por José Esmeraldo Gonçalves
Em 1977, a Beija Flor foi campeã do Carnaval. Mas quem fez a festa na Avenida Presidente Vargas foi a União da Ilha.
Como a seleção da Hungria de Puskas, vice na Copa de 1954, a Holanda de Cruyff , vice em 1974, e o Brasil de Sócrates, Zico, Falcão e Junior, quinto lugar em 1982, a carismática escola da Ilha do Governador perdeu o título mas ficou na história - e no terceiro lugar - ao celebrar a alegre agenda de um típico domingo do Rio.
Uma rápida leitura nas notícias de hoje deixam bem claro que 40 anos se passaram na cidade mais partida do que nunca desde aquele Carnaval.
Vida que segue, ligaram o foda-se. Não vale nostalgia nem saudade, apenas medir a frieza dos fatos que passaram a abalar o modo de vida carioca que a União da Ilha cantou naquele distante ano.
A letra descreve um domingo no Rio de Janeiro. O Brasil estava sob a ditadura militar, "Domingo" cantava a vida e naquela noite a arquibancada sonhou com o "lindo dia que se anuncia". Se veio ou não veio, isso dá outro enredo.
Relembre a letra do samba. O puxador - ainda não era politicamente incorreto chamar assim o intérprete - foi Aroldo Forde.
"Domingo"
Autores: Aurinho, Ione do Nascimento, Adhemar e Waldir da Vala,
G.R.E.S União da Ilha do Governador (RJ)
Vem amor
Vem à janela ver o sol nascer
Na sutileza do amanhecer
Um lindo dia se anuncia
Veja o despertar da natureza
Olha amor quanta beleza
O domingo é de alegria
No Rio colorido pelo Sol
As morenas na praia (bis)
Que gingam no samba
E no meu futebol
Veleiros que passeiam pelo mar
E as pipas vão bailando pelo ar
E no cenário de tão lindo matiz
O carioca segue o domingo feliz
Vai o sol e a lua traz no manto
Novas cores, mais encanto
A noite é maravilhosa
E o povo na boate ou gafieira
Esquece da segunda-feira
Nesta cidade formosa
Há os que vão pra mata
Pra cachoeira ou pro mar (bis)
Mas eu que sou do samba
Vou pro terreiro sambar
Percebeu? Agora veja como a cidade, de lá pra cá, tornou-se ainda mais dividida. Pois é, compare com letra do samba que virou poesia e desfez-se no sufoco atual:
"Praia" - O Globo revela hoje que o calçadão ganhará mais um quiosque de luxo e preços idem. O território mais democrático do Rio perde mais um espeço. Ainda é possível ao povão "ver morenas na praia" sem morrer em uma grana, mas tomar mais de uma cervejinha já é outra história. Quiosque, nem pensar. Foi gourmetizado.
"Samba" - O samba entrou em crise. Escolas discutem a relação, mas é certo que Carnaval está fora da 'bíblia" do prefeito. Os blocos que se cuidem.
"Futebol" - O Maracanã foi elitizado, perdeu a geral, o torcedor de havaiana, a dignidade e deixou de ser o "estádio de todos os clubes" como imaginou Mário Filho. Agora parece loja da maçonaria, fica mais tempo fechado do que aberto. Tem o Engenhão. Tem $im $enhor. Tem São Januário. Tinha. O Estádio do Vasco tomou um grampo de 180 dias.
"Mar" - Veleiros? Claro que só uma meia dúzia velejava e hoje nem isso, mas o resto podia pelo menos apreciar o "barquinho que vai", a tardinha cai"... O mar? Mais sujo do que cagueta da Lava Jato.
"Pipas" - praticamente sumiram da areia, especialmente aquelas em forma de gaivotas. Vê-las "bailando no ar" é bobeira. Vai perder o celular.
"Boate e Gafieira" - Ficou difícil, o jornal informa, hoje, que em um ano caiu em mais de um milhão de pessoas o número de usuários de ônibus, trem e metrô. Sem emprego, sem vale-transporte e com a explosão de assaltos, o carioca que não lava dinheiro e não tem conta ilegal no exterior botou o chinelão e ficou em casa vendo TV. Ou vai ao gargarejo do baile funk com direito a voltar pra casa se não for no território "doszalemão".
"Cachoeira" - Também ficou mais complicado. O povão resiste, mas cumprir ritual afro, ir pra cachoeira, pra mata ou saudar Iemanjá no mar tende a ser atividade de risco. Fanáticos passaram a perseguir os cariocas filhos de santo.
Haja corpo fechado.
VEJA O VÍDEO DA UNIÃO DA ILHA NA AVENIDA EM 1977. CLIQUE AQUI
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3 comentários:
Esse samba é uma crônica do Rio. Lindo, lindo
O Rio já resistiu aos franceses, a transferência da capital para Brasília, a fusão com o Estado do Rio forçada pela ditadura, a Saturnino Braga, a Marcelo Alencar, a Moreira Franco, a Sergio Cabral, ao roubo do royalties do petróleo e agora vai resistir a crise, a Temer e a Crivela.
Rio sempre lindo, apesar de tudo
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