Eles não usavam... |
...fraque e cartola. Reproduções Manchete |
Essas duas fotos publicadas na Manchete em abril de 1960 são da inauguração de Brasília, mas ainda dizem muito sobre o Brasil.
De fraque e cartola, Horácio Lafer, Israel Pinheiro e Juraci Magalhães provavelmente se sentiam no Buckingham a convite da Rainha Elizabeth ou em uma tarde de corridas no Hipódromo de Ascot.
Enquanto o trio de calça frouxa posava em modo cafonice colonizada em frente ao Congresso, o Fenemê trazia da Cidade Livre - a aglomeração de casas e barracos de madeira que abrigava os operários -, a comitiva de candangos que envergava "roupa de domingo", mais do que suficiente para a "turma do sereno", que não tinha acesso aos salões nobres.
Manchete quis mostrar a Capital da Esperança e exibiu sem querer o contraste da crônica desigualdade social do Brasil. Pouco depois da inauguração, parte daquela mão-de-obra permaneceu na capital, trabalhando na continuidade das construções. A maioria partiu em busca de outros canteiros de obras.
Eram os invisíveis. Nunca se soube quantos, mas sabe-se hoje que se multiplicaram.
Foi preciso chegar a Covid-19 para o Brasil descobrir que tem um população não identificada. O auxílio de R$ 600,00 que o Congresso autorizou o governo a distribuir mostrou, 60 anos depois, a não existência de 46 milhões de brasileiros invisíveis, pouco menos do que a população da Argentina. Uma legião de filhos da pátria amada que não têm conta em banco, acesso à internet, nem CPF ativo, não participam de grupos no whatsapp, não sabem onde o IBGE mora.
Em 1958, dois anos antes das fotos acima, começou a fazer sucesso no Teatro de Arena, em São Paulo, uma peça que tinha como tema a vida operária. Era "Eles não usam black tie", de Gianfrancesco Guarnieri.
Pois é.