Yashin no chão, Vavá correndo para as redes. Este é o gol que Ney Bianchi, citado por Bial, narra no Globo de hoje. A foto é de Jáder Neves reproduzida da Manchete Esportiva. |
Trecho do texto de Pedro Bial, no Globo |
por Gonça
Pedro Bial transcreve no Globo de hoje um texto de Ney Bianchi publicado na Manchete Esportiva. A propósito de um sugestão de pauta sobre o "renascimento" do futebol brasileiro feita por Arnaldo Bloch para "Logo, a página móvel", Bial, que não compartilha do mesmo otimismo, contesta a atual fase do futebol brasileiro. E conclui sua argumentação reproduzindo o relato, que chama de "histórico", do repórter Ney Bianchi. Leia a introdução de Pedro Bial e o texto do Ney, em destaque.
(...) "Certas coisas não acontecem duas vezes. Quero fazer um brinde à esperança luzidia do Doutor Bloch, reproduzindo um texto histórico, o relato de Ney Bianchi para a "Manchete Esportiva" sobre um jogo no dia 15 de junho de 1958":
"Monsieur Guigue, gendarme nas horas vagas, ordena o começo do jogo. Didi centra rápido pra direita: 15 segundos de jogo. Garrincha escora a bola com o peito do pé: 20 segundos. Kuznetzov cai e fica sendo o primeiro João da Copa do Mundo: 25 segundos. Garrincha dá outro drible em Kuznetzov: 27 segundos. Mais outro: 30 segundos. Outro. Todo o estádio levanta-se. Kuznetzov está sentado, espantado: 32 segundos. Garrincha faz assim com a perna. Puxa a bola para cá, para lá e sai de novo pela direita. Os três russos estão esparramados na grama, Voinov com o assento empinado para o céu. O estádio estoura de riso: 38 segundos. Garrincha chuta violentamente, cruzado, sem ângulo. A bola explode no poste esquerdo da baliza de Iashin e sai pela linha de fundo: 40 segundos. A platéia delira. Garrincha volta para o meio do campo, sempre desengonçado. Agora é aplaudido.
A torcida fica de pé outra vez. Garrincha avança com a bola. João Kuznetzov cai novamente. Didi pede a bola: 45 segundos. Chuta de curva com a parte de dentro do pé. A bola faz a curva ao lado de Igor Netto e cai nos pés de Pelé. Pelé dá a Vavá: 48 segundos. Vavá a Didi, e este a Garrincha, outra vez a Pelé, Pelé chuta, a bola bate no travessão e sobe: 55 segundos. O ritmo do time é alucinante. É a cadência de Garrincha. Iashin tem a camisa empapada de suor, como se já jogasse há várias horas. A avalanche continua. Segundo após segundo, Garrincha dizima os russos. A histeria domina o estádio. E a explosão vem com o gol de Vavá, exatamente aos três minutos".
Assim Ney encerra seu texto citado por Bial, que conclui:
(...) "Didi centra para direita" - não, Ney Bianchi não errou, assoberbado pela emoção. É raro, muito raro acontecer, mas acontece: quando um homem com nome de passarinho e pernas tortas de aleijado torna-se divino, o centro está onde ele estiver. Tenho saudades do futuro, Doutor Arnaldo".
Fim do texto do Bial. Fica agora o nosso registro: a Manchete e a Manchete Esportiva fizeram uma ampla cobertura da Copa de 1958. Estão lá as reportagens de Ney Bianchi e as crônicas de Nelson Rodrigues. O fotógrafo Jáder Neves trabalhou em dupla com Ney. Sua Roleiflex captou os momentos mágicos daquela seleção brasileira. Bial revive o texto "histórico" do Ney. Mas, e as fotos? Pois é: essa e outras imagens, como a que reproduzo da revista, acima, fazem parte do arquivo fotográfico da Manchete, leiloaado no ano passado e que, pelo que se sabe, jaz atualmente em local ignorado. Gol contra na memória do jornalismo brasileiro. Colegas que trabalharam na Manchete, como José Carlos Jesus, presidente da Comissão de Ex-Empregados da Bloch Editores, já levantaram o problema junto ao Ministério da Cultura e outras instituições públicas e privadas. Sem êxito. Atualmente, um grupo de fotógrafos tenta, através do Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro, buscar informações sobre o acervo que pertenceu à Manchete.
Um comentário:
Duplamente sensacional, pelo texto e pelas jogadas que narra. Mano Menezes, Nilmar, Julio Cesar e outros devem ler isso para ver se perdem a arrogâncio. Não mostraram nada ainda e parecem uns caras de bola cheia. Eu, hein?
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