segunda-feira, 4 de junho de 2018

SEGUNDA-FEIRA, 4 DE JUNHO DE 2018 * Há 50 anos - Bobby Kennedy: a morte na cozinha – Por Roberto Muggiati

Robert Kennedy abatido por três tiros disparados pelo ativista palestino Shiran Bishara Shiran. O fotógrafo Bill Eppridge, da Life, fez uma das mais expressivas fotos do século 20. Uma composição clássica. Ao lado, aparece o taifeiro mexicano Juan Romero, com quem o então candidato a presidente dos Estados Unidos ainda conversou.

Dias depois, o dramático simbolismo da capa da Life: o líder sai de cena. Os tiros que mataram Robert Kennedy
elegeram Richard Nixon, uma das mais tenebrosas figuras da política americana.  A edição especial da revista lançava uma pergunta:  "Quantas vezes mais vamos passar por tiroteios que apertam a garganta, nos enlutam e abafam tambores?"


por Roberto Muggiati 


Caiu-me nas mãos por estes dias um filme espetaculoso de Emilio Estevez, Bobby (2006). A propaganda anuncia: “Vinte e dois destinos, um momento da História que ninguém vai esquecer.” O enredo se passa no Ambassador Hotel de Los Angeles, em 4 de junho de 1968, uma terça-feira, no dia em que Robert Francis Kennedy venceu as eleições primárias da Califórnia para concorrer à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Democrata.

Pouco depois da meia-noite, contrariando sua segurança, o irmão de John Kennedy atravessa a cozinha para chegar mais rapidamente à sala de imprensa do hotel, onde dará uma entrevista coletiva. E, justamente na cozinha cheia e enfumaçada, Bobby é atingido com três tiros de um revólver calibre 22 por um ativista palestino de 24 anos, Sirhan Bishara Sirhan, que feriu ainda cinco pessoas.

Cinquenta anos passaram correndo. Dois meses antes do atentado contra RFK, o paladino dos direitos civis, Martin Luther King, foi assassinado a tiros em Memphis. Um dia antes, a radical feminista Valerie Solanas deu três tiros em Andy Warhol, considerado macho chauvinista.

Entre os atores estelares de Bobby estão Anthony Hopkins, Harry Belafonte, Martin Sheen, William Macy (o marido trapalhão de Fargo que manda sequestrar a própria mulher), Sharon Stone, Lindsay Lohan, Demi Moore, Helen Hunt. Robert Kennedy aparece em flashes de TV e todo o elenco parece aguardá-lo como uma espécie de Godot...

Os defensores dos valores democráticos nos EUA viam uma nova esperança na figura do irmão de John Kennedy: Bobby tinha tudo para ser eleito em 1968, não fosse assassinado. A vaga presidencial sobrou para o republicano Richard Milhous Nixon, uma das figuras mais tenebrosas da política americana, forçado a renunciar em 1974 por causa do Escândalo Watergate.

O encontro de Pelé e Robert Kennedy fez a festa dos fotógrafos que cobriam Brasil 2 X 2 URSS, no Maracanã, no dia 21 de novembro de 1965. Após o jogo, todos correram para o vestiário. Pelé estava nu. Foi providenciada uma toalha para compor as imagens que correram o mundo. (Museu Pelé/Secretaria de Turismo de Santos - SP). 
O senador Robert Kennedy esteve no Brasil em 1965. Àquela altura já se achava envolvido na defesa dos direitos civis em seu país e preocupava-se com as questões sociais no mundo inteiro (ressalve-se uma certa ingenuidade anticomunista e tolerância com a ditadura militar, mas, afinal, era uma cabeça feita ainda na Guerra Fria). No Rio, visitou a favela da Praia do Pinto, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, que seria arrasada por um misterioso incêndio em 1969. Bobby viu também um pinto famoso – o do Rei Pelé – em outra praia, o vestiário do Maracanã. Uma toalha foi providenciada às pressas para a foto oficial. (Quem cobriu a visita para a Manchete foi o repórter especial Sérgio Alberto Cunha, que era casado com uma americana e logo depois foi promovido para chefiar o escritório da Bloch em Nova York. Ficou décadas no posto e ainda mora em NY.)

Bill Eppridge, fotógrafo da revista Life, abandonou um ensaio sobre cavalos selvagens em Montana e se mandou entusiasmado para LA no seu Jeep quando soube que Kennedy seria candidato à Presidência dos EUA. Estava no lugar certo na hora certa para fazer uma das fotos mais expressivas do século 20, uma foto em preto&branco com dramático efeito de chiaroscuro e composição clássica em estilo de Pietà, com o taifeiro mexicano Juan Romero confortando Bobby, que ainda trocou algumas palavras com ele:

RFK: Está todo mundo OK?
Romero: Sim, todo mundo está OK.
RFK: Tudo vai ficar OK.

Socorristas médicos chegaram em poucos minutos e colocaram o senador numa maca, o que o levou a sussurrar.

RFK: Não me levantem.

Foram suas últimas palavras, ele perdeu a consciência logo a seguir. Hospitalizado no Bom Samaritano de Los Angeles, RFK morreu nas primeiras horas do dia 6 de junho.



A revista Time, que saudara a candidatura de Kennedy em 24 de maio com uma ilustração do artista pop Roy Liechtenstein, encomendou outra capa para o artista, a de um revólver fumegando apontado para o leitor, publicada em 21 de junho, uma matéria de reflexão intitulada The Gun in America.


Sirhan Bishara Shirhan, aos 74 anos, continua cumprindo a pena de prisão perpétua na penitenciária de San Diego. Como motivação do atentado, ele alegou o apoio do senador a Israel.

Alguns observadores políticos consideram o assassinato de RFK como o primeiro episódio de violência politica nos EUA decorrente do conflito Israel-Palestina no Oriente Médio.

Cinquenta anos depois, nada mudou. Ao contrário, nunca se venderam tantas armas, com tanta facilidade, nos Estados Unidos – e elas têm sido usadas com frequência cada vez maior, chegando até a banalizar a mortandade em massa.

E as divergências entre israelenses e palestinos estão cada vez mais acirradas, cada vez mais longe de um final pacífico.

5 comentários:

Corrêa disse...

5o anos depois os Estados Unidos tem um presidente ainda pior do que Nixon, racista, a favor de armas, com o cinismo de empresário que quer que o povo pobre americano se foda e o mundo se exploda desde que os ricos e brancos americanos ganhem cada vez mais dinheiro.

Lourival de Caxias disse...

Foto desse de Pelé é impossível hoje. Não tem jogador, o Maracanã não é mais o mesmo, e presidentes ou figuras do mundo não baixam mais aqui. Medo de bala perdida, nojo da corrupção, vergonha de aparecer ao lado de Temer

Anônimo disse...

O terror alterando o rumo da humanidade

J.A.Barros disse...

A foto em preto e branco é uma maravilha. Tudo deu certo nesse click da máquina. Luz, velocidade, abertura do diafragma enfim uma foto de prêmio. Qualquer prêmio.

Catani disse...

1968 criou sonhos e 1968 matou sonhos. Hoje temos o pesadelo com Trump, a direita neonazista crescendo na Europa, a globalização selvagem e o rentismo oprimindo o mundo.