorável dia de verão
Em tudo que é brilhante e colorido
Eu vou sempre pensar em você daquele modo

Eu vou encontrar você
Na manhã sol
E quando a noite for nova
Eu vou olhar para a lua

Mas eu vou ver você

sábado, 2 de maio de 2020

Os novos heróis de Tina Turner

por J.A.Barros

Sempre que abro a página do Facebook me aparece uma pergunta: "O que está pensando, João"? Dessa vez, fui levado a me lembrar de uma fantástica cantora norte–americana, Tina Turner, que em uma de suas músicas canta que o mundo está precisando de novos heróis. Pois aí estão, Tina Turner, os seus novos heróis, que são os médicos, enfermeiras e enfermeiros, auxiliares de enfermagem, padioleiros, motoristas de ambulâncias, prestadores de serviços, que num trabalho incessante passaram a dedicar suas próprias vidas a salvar a vida daquelas vítimas que lutam,  contagiadas, contra esse novo coronavírus, se debatendo nas camas de UTIs de hospitais de campanha, de hospitais tradicionais, de clínicas privadas, lutando contra esse vírus que contagia o mundo com a sua baba venenosa,

Desafiando esse novo flagelo, esses novos heróis e valentes profissionais da Saúde sacrificam suas próprias vidas como guerreiros que se tornaram, abatidos alguns, nesse novo campo de batalha, por contato direto com a morte,. Em um desses dias, esses heróis desconhecidos e ignorados sentiram bater seus corações chorarem de alegria e com palmas saudaram a passagem de uma senhora de 101 anos que, na cadeira de rodas, com alta do mal que a  tinha jogado numa cama,  sem esperanças de sobreviver, passava por aquele corredor entre esses heróis que a fizeram reviver para a vida. Aí estão, Tina Turner, os seus reclamados novos heróis que numa luta tenaz contra a morte conseguem salvar vidas humanas condenadas ao frio eterno por este vírus assassino que, atualmente, flagela a humanidade.

Vazou a fábula!

por O. V. Pochê

Houve um dirigente que governou por quatro anos, tornou-e conhecido por ser maldoso, cruel mesmo, e pervertido. Não admitia concorrência, costumava demitir quem tentasse ofuscar seu "brilho". Gostava que o povo o chamasse de deus ou mito. O coro da patuleia - "mito", "mito", "mito" - à saída do Palácio Tiberiano animava suas manhãs. Sua administração quase arruinou a economia. Empreendeu reformas públicas que resultaram em esvaziamento do tesouro. Para sair do sufoco pediu dinheiro ao povo, uma espécia de "rachadinha" de parte dos proventos.

Seu governo foi curto, mostrou-se demente ao pedir ao exército que interrompesse uma ofensiva para recolher conchas na praia: queria enfeitar o palácio. O Senado achou prudente conspirar contra ele.

Chamava-se Caio Júlio César Augusto Germânico, vulgo Calígula. A razão do apelido? Ele tinha fascinação por tudo que fosse militar. Quando não tinha nada para fazer ia bater perna no quarteis.

Jamais entrou em combate, covardia era seu nome do meio, mas gostava de usar cáligas, um tipo de chinelinho que as legiões calçavam no verão. Era motivo de piada quando passava tropas em revista, elevando os calcanhares, quase sentindo-se um general.

Que coisa essa tal de História!

Trívia: quem diria, repórter da Manchete inspirou filme...

Reprodução Manchete, 1957.


Só dá ele na capa: o vírus do ano




Economia: Paul Krugman assombra Brasília

O Brasil já havia construído uma tempestade política e econômica perfeita com o sociopata Bolsonaro no Planalto e o corretor Paulo Guedes na Economia. A chegada da Covid-19 e o modo desvairado com que o governo federal trata a pandemia é o excremento lançado sobre a diarreia. Nem a tragédia sanitária, com milhares de mortes, será capaz levar a dupla a rever suas ideias fundamentalistas que no pós-coronavírus serão mais ultrapassadas ainda. Ouvirão falar de uma coisa que desconhecem: melhor distribuição de renda como gatilho de desenvolvimento.

