por Gonça
A Argentina, que também sofreu uma sangrenta ditadura, avançou muito mais do que o Brasil "cordial" na apuração e punição dos criminosos responsáveis por torturas, perseguições e assassinatos durante os (des) governos militares. Mas lá, como aqui, não foram investigados a fundo os efeitos dos coturnos da ditadura sobre empresas pequenas, médias e grandes. Há centenas de livros fundamentais sobre os anos de chumbo que cobriram o Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai, Peru, mas os historiadores pouco se debruçaram sobre o impacto do autoritarismo nas atividades empresariais em cada um desses países. Não falo de tratados sobre a macroeconomia dos regimes ditatoriais mas a propósito da intervenção dos governos em empresas cujos proprietários de uma ou outra maneira, por não serem partidários dos militares, eram imediatamente rotulados de "subversivos" ou de "ameaças à segurança nacional". No Brasil, a caso Panair, da TV Excelsior, do Correio da Manhã, Última Hora, além de numerosas aquisições favorecidas por quem tinha ligação com os poderosos de plantão (para exemplificar, por pressão do Banco Central, logo depois do golpe militar de 1964, centenas de pequenas instituições bancárias espalhadas pelo Brasil foram incorporadas, sem alternativa, a grupos poderosos, alguns até sem tradição em atividade financeira), são exemplos do braço econômico das ditaduras continentais.
O Globo de hoje traz uma reportagem sobre um relatório de 400 páginas apresentado pela presidente Cristina Kirchner, da Argentina revelando "vínculos" entre os principais jornais do país e a ditadura. O Globo diz que o relatório é apenas um peça da "campanha" que o governo empreende contra a mídia oposicionista local. A liberdade de expressão é invocada, entidades de proprietários de jornais protestam, ok, mas seria bom que a polêmica sobre o relatório Kirchner motivasse pesquisadores a desvendar esse nebuloso aspecto das ditaduras no Cone Sul. O relatório acusa os jornais La Nación e Clarín de terem comprado em 1976 a fábrica Papel Prensa. Os antigos donos teriam sido obrigados pelos militares a venderem o complexo, que hoje fornece papel para 170 jornais argentinos. O Clarim detém 49%, La Nacion 22,5% e o governo 27,5% da empresa. O então proprietário, David Graiver, morreu pouco antes da transação em um suposto acidente áereo no México. A viúva, Lidia Papaleo, viu-se obrigada a fechar negócio com o governo. Seis meses depois, Lidia foi presa e torturada.
No meio disso tudo, registre-se que é no mínimo tensa a relação da presidente Cristina Kirchner com a mídia conservadora argentina. O Clarín apoiou os proprietários ruralistas em recente boicote empreendido contra duas medidas: a não-aprovação de um projeto de financiamentos e subsídios à atividade e a um aumento de impostos de exportação. E o jornal também atribui interesse político do governo à investigação sobre a adoção, nos tempos da ditadura, por Ernestina de Noble, proprietária do Clarín de duas crianças que teriam sido retiradas de presas assassinadas pela ditadura.
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