sexta-feira, 5 de março de 2021

Fotomemória da redação: a casa dos tempos ditosos

 

1967: Edifício Manchete quase pronto 


por José Esmeraldo Gonçalves (*)

Em 1967, a Manchete vivia a expectativa de mudar de casa. Preparava-se para deixar a Rua Frei Caneca e instalar-se em um moderno prédio assinado por Oscar Niemeyer e projetado para abrigar redações, fotocomposição, estúdio fotográfico, restaurantes, transporte, posto médico, setores administrativos e de publicidade. Justino cita acima o aspecto cultural da nova sede da Bloch Editores: o teatro, galeria de arte e um museu do carnaval. Este último não saiu do papel. 

A década de 1960 impulsionou o sucesso da Manchete. Foi quando a revista superou definitivamente a rival O Cruzeiro e se consolidou como a semanal de maior circulação do pais. O avanço da industrialização do Brasil se refletia nas páginas da Manchete em impressionante volume de anúncios.  Automóveis, eletrodomésticos, companhias aéreas, instituições financeiras, produtos alimentícios, refrigerantes etc pontuavam dezenas de páginas. Uma explosão de consumo, especialmente da classe média ascendente, beneficiava as revistas da Bloch, bem impressas e com as cores vivas que a TV e os jornais ainda não mostravam,. 

Os anos 1970 se anunciavam  promissores. E, de fato, foram, do ponto de vista econômico. Mas as consequências para a Manchete como veículo jornalístico já não se realizaram tão ditosas. O "Brasil Grande", da ditadura tornou-se um grande anunciante da revista, especialmente um indutor de muitas matérias pagas sobre as obras dos generais. A grande mídia em geral apoiou a ditadura, mas na revista ilustrada a alinhamento ganhava cores e páginas duplas vistosas. 

O dinheiro entrava, a credibilidade saía. 

O jornalismo ainda conseguia respirar. Como se pode ver na coleção da Manchete digitalizada pela Biblioteca Nacional, houve episódios de censura em Manchete e Fatos & Fotos, por várias vezes repreendidas pelo Ministério da Justiça com editores "convidados" a comparecer à Polícia Federal e com a EleEla sob raivosa censura prévia. Coberturas de acontecimentos como a Frente Ampla que desafiava o regime militar, as várias reportagens exclusivas que mostravam a vida dos exilados na Europa, matérias sobre o Esquadrão da Morte e a epidemia de meningite que os generais tentaram esconder eram exemplos de pautas que incomodavam a linha dura. Armando Falcão era um dos esbulhos grosseiros e arrogantes que telefonavam diretamente para Adolpho Bloch e reclamavam de certas matérias em termos nada educados.   

Os espaços cedidos à ditadura, contudo, marcaram fortemente a revista e comprometeram sua imagem, apesar de faturamento e circulação passarem quase incólumes por essa difícil fase. 

A nódoa do adesismo só começaria a se atenuar a partir de 1978, com as pautas da Anistia, o destaque dado à volta dos exilados e, em seguida, aos primeiros governadores de oposição eleitos, como Brizola, que fez histórica visita à Bloch e recebeu aplausos dos funcionários ao entrar no restaurante lotado. A  campanha das Diretas também recebeu ampla cobertura, assim como Tancredo Neves em oposição a Paulo Maluf, candidato da linha dura no então colégio eleitoral da ditadura. 

Manchete bateu recordes de tiragem com a visita do Papa, a inauguração do Sambódromo turbinou as vendas das edições de carnaval. Produtos da Rede Manchete, como as novelas Marquesa de Santos, Dona Beija e Pantanal motivavam capas e levantavam as vendas das revistas. O horizonte não parecia fechado naquele momento.

Aquele edifício que Justino Martins saudou foi ampliado em mais dois que formaram o grande conjunto da Rua do Russell  a virar referência carioca. Mas o que parecia anunciar nova era virtuosa se transformou em crise ao fim dos anos 1980, instalando-se a bomba-relógio financeira que levaria à falência da editora em agosto de 2000.

O prédio que uma vez anunciou bons tempos foi leiloado e atualmente abriga empresas diversas. Das redações que lá funcionaram, restam apenas breves lembranças despertadas nos mais antigos que passam por ali a caminho do centro do Rio. 



(*) José Esmeraldo Gonçalves é um dos autores da coletânea Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou, lançada em 2008 pela editora Desiderata, que revela muito do que eram o trabalho e a vida que corriam nos bastidores dos prédios da Rua do Russell. 
O livro, que não é a história oficial, muito ao contrário, ainda pode ser encontrado em canais de venda como Amazon, Americanas, Saraiva, Estante Virtual, Mercado Livre e sebos digitais. 

Um comentário:

J.A.Barros disse...

Foram meus 25 anos, talvez os mais ditosos da minha vida. Os meus 25 anos eram em face dos quarenta anos do mais antigo Chefe de Arte da Manchete, Wilson Passos, eram brincadeira. E muitos funcionários eram da velha guarda. Mas Wilson Passos era o mais antigo. Tinha um ano a mais da fundação da revista. Engenheiro aeronáutico, tinha uma cabeça de matemático e aplicava no seu trabalho de diagramador, os seus cálculos matemáticos. Disse–me ele, que a sua turma de engenheiros construiram um avião e que voou. Foram realmente meus bons e felizes anos em trabalhei na Bloch Editores.