El País Internacional publica uma matéria ("La economía se hunde, la Bolsa sube: ¿qué está pasando") que mostra bem, por tabela, como é obsoleto o curralzinho ideológico e financeiro onde os dois pastam. Antes de refletir sobre a atual crise global impulsionada pelo vírus e diante da oscilação lucrativa do mercado financeiro em alguns centros - que consegue subir, mesmo com a perspectiva de quedas recordes no PIB mundial - o site cita frase de Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia em 2008, que ilustra bem o comportamento do mercado de ações, nesse momento, nos Estados Unidos, em meio à paralisação.

"Três regras devem ser lembradas. A primeira, que o mercado de ações não é a economia. A segunda, que o mercado de ações não é a economia. E a terceira, que o mercado de ações não é a economia. Não preste atenção ao Dow Jones, concentre-se nos postos de trabalho que estão desaparecendo". 

A frase de Krugman pontua uma terrível contradição: Wall Street tem dias felizes no momento em que há 30 milhões de desempregados nos Estados Unidos.

Bolsonaro não faz a menor ideia de quem é Krugman, deve achar que marca de cereal matinal, passa batido quando ouve uma frase dessas. Guedes, um chicago boy que foi intelectualmente molestado por Milton Friedman, o pai do neoliberalismo, deve odiar Krugman com todas as forças. Outro dia, ameaçou pedir demissão, quis ir embora do playground e levar a bola pra casa, apenas porque o ministro da Casa Civil, Braga Neto, coordenou um esboço de um suposto e futuro programa de gastos públicos para impulsionar a economia pós-coronavírus.

O economista americano Krugman critica as políticas de austeridade, constata que no atual quadro a poupança não se torna investimento e só o investimento público permitirá a recuperação dos empregos.

Se alguém ousar levar um conceito desses ao Ministério da Economia, Guedes, o ministro que no ano passado passou uma guilhotina impiedosa nas verbas da Saúde e do SUS em especial, se revolta, entra em modo tresloucado, pode até atear fogo às vestes, às pantufas, e correr pelado  na Praça dos Três Poderes.

No Charlie Hebdo: Covid 2, nova temporada...

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Na capa da IstoÉ: o Coisa Ruim

As teclas do Edgar nunca dormiam... • Por Roberto Muggiati


Em outubro de 1960, Zuenir Ventura e eu chegamos a Paris para estudar um ano letivo no Centre de Formation des Journalistes, como bolsistas do governo francês. A nossa foi a segunda edição da bolsa, no primeiro ano foram escolhidos o Luiz Edgar de Andrade e um paulista que na verdade queria era estudar teatro em Paris. Edgar – assim o chamávamos – conseguiu um feito raro: a renovação da bolsa. Zuenir e eu bem que tentamos, sem êxito. Luiz Edgar continuou em Paris, como correspondente do Jornal do Brasil, o que fazia com extrema competência. Morávamos os três no mesmo andar da Maison du Brésil, na Cité Universitaire. 

Invariavelmente, quando passávamos pela porta do Luiz Edgar, ouvíamos o matraquear da sua máquina de escrever portátil. Quando havia silêncio, ele estava na rua a serviço ou folheando jornais e revistas brasileiros no escritório da Panair, regido pela angelical Mademoiselle Liliane Dubois. Zuenir era correspondente da Tribuna da Imprensa, jornal onde trabalhava quando ganhou a bolsa. Eu, que trabalhava na Gazeta do Povo de Curitiba, rompi os vínculos com o jornal e com a cidade: depois de dois anos de Paris e seis meses à toa em Curitiba, voltei à Europa para três anos no Serviço Brasileiro da BBC, e daí para quase o resto da vida na Manchete, não fosse a autofalência de agosto de 2000.

