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| Reprodução Twitter/Folha de São Paulo |
Bolsonaro já ameaçou atacar os Estados Unidos com pólvora. Não precisou. No rastro do deboche com que o psicopata trata a pandemia, o Brasil se tornou um grande produtor mundial de variantes do vírus.
O Washington Post, hoje, noticia que uma das cepas brasileiras já contaminou 434 pessoas em Massachusetts, Illinois e na Flórida.
Não se pode dizer que o governo Bolsonaro não está diversificando a pauta de exportação
| “Mulher sentada perto de uma janela” segundo Picasso: o quadro que nasceu de uma "cantada" |
Em 1927, Pablo Picasso abordou na rua, em frente à Galeria Lafayette, a adolescente Marie-Théràse Walter, 17 anos. Uma "lolita" que, provavelmente, estava a caminho da escola. Era o que, hoje, as redes sociais chamam do "novinha". Picasso tinha 45 anos e era casado com a ucraniana Olga Khokhlova. Sedutor, ele falou para a menina que gostaria de pintar um retrato seu. Equivalia hoje, muito mal comparando, a propor à jovem uma capa de revista. Houve um segundo encontro na Gare Saint-Lazare. A conversa do espanhol funcionou.
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| Thérese, a "novinha" de Pablo Picasso. |
Thérése foi morar em um apartamento próximo ao do pintor e nos anos seguintes posou para dezenas de obras, incluindo esculturas e desenhos. Picasso nunca a assumiu, como se diz.
Uma dessas obras, o quadro “Femme assise près d’une fenêtre” (“Mulher sentada perto de uma janela”) será leiloada no próximo dia 11 de maio, em Nova York. O cubismo ganhou formas sensuais no traço apaixonado do pintor e, embora nem desconfiasse disso na época, incorporou na paleta o verde das notas de dólar. O quadro poderá ser arrematada por US$ 55 milhões, segundo a Christie’s.
Muito mais do que o sorvete que Picasso ofereceu à menina há 94 anos.
por Flávio Sépia
Quando mídia passou a adotar os apelidos "carinhosos" dos bandidos, dos acusados ou suspeitos de crimes?
Fernandinho Beira-Mar. Não é fofo?
Já faz tempo que a regra para marginais era grafar Fernando Luiz da Costa, vulgo "Fernandinho Beira-Mar". José Rosa Miranda vulgo "Mineirinho", o apelido era a grife do bandido famoso na década de 1960, mas imprensa sempre pedia passagem para dar o nome da certidão. Sem intimidades.
Agora tem aí o tal do "Dr. Jairinho". O elemento é suspeito de um crime hediondo. O correto é Jairo de Souza Santo, vulgo "Dr. Jairinho". Havia um traficante com ligações na Colômbia e Paraguai, era peixe graúdo, está foragido. Ganhou as manchete como "Leozinho". Ouvido assim no rádio e TV até parece que o jornalista está falando de um amigo tão do peito que até convidaria para um churrasco na laje. Em outro campo de atuação, Garotinho, Rosinha e uma raríssima exceção, "Pezão". Marcinho VP foi um bandido carioca famosos. Foi tema de best seller e de documentário. Chamava-se Márcio Amado de Oliveira e atuava em Botafogo. Foi ele quem garantiu a segurança de Michael Jackson e de Spike Lee na favela Dona Marta para gravar o clipe. Correu tudo bem, o clipe circulou no mundo, os astros saíram ilesos assim como a imagem do Rio, pelo menos em relação à integridade dos visitantes.
O Rio já teve o grupo dos "inho". Era policiais condenados por lavagem de dinheiro e ocultação de bens que atendiam pela alcunha de "Helinho", "Jorginho". Tantos eram os diminutivos da quadrilha que a mídia até apelou para o coletivo "grupo dos inhos".
