domingo, 5 de setembro de 2010

O primeiro domingo sem a Domingo

Domingo, 1976, ano 1.
Domingo, última edição impressa, ano 34
por José Esmeraldo Gonçalves
A revista do Domingo do JB foi criada em 1976. No domingo passado, 29 de agosto, foi para as bancas o exemplar número 1791. A última edição impressa. O JB já estreou sua versão on line - o manejo das páginas é fácil, amigável, como se diz no jargão da rede, e a diagramação mantém o estilo (tem a marca de Nélio Horta, profissional com o JB na alma). Dizem que a Domingo voltará em modo digital. O fato é que com o jornal no ar, formatado para as novas mídias, a bola agora está com o conteudo. O JB 100% digital afirma que já dobrou o número de acessos. Manter e, principalmente, ampliar esse número depende agora de um jornalismo de qualidade. E, claro, da venda de assinaturas e de publicidade na nova mídia. Boa sorte aos colegas que permanecem nesse barco.
Lembrava da Domingo porque tenho sobre a mesa dois exemplares que simbolizam épocas distintas na longa trajetória da revista e do país. A revista da semana passada destaca a mostra de decoração Casa Cor. E a edição número 23, de 1976, com uma densa capa em preto&branco, publicava uma reportagem sobre uma guerrilheira dos Montoneros, uma jovem de 18 anos, responsável pela morte de um general que chefiava a polícia argentina. É no mínimo curioso comparar conteudos separados por 34 anos. Uma, a de 2010, é leve, trata de tendências, moda, culinária, colunas sociais, comportamento, consumo, alguns personagens da vida da cidade.Poucos anúncios: Hard Rock Cafe, Petrobras, Embratel, entre os principais. Além da matéria de capa sobre a Casa Cor, uma reportagem sobre um site que enfoca a noite alternativa carioca, um cirurgião que faz pesca submarina e fornece peixes para restaurantes.
No exemplar de 1976, a vida não parecia tão light. O país vivia sob a ditadura, a censura patrulhava as redações. A reportagem sobre a guerrilheira ocupava quatro páginas com fotos dramáticas e muito texto (o formato da revista era maior). Não tinha expediente, mas a direção editorial era de Ruy Castro. O escritor Luis Fernando Veríssimo assinava uma crônica sobre um estranho samba que tentou compor e o jornalista e escritor Marcos Santarrita escrevia sobre uma nova e radical interpretação antropológica da evolução do homem. Uma reportagem de Liana Ximenes sobre o Lazer no Rio criticava a falta de opções na "cidade que já foi maravilhosa". E usava uma expressão que hoje é um conceito que as grandes cidades ainda buscam: a qualidade de vida. Um contraponto com uma reportagem mais leve e visual da mesma edição, sobre a Piazza Navona, "onde todo dia é domingo", com texto e fotos de Araújo Neto. Os anúncios, obviamente, são datados. Entre outros: um cigarro, "Novo Albany, o prazer das coisas naturais"; uma viagem, "É hora de Brasil, vá de Varig e Cruzeiro"; dois automóveis, "Chegaram os carros que dão mais valor ao seu dinheiro: Maverick Ouro e Maverick Prata"; mais um carro, "Conquiste o coração da sua mulher com economia. Venha buscar um Chevette agora". Outros tempos, outros pesadelos, outros sonhos de consumo. Outro JB.

Um comentário:

debarros disse...

José Esmeraldo, ninguem melhor que você para trazer à frente um pouco da história, cheia de glórias do JB. Como pesquisador, arquivista, colecionador e acima de tudo historiador, está bem à vontade para discorrer e contar um pouco, para essa geração atual, que pouco conhece lendas e histórias do jornalismo brasileiro, o começo, o meio e o fim de desse jornal que fez uma revolução no jornalismo brasileiro. Continua a contar essas histórias cheias de folclore e lendas do JB.