As setas apontam para Roberto Muggiati, Brigitte Bardot e Françoise Arnoul.
Reprodução Arquivo Pessoal. Clique nas imagens para ampliar


Luiz Edgar, que não temia competição, municiava a mim e ao Zuenir com pautas quase todo santo dia. Foi graças a uma dica do Edgar que compareci – mais como voyeur e tiete – à missa de corpo presente de Vera Amado Clouzot, valendo-me do evento funéreo para respirar o mesmo metro cúbico de ar das minhas musas Brigitte Bardot e Françoise Arnoul. (Já contei essa história no PANIS, se quiserem, confiram https://paniscumovum.blogspot.com/2019/01/a-dupla-de-ouro-de-vertigo-e-as.html.)

Ao Luiz Edgar foi injustamente atribuída uma das mais célebres fake news dos anos 60 (na época não tinham esse nome e esta não passou de uma tremenda “barriga”: a frase que o general-Presidente De Gaulle teria pronunciado durante a Guerra da Lagosta, entre Brasil e França: “Le Brésil n’est pas un pays sérieux...” Edgar sequer chegou a publicar a frase no JB, dita, em bom português, pelo então embaixador brasileiro na França, Carlos Alves de Souza, que depois assumiria sua autoria.

Em sua rica e variada carreira, ele andou também pela Bloch, na revista e na TV. Que o Edgar, um dos maiores repórteres brasileiros de todos os tempos, descanse em paz. Guardarei para sempre nossas belas lembranças de Paris que, na época, era realmente uma festa...


Pega fogo, cabaré!

quinta-feira, 30 de abril de 2020

Luiz Edgar de Andrade (1931-2020): um mestre do jornalismo

Luis Edgar de Andrade (na foto, ao lado do título) no Vietnã, pela Manchete, em 1968.


Trinta anos depois, também pela Manchete, a volta ao antigo cenário de guerra. 
Em 1998, Luiz Edgar posa em Ho Chi Minh, antiga Saigon, com a camisa que reproduz a bandeira
do Vietnã vitorioso e unificado. Reprodução 

por José Esmeraldo Gonçalves

Qual a melhor maneira de homenagear um grande jornalista senão relembrar um dos seus grandes momentos como repórter ?

Em 1968, Luiz Edgar de Andrade foi o enviado especial da Manchete ao Vietnã. Naquele ano, a base de Khe Sanh foi cercada e atacada por morteiros e foguetes lançados pelas tropas do Vietnã do Norte. Em quatro dos 77 dias em que durou o cerco, o cearense Luiz Edgard, de Fortaleza, estava lá. "Minha Guerra no Vietnã" foi o título da matéria que ele enviou com a dura realidade da guerra. Ele contava que a primeira frase que aprendeu no idioma local foi "bao chi, bao chi" ("não atirem").

Luiz Edgard de Andrade.
Foto: Memória Globo
Luís Edgar, que foi repórter do Cruzeiro, passou pela Manchete em três ocasiões. Foi correspondente em Paris, de 1962 a 1967. Depois, na Globo, tornou-se produtor do Fantástico e chefe de redação do Jornal Nacional.Voltou à Bloch nos anos 1990, como diretor de Jornalismo da Rede Manchete. No fim da década, após a editora se desfazer da TV,  foi novamente enviado ao Vietnã pela revista Manchete, em 1998, dessa vez em paz, para rever o campo de batalha 30 anos depois da experiência de guerra na Khen Sahn sitiada. Além da reportagem, transformou a guerra em ficção e escreveu um livro. O personagem principal? Um jornalista que cobria a guerra para uma revista brasileira. O título? "Bao chi, bao chi".