A famosa planilha de jabaculês da Odebrecht tinha um deputado conhecido como "Fodinha". Mas esse os coleguinhas abdicaram do uso público.
por Flávio Sépia
Na Itália, o humorista Beppe Grilo, fundador e líder do Movimento 5 Estrelas, antissistema, ganhou enorme influência política, conquistou prefeituras, elegeu grandes bancadas de deputados, senadores e até eurodeputados. O comediante Volodymyr Zelenskiy é o atual presidente da Ucrânia. Na Bulgária, o cantor e apresentador Slavi Trifonov, que faz quadro cômicos ao lado de uma marionete, foi a surpresa em recentes eleições parlamentares, não desalojou do poder o partido majoritário mas vai ter influência na formação do novo governo.
O Brasil pode entrar nessa onda. Danilo Gentili, apresentador e humorista, é cogitado pelo MBL para disputar as eleições presidenciais ano que vem. A ideia que nasceu de uma piada pode evoluir para o palanque. Como as pesquisas dão Lula e Bolsonaro na ponta e o resto dos atuais presidenciáveis, tipo Ciro, Dória, Moro, Huck etc, patinando lá atrás, nada impede que outros partidos também recorram a comediantes. Por que não?
Tiririca - Já tem experiência política, é deputado federal. Foi o autor do slogan "vote Tiririca, pior do que tá não fica".
Dani Calabresa - Pode ser a chance de outra mulher voltar à presidência. Terá como bandeira a luta feminista contra assédio.
Didi Mocó - O Brasil finalmente assumiria ter um "trapalhão" no governo. E Joe Biden está aí para mostrar que idade não é problema.
Carlos Alberto Nobrega - Pode perfeitamente governar do banco da Praça é Nossa, que já funciona como uma espécie de ouvidoria pública.
Mamãe Falei, como é conhecido o deputado estadual de São Paulo Arthur do Val, é um liberal identificado com a direita, já levou uma tapa de Ciro Gomes, isso deve valer uns votos. Tem a opção de ser vice de Danilo Gentili.
Emilio Surita - do Pânico, ligado à facção mais à direita da rádio Jovem Pan ultradireitista.
Marcelo Tas - conduziu o humorístico CQC. O CQC acabou mas ele ainda é considerado "engraçado".
Tom Cavalcanti - A vantagem é que, se eleito, pode governar como vários dos seus personagens de acordo com a ocasião. Ana Maria Bela, Capitão Sentimento, Michel Tomer, Pedro Bilau e, principalmente, João Canabrava.
Paulo Guedes - Reparem nas declarações debochadas do comediantes da Economia. É uma veia de humor politicamente incorreto. Faz piada de tragédia e rindo sacaneia o povo. Tem chances como concorrente ao stand up do Planalto.
Humoristas que não saíram do armário. É muito cedo ainda e analistas acreditam que vão surgir outros candidatos. Não faltam comediantes não assumidos que podem tentar subir a rampa do Planalto. Damares, general Heleno, Mourão, Osmar Terra, Janaína Paschoal... 2022 promete.
Milhões de brasileiros estão desempregados e a pobreza cresce (como já vinha crescendo bem antes da pandemia) em um país que é dirigido apenas pela especulação financeira e ignora os problemas sociais. O Brasil amplia a cada ano a desigualdade de renda que já é uma das mais cruéis do mundo. Os bozorocas já podem ir para a rua vestidos com a camisa da CBF para cantar "a grana do mundo é nossa, com brasileiro não há quem possa"... Claro que a maior parte desse dinheiro está no exterior. Sempre bem lavado. Na lista há alguns devedores do fisco com dívida a pagar a perder de vista. Basta raciocinar: se o Brasil perde empregos a cada dia, pode-se concluir que a riqueza dos bilionários que viceja na pandemia não cria postos de trabalho. Aqui, grande fortunas estão a salvo de impostos, multiplicam-se apenas nas bolsas de apostas de Wall Street, nas contas suíças, e faturam no quanto pior, melhor.