Luiz Edgar de Andrade morreu ontem, no Rio de Janeiro, aos 89 anos, vítima da Covid-19. 

terça-feira, 28 de abril de 2020

Influencers à beira de um ataque de nervos

por Flávio Sépia 

A publicidade nos meios de comunicação tradicionais era vista pelos leitores, ouvintes e telespectadores como algo dissociado da opinião, dos fatos e das matérias em geral veiculadas. Se Nelson Rodrigues escrevia, por exemplo, que "nem todas as mulheres gostam de apanhar, só as normais", o mundo não vinha abaixo, nem anunciantes cancelavam suas inserções no Globo, Última Hora, Manchete EsportivaFatos & Fotos, onde ele foi colunista durante anos.

Atraídas por páginas com milhões de seguidores, as verbas  publicitárias migraram para as redes sociais. Em blogs, twitter, instagram, you tube e facebook tudo é festa para os influencers até que um vacilo qualquer pode fazer a casa cair.

Demonstrações de racismo, de intolerância, de ostentação, de desprezo pelos pobres, de preconceito, de falta de noção, de ausência de civilidade ou pura ignorância por parte dos chamados influencers pode acabar em cancelamentos e em debandada de patrocinadores.

Há poucos dias, a blogueira Gabriela Pugliesi, que já contraiu coronavírus, decidiu ignorar o isolamento social e promoveu uma festinha de arromba. Ela postou fotos da badalação e os seguidores detonaram a irresponsabilidade. Em poucas horas, Pugliesi perdeu quase 200 mil seguidores. Não deve ter se preocupado muito. Só caiu na real quando marcas parceiras das suas páginas tiraram os times de campo.
A razão é que ao anunciar em redes sociais pessoais, as marcas avalizam, de certa forma e do ponto de vista dos seguidores, o pacote completo. Não há mais o distanciamento que ocorria entre as mensagem publicitárias e o conteúdo jornalistico ou opinativo em jornais, revistas, rádio e TV. A audiência não confundia um e outros. Nas redes sociais, a relação é mais intima e pessoal. Falar que "ama o sapato" da marca tal ou "adora o biquíni" da grife soa igual a "vender" expressões racistas ou de preconceito. Tudo é influência. Tanto o elogio e a recomendação quanto a intolerância ou o comportamento antissocial do (a) blogueiro (a) respingam diretamente na marca que apoia o sujeito (a).
Daí que, depois de tanto levar bordoada na internet, algumas marcas passaram a incluir nos contratos com os (as) influenciadores (as) uma cláusula que lhes dá o direito de cair fora, sem pagar multa, se o distinto dono das páginas fizer alguma merda que contamine o prestígio do anunciante.
Gabriela Pugliesi, só para citar o caso mais recente entre tantos, recebeu uma dura lição: cerca de dez anunciantes deram bye bye às suas páginas em respeito à forte reação dos internautas registrada em milhares de comentários que viralizaram na web.

Tem influenciador que vai acabar fazendo propaganda de fralda descartável tanto é o medo que sentem ao postar textos, fotos e vídeos. A vida não está fácil pra ninguém.

Fotomemória da redação: eles não usavam fraque e cartola

Eles não usavam...

...fraque e cartola. Reproduções Manchete


Essas duas fotos publicadas na Manchete em abril de 1960 são da inauguração de Brasília, mas ainda dizem muito sobre o Brasil.

De fraque e cartola, Horácio Lafer, Israel Pinheiro e Juraci Magalhães provavelmente se sentiam no Buckingham a convite da Rainha Elizabeth ou em uma tarde de corridas no Hipódromo de Ascot.

Enquanto o trio de calça frouxa posava em modo cafonice colonizada em frente ao Congresso, o Fenemê trazia da Cidade Livre - a aglomeração de casas e barracos de madeira que abrigava os operários -, a comitiva de candangos que envergava "roupa de domingo", mais do que suficiente para a "turma do sereno", que não tinha acesso aos salões nobres.

Manchete quis mostrar a Capital da Esperança e exibiu sem querer o contraste da crônica desigualdade social do Brasil. Pouco depois da inauguração, parte daquela mão-de-obra permaneceu na capital, trabalhando na continuidade das construções. A maioria partiu em busca de outros canteiros de obras.

Eram os invisíveis. Nunca se soube quantos, mas sabe-se hoje que se multiplicaram.

Foi preciso chegar a Covid-19 para o Brasil descobrir que tem um população não identificada. O auxílio de R$ 600,00 que o Congresso autorizou o governo a distribuir mostrou, 60 anos depois, a não existência de 46 milhões de brasileiros invisíveis, pouco menos do que a população da Argentina. Uma legião de filhos da pátria amada que não têm conta em banco, acesso à internet, nem CPF ativo, não participam de grupos no whatsapp, não sabem onde o IBGE mora.

Em 1958, dois anos antes das fotos acima, começou a fazer sucesso no Teatro de Arena, em São Paulo, uma peça que tinha como tema a vida operária. Era "Eles não usam black tie", de Gianfrancesco Guarnieri.

Pois é.

domingo, 26 de abril de 2020

Fotógrafos da Magnum registram o Diário da Pandemia em todo o mundo

Abril, 2020 - Foto Bruno Barbey. Diário da Pandemia/Magnum Photos

* O site da Agência Magnum está publicando um diário fotográfico dos efeitos do coronavírus no mundo. Hoje, entre outras, é exibida a foto acima, onde o psiquiatra aposentado Marc Windisch recita poemas para confortar os poucos transeuntes. A Torre Eiffel é testemunha. A foto é de Bruno Barney, que fez inúmeras reportagens para Manchete e cobriu para a revista, várias vezes, o carnaval carioca.

* Abaixo, foto de Lorenzo Meloni mostra a Torre de Pisa às escuras, em quarentena. Com a entrada de turistas no país sob veto e o deslocamento interno de viajantes sob controle, a Itália exibe cenas inimagináveis como essa. A volta à normalidade vai demora: o governo italiano pode manter restrições ao turismo até o fim do ano.

Março, 2020. Foto de Lorenzo Meloni/Diário da Pandemia/ Magnum Photos

VISITE O DIÁRIO DA PANDEMIA DA MAGNUM PHOTOS, AQUI

sábado, 25 de abril de 2020

Meu nome é Brasil, mas pode me chamar de "cabaré em chamas"






por Ed Sá

São duas expressões que bombam na internet em torno das notícias sobre o governo que respira por aparelhos e talvez seja mantido assim até 2022.
São interessantes essas criações do povo. "Pega fogo, cabaré" e "fogo no parquinho"  simbolizam o pânico pra quem está lá dentro. Há outras no gênero para esse momento de tosquice política.  "Sururu na zona", por exemplo, é coisa complicada, tal como está. "Zona" já diz tudo, acrescente o "sururu" e você terá uma bela encrenca. "Suruba sem lei" não é prática recomendada. Há que ter um mínimo de coordenação ou a conjuntura se descontrola.  Em "briga de foice no escuro" , o sujeito não sabe de ondem vem o golpe. "Mais perdido do que cego em tiroteio" se encaixa bem na desorientação do Planalto. "Quem tem cu tem medo" justifica a "cautela" demonstrada por alguns ministros que tentam garantir a cadeira.
Juntas ou separadas, as falas do povo são mais verdadeiras do que coletivas e pronunciamentos.
Em matéria-bomba publicada hoje, The Intercept Brasil lança nos TTs uma expressão de profundo significado. É o título acima reproduzido de uma reportagem sobre uma investigação do MP.  Leia AQUI

Canções contra o fascismo: Recorde esse belo dia 25 de abril em dose dupla

Itália Livre! A notícia da vitória sobre o fascismo e o nazismo. 