| Foto:Instagram |
https://www.youtube.com/watch?v=56mXEqg6FdA
Depois de um desjejum apressado – as crianças estavam ansiosas para começar a busca – eu distribuía para cada uma a papeleta número 1: “Procurem com aquele menininho muito mentiroso pendurado no escritório.” Era um boneco antigo do Pinóquio, que Roberto e Natasha adoravam, o brechó espanhol da Rua da Matriz relutou muito em vender, alegou razões afetivas, era brinquedo de um menino da família que morreu muito cedo. Numa das dobras do boneco articulado estava a papeleta número 2: “Abram a porta da rua e procurem no amigo que leva vocês para a escola.” Era o automóvel estacionado em frente de casa na vila, a papeleta enfiada em alguma de suas fendas, ou num local mais óbvio, como debaixo do limpador de para-brisas. (Como ensinou Poe em A carta roubada, o esconderijo óbvio é às vezes o mais dissimulado e difícil de achar.) Minha mulher, Lena, acompanhava Natasha, que tinha cinco, seis anos; Roberto, esperto, seis anos mais velho, dispensava consultoria. A caça às papeletas prosseguia pela casa de vila de Botafogo, com dois andares e terraço. Uma de minhas pistas mais criativas foi esconder a papeleta na barriga de um cágado, colada com fita adesiva. (“Aquele que se arrasta junto das plantas na área dos fundos.”)
Um ano, a caça ao ovo aconteceu em Itaipava, onde tínhamos um chalé. Numa das pistas, mandei as crianças procurarem “na piscina ou em volta dela”. Era uma pequena piscina de PVC, ninguém ousaria entrar nela na fria manhã de outono. Logo ao amanhecer, coloquei as papeletas dentro de uma garrafa incolor de PVC, amarrei-a a uma pedra e mergulhei na piscina. Um barbante meio azulado, da cor da água, prendia a garrafa à borda da piscina. Depois de uns cinco ou dez minutos, as crianças pediram arrego, tive de revelar o truque.
Roberto – que fez 40 anos em dezembro – mora há treze anos na Europa, atualmente é chef confeiteiro num restaurante de Edimburgo. Natasha – que faz 35 em maio – ao chegar o momento da escolha profissional, falou para nós: “Pai jornalista, fudido; mãe fotógrafa e jornalista, fudida; irmão jornalista, fudido; vou fazer uma coisa que dê dinheiro, pelo menos.” Formou-se em Análise de Sistemas e Administração de Empresas. Por conta da TI, está há quatro anos fora do Brasil: dois na Austrália e os últimos dois em Stuttgart, Alemanha. Na impossibilidade de mandar os ovos de Páscoa, vou mandar o link do Rimsky-Korsakov para eles – duvido muito que ouçam.
Nesta época de aplicativos e redes sociais, ignoro o tipo de domingo de Páscoa que vivem as crianças. Duvido muito que tenha algo a ver com aqueles dos meus filhos. Que, na verdade, foram os meus domingos de Páscoa, inesquecíveis.
Era uma vez sete amigos, estudantes na cidade do Crato, no Ceará. Em 1968, na idade do vestibular, todos migrariam para tentar o ingresso na faculdade de uma importante capital do Brasil, como Fortaleza, Recife, Natal, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Se o Crato foi o ponto de partida, os novos destinos dos amigos se diversificaram e a vida os separou.
| Assis Lima em foto de 1976. |
Transcrevo aqui algumas destas cartas, todas endereçadas a Assis Lima, o interlocutor e editor – uma espécie de regente desta sinfonia literária sobre o Brasil no período de 1968 e 1977. Diz ele: “Como toda escrita é sempre uma construção também ficcional, poderíamos dizer que estas cartas são baseadas em fatos reais, de modo que qualquer semelhança com a realidade não será mera coincidência.”
Eugênio Gomez nasceu em Joinville, SC, em 1950, aos oito anos mudou-se para Belo Horizonte, passou pelo Crato e depois se formou em medicina pela UFMG, especializando-se em pediatria – daí sua afinidade com Assis Lima, igualmente médico, além dos interesses dos dois por literatura e cinema.