Portugal festeja o fim da ditadura fascista de Salazar. 
Uma data marcante para Portugal e Itália, dois países historicamente ligados ao Brasil.
No dia 25 de abril de 1945, a resistência italiana, os heroicos partigiani, anunciaram no rádio a retomada dos últimos redutos fascistas e nazistas.
No dia 25 de abril de 1974, Portugal recuperou a liberdade depois de mais de 40 anos da ditadura fascista de Salazar.
Distantes no tempo, as duas conquistas tornaram célebres duas canções que marcaram aqueles dias e inspiram até hoje a reação dos povos contra o autoritarismo e e as ditaduras. Uma ameaça sempre presente. Que o diga o Brasil atual.

Ouça Bella Ciao, a canção que foi a trilha sonora do comunicado dos partigiani nas rádios. AQUI

E ouça Grândola Vila Morena, a canção que foi a senha para a deflagração da Revolução dos Carvos, AQUI

Diversão na quarentena: o Circo Bolsonaro deu espetáculo na internet

Foto Carolina Antunes/PR

por O.V.Pochê 

Em uma sexta-feira com cara de qualquer dia - como são todos na quarentena - Bolsonaro garantiu diversão na sessão da tarde. O pronunciamento já foi especial. Um amontoado de ideias soltas, um samba - samba não, que ele não é disso -  um hino marcial do presidente doido. O aquecimento da piscina, os cartões corporativos, Marielle, a facada, o namoro do filho etc. Pouco falou sobre o foco do problema - a interferência na PF - e o que falou o ex-ministro Sergio Moro logo desmentiu, com provas.
Mas o que intrigou a internet foi o movimento pendular do ministro da Saúde, Nelson Teich, o olhar de peixe morto, a inquietação. As redes sociais se perguntavam se ele estava bem. Houve quem explicasse que ele estava tentando "entender o vírus". Coisa que ele repete desde que tomou posse e nada mais fez.
O outro mistério era Paulo Guedes, o único de máscara, o único desprovido de paletó e o único sem sapato social. A dúvida era se ele estava apenas de meias ou de pantufas. Guedes consultava o relógio, parecia não ver a hora de voltar para o sofá. Aparentava ter sido convocado às pressas ou conduzido "coercitivamente" para reforçar a figuração do pronunciamento. Uma tarde de saltimbancos.

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Brasil revê filme antigo e mostra que tem um "cidadão acima de qualquer suspeita"


Em 1970 um filme levantou debates nos botecos cariocas. Era uma época em que cinema de rua era ponto de encontro e mesa de bar uma espécie de tribuna para opiniões sobre o que acabava de ser visto na tela. "Investigação Sobre um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita", do diretor Elio Petri com Gian Maria Voloté e Florinda Bolkan, marcou aquela geração. 
No filme, Gian Maria Volonté representa a autoconfiança dos poderosos que se
sentem livres para cometer crimes sem que a lei os alcance.


Trata de abuso de poder, corrupção e manipulação da moral e da ética. Volonté é um chefe de policia tão confiante na sua impunidade que mata a amante e espalha na cena do crime um conjunto de provas contra ele mesmo. Movido por um tipo de vaidade, quer apenas demonstrar que, por mais que os colegas identifiquem autoria, jamais o responsabilizarão pelo assassinato. Afinal,  é poderoso, tem posição hierárquica e se julga inatingível.

Se esse roteiro de arrogância lhe remeter a algum acontecimento que, nesse momento, abala o Brasil, você não está sozinho.

O personagem de Gian Maria Voloté acaba de ser clonado por Bolsonaro. Não que na ignorância que lhe é peculiar o capitão inativo saiba lá que filme é esse .
Nesse episódio de interferência na Polícia Federal para supostamente  proteger a família, ele espalha todas as pistas e digitais possíveis. Desafia a lei. Faz questão de deixar claro que se sente impune e que pode cometer todos as irregularidades ou crimes que quiser contra a Constituição, como participar de manifestação que pede o fechamento do Congresso e do STF e pregar a volta da ditadura. É o nosso "cidadão acima de qualquer suspeita". 

Do Twitter: Brasil é de família...