• “Pois romancista, meu caro, é Dostoiévski! Jamais houve e dificilmente haverá quem se lhe iguale. Aliás, meus monstros sagrados são Machado de Assis, Manuel Bandeira, Dostoiévski, Pelé, John Ford, Chico Buarque e outros poucos.” [1971]
Comentário em 2020: “Confesso que li Crime e Castigo aos 15, por sugestão de meu pai, que sabia de cor os 14 tomos encapados de vermelho-escuro em nossa nem tão pequena biblioteca e reli aos 21 anos, na azáfama do terceiro ano de Medicina: como tive saco, o que me impeliu? Não me lembro. Seria a delicada figura de Sônia, por quem estive amorosamente atraído nas duas leituras? Pergunto ao vento, sem respostas.”
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| Crato, 1967: Tiago Araripe, José Esmeraldo. |
• “Fiquei muito chocado com a notícia do suicídio de A. Disseram que ele ligou o gravador, explicou por que se despedia da vida e – PUM – um tiro no ouvido. A princípio não acreditei. Mas sempre o achei muito estranho. Ele dizia, no São João Bosco, que ia suicidar-se, mas que antes mataria um bocado de pessoas com uma corrente, de pancada. Sempre levei na brincadeira, ou como impressão dele pelos filmes de James Dean e Paul Newman, ou por Hitler, a quem dizia que admirava. Não sei o que ele disse no gravador, pois as notícias que me chegaram foram incertas, confusas.
Comentário em 2020: "Alfredo Tavares, no cursinho, teve um choque enorme quando lhe contei o sucedido. Ele me disse que era um amigo de A. e que este sempre lhe falava que não passaria de 1968. Estou sentido com o que aconteceu. Apesar de não me dar com ele, representava algo na minha vida, na vida do Crato. A. sempre se julgou incompreendido e isso é o mais triste da história – era um desajustado ao meio onde vivia, não sei se você está compreendendo o que sinto, pois no fundo ele me influenciou um pouco e...” [1968]
Pedro de Lima nasceu em 1947 em Caxias, Maranhão, estudou no Crato, em Brasília, trabalhou na Universidad del Valle, em Cali, e é mestre em Antropologia Social (UFRN) e doutor em Arquitetura e Urbanismo (USP).
• “Que coisa triste a pátria acorrentada. Triste ver a pátria sendo apunhalada, traiçoeiramente. Tristeza, como o exílio na própria pátria. Calar não posso; gritar é perigoso. Não há ódio, não há vingança: o que sinto agora é nojo. Realmente, agora, lágrimas me vêm nos olhos. Já não queria tanto que elas irrigassem as rosas que cultivo. Queria minhas lágrimas lavando a vergonha, o sangue dos brasileiros que se derrama em minha Pátria! Inútil! Nem se todo mundo chorasse lavaria as manchas que enegrecem o solo brasileiro. ‘Ah! Triste tempo presente em que falar de amor e flor é esquecer que tanta gente está sofrendo tanta dor.’” [1968]
José Esmeraldo Gonçalves nasceu no Crato em 1948, mudou-se para o Rio de Janeiro – onde vive até hoje – em 1968. Foi repórter, chefe de reportagem e editor das revistas Fatos &Fotos e Manchete, subeditor do Segundo Caderno do Globo e editor das revistas Caras e Contigo. Como autor e pesquisador participou das coletâneas Esporte e Poder e Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou. Desde 2009 edita o blog Panis cum ovum, no qual os jornalistas que trabalharam em Manchete e nas outras revistas da Bloch continuam ativos – e criativos.
• “Na hora em que fui preso havia um clima de guerra, gente correndo, sozinho, tiros, bombas, sangue, pedras, falta de ar e luta. Fui metido num carro fechado. Estava um pouco machucado. Não sei bem o que pensei, talvez tenha pensado em Deus. Depois de rodar algum tempo pelas ruas, entramos num quartel (eu não tinha a menor ideia de onde estava). Fui revistado, checaram minha pasta. E passei pelo primeiro interrogatório. Fui levado até um imenso galpão, onde foram colocados mais de cem outros presos. Conversamos, discutimos e, quase 24 horas depois, deram-nos uma sopa. Após esse almoço, fomos transferidos em grupos de dez para o Dops. Novo interrogatório, mais rigoroso. Verificação de antecedentes. Mais perguntas. Até ser solto por ter sido a minha primeira entrada no Dops. Mas, fui advertido. Na segunda vez, posso ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional (!). “Eles” acertaram o meu eu material, físico. “Eu” espírito, pensamento, saí enriquecido da experiência. Incólume!” [1968]
Emerson Monteiro nasceu em 1949 em Lavras da Mangabeira, no Ceará. É advogado, cronista, fotógrafo e artista visual. Ex-assessor de comunicação da Universidade Regional do Cariri, é o atual diretor administrativo da FM Universitária Urca. Autor e editor de livros, é membro da Academia Lavrense de Letras e do Instituto Cultural do Cariri (Crato).
• “Aqui [na Bahia], tenho participado das movimentações urbanas. Teatro. Cinema. Música. O MDB ganhando as eleições no Brasil todo. Eu com os olhos bem abertos – me emocionando. O povo – realmente existiria? A sede política me queima a garganta. O social.
Tenho lido pouco – andei cansado – tendo que manter o equilíbrio. Mas me livro do semestre da escola e virá dezembro – gordo e aberto. Virão também as festas da Bahia. A alegria desce e aliena a todos. As cores na cidade.” [1974]
Flamínio Araripe nasceu no Crato em 1952. É jornalista e assessor parlamentar na Câmara Federal. Foi correspondente do Jornal do Brasil e do Jornal da Ciência, do SBPC, no Nordeste. Em São Paulo trabalhou no Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo. Foi editor de Cidade no O Povo, de Economia no Diário do Nordeste.
• “Flamínio Figueiredo de Alencar Araripe em 1971. O cabelo cortado e a cabeça crescendo claustrofóbica ante a relva verde. Careta e não gosta das modas do nada e do não – ou seja, o Crato e suas modas, juventude que contesta inerte aos pés do Establishment – isto está uma merda.
Papel rasgou e daí? Menos letras no espaço limitado por mais que se berre, a barra a ser forçada inexiste, os ares estão (in)formados para a forra – o trilho desperta o sono no som e engole o trem bocejando, sem esforço. A falta de sentido mostra claro sombrio o tema – a trama desdobra a rebordosa sob a exata porcaria o exato momento a falta de sentido mostra, delineando, o tema – na mata poeira levantando as partículas do pensamento e justamente etcetera. O mal do novo é preguiça ou cansaço. A maior burrice é a ignorância. Faltou o leite das cachorras do onde. A traça corrói muito sutil as bases definidas, defendidas, defasadas – a ilusão adiada de cada dia a dia. Minha bisavó é uma pessoa sensata e faria, na calma da velhice, uma dúzia de revoluções muito tranquila. [1971]
O editor
Assis Lima nasceu no Crato em 1949. Médico pela Universidade Federal de Pernambuco, especializou-se em Psiquiatria em São Paulo. Mestre em Psicologia Social (USO). Autor do livro Conto popular e comunidade narrativa (1985), com Prêmio Sílvio Romero – Funarte). Organizou a coletânea Contos populares brasileiros – Ceará (2003). Coautor dos infanto-juvenis Baile do menino Deus (1995), Bandeira de São João (2012), Arlequim de Carnaval (2011) e O pavão misterioso (2004). Autor de Poemas arcanos (2008), Marco misterioso (2011) e Chão e sonho (2011, poesia), tendo publicado pela Confraria do Vento os livros Terras de aluvião (2016), Poemas de riso e sizo (2017) e O código íntimo das coisas (2019).
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| Terra em transe, de Glauber Rocha, lançado em 1967. |
por Ed Sá
A propósito do post abaixo sobre a estreia de Os Cafajestes, em 1962, é justo complementar: naquele ano foram lançados dois outros filmes que também fazem parte da história do cinema brasileiro. Um deles foi Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias. O outro, O Pagador de Promessas, dirigido por Anselmo Duarte.
O Assalto ao Trem Pagador levou para as telas um roubo espetacular que aconteceu no Rio de Janeiro, em 1960. A ação dos seis integrantes da quadrilha foi recriada com o mesmo trem e no mesmo ramal ferroviário do fato policial, mas o filme dramatiza principalmente a vida de cada um dos assaltantes após o roubo, com o bando tensionado pelas investigações e deslumbrado pela montanha de dinheiro (27 milhões de cruzeiros, com um salário mínimo valendo na época 13.440 cruzeiros) arrecadados.O Pagador de Promessas foi o primeiro filme brasileiro a conquistar a Palma de Ouro, em Cannes, e também a primeira produção nacional a ser indicada para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Foi escrito e dirigido por Anselmo Duarte. Conta a história de Zé do Burro e aborda a intolerância religiosa, um tema bem atual.
O elenco tinha, como destaques, Leonardo Villar, Glória Menezes, Dionísio Azevedo e Geraldo Del Rey, Anselmo filmou O Pagador em Salvador e Monte Santo, na Bahia.
por Ed Sá
"Os Cafajestes" foi filmado em 1961, há 60 anos. Estreou em março de 1962. Ficou apenas 10 dias em cartaz antes de ser interditado pela censura. Apesar disso, foi um fenômeno de público. atraiu pouco mais de 2 milhões de espectadores, algo inédito então para um filme brasileiro.
Hoje, em tempos de redes sociais, fala-se muito em sextorsão on line. Trata-se da prática criminosa que consiste na ameaça de divulgar vídeos e fotos comprometedores hackeados ou gravados por namorados ou amantes. Em troca da destruição dos nudes, como se chamam atualmente, os criminosos exigem dinheiro.Pois a trama de "Os Cafajestes" era, descontadas as adaptações tecnológicas, quase semelhante. No Rio de Janeiro da época, o playboy Jandir (Jece Valadão) e o amigo Vavá (Daniel Filho) planejam fotografar nua a sensual Leda (Norma Bengell), amante do tio do primeiro, com o objetivo de chantageá-lo. Sob a direção de Ruy Guerra, o filme entrou para a história com a primeiro nu frontal do cinema brasileiro. A sequência de Norma Bengell nua, na Praia do Forte, em Cabo Frio, dura quatro minutos e se tornou clássica.
por José Esmeraldo Gonçalves
A mídia analisa nos últimos dias a ameaça de um golpe rondando o Brasil. A democracia está novamente sob cerco. Os sinais são intensos e mostram que atitudes e decisões antidemocráticas não surgem por acaso e nem são isoladas. Constituem um processo coordenado. Repetem-se ora como tentativa de decretar Estado de Sítio para concentrar poderes ora como Mobilização Nacional para disfarçar intervenção em estados e municípios. Nos bastidores nada ocultos formam-se milícias que lançam ameaças de morte a adversários sem que sejam punidas, forças policiais são cooptadas e o governo investe sobre as Forças Armadas. Alguns generais da reserva afirmam que o exército não entrará em aventuras. Congresso e STF reagem timidamente. E o mecanismo da ameaça - esse sim, um mecanismo - gira.
Hoje é 31 de março. Uma das datas mais lúgubres da história do Brasil. O marco zero de uma ditadura que assassinou brasileiros, que foi capaz de torturar pais na frente de crianças, que estuprou presas, que que moeu corpos em instalações industriais, que praticou atos terroristas, que fechou o Congresso, que manipulou o STF, que se apoderou de empresas de adversários, que produziu escândalos abafados pela censura, que fez milionários, que favoreceu grupos corporativos e instituições financeiras.
Dia de lembrar.
Dia de lembrar um caso simbólico e comovente que o jornalista Paulo Nogueira, criador do DCM, contou em 2015, pouco menos de dois anos antes de morrer, vítima de câncer, em 2016.
Foi como um alerta premonitório.
Paulo assistira a um documentário de 1971, gravado no Chile. "É um trabalho rústico, uma câmera e depoimentos. E é sublime como retrato de uma época sinistra", escreveu. Dois americanos – Haskell Wexler e Saul Landau — que foram ao Chile para entrevistar Salvador Allende, localizaram em Santiago um grupo de brasileiros que haviam sido torturados no Brasil e só estavam vivos porque foram trocados pelo embaixador da Suíça Giovanni Bucher, após sequestro realizado pela organização guerrilheira Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).
| Dodora, 1971. Reprodução de "Brasil, um relato da tortura |
Após a queda de Allende, Dodora mudou-se para a Alemanha. Jamais voltou ao Brasil. Um dia, em Berlim, ao sair de uma consulta psiquiátrica - além da dor do exílio, ela lutava contra os traumas das barbaridades que sofreu nas mãos dos agentes da ditadura - Dodora deu fim ao seu drama jogando-se sob as rodas de um trem. Tinha apenas 31 anos.
Em 2010 - contou Paulo Nogueira - Dilma Rousseff discursou após ter seu nome confirmado como candidata à sucessão de Lula. “Não posso deixar de ter uma lembrança especial para aqueles que não mais estão conosco. Para aqueles que caíram pelos nossos ideais. Eles fazem parte de minha história. Mais que isso, eles fazem parte da história do Brasil.”. Dilma citou Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto; Iara Yavelberg e Dodora.
No momento em que o Brasil volta a conviver com "ordem do dia" que saúda a ditadura dos torturadores e assassinos, o sacrifício de Dodora mostra onde esse caminho vai dar.
O documentário "Brasil, um relato da tortura" pode ser visto AQUI
O filme biográfico "Alma Clandestina" conta a vida de Dodora AQUI
Com alguns jogos das Eliminatórias de Copa 2022 em andamento na Europa, seleções protestam contra o Catar, que sediará o torneio e não é país que respeita direitos humanos, algo comum aos países islâmicos. Para construir os estádios, o Catar utiliza mão de obra de imigrantes em condições degradantes. Quase sete mil trabalhadores já morreram desde o começo das obras. Só isso já vai determinar que a Copa de 2022 estará manchada pela morte. A FIFA e a CBF não se pronunciaram sobre os protestos dos europeus. E, provavelmente, não precisarão se preocupar com possíveis manifestações dos jogadores brasileiros. A grande maioria ignora até o que seja a expressão direitos humanos.

Guaratuba ao por do sol. Reprodução Facebook
Naquele ano os homens se rebelaram em Guaratuba. Meu tio José e seus
cupinchas da turma do Moyses Lupion recusavam-se terminantemente a comer peixe
na Semana Santa. Alegavam que a religião proibia apenas carnes vermelhas e
autorizava as carnes brancas, era como se fossem peixe. O jacaré tinha carne
branca como a da galinha. Decidiram caçar um jacaré bem grande para a família
toda. As mulheres ouviram caladas com cara de tacho, o cânone ancestral estava
do lado delas havia gerações. Seu silêncio era um sonoro “não”. Tio José apelou
então para um argumento imbatível: o próprio Deus era carnívoro, está lá em todas
as letras logo no comecinho da Bíblia. Correu a apanhar uma velha edição do
Santo Livro que pertencera a seu tio, Monsenhor Eugênio Dalledonne. E leu, com
voz solene, no grande salão da casa de praia de Guaratuba: “Gênesis 4: 1 Adão teve relações com Eva, sua mulher, e ela engravidou e deu à luz
Caim. Disse ela: "Com o auxílio do Senhor tive um filho homem". 2 Voltou a dar à luz, desta vez a Abel, irmão dele. Abel tornou-se pastor
de ovelhas, e Caim, agricultor. 3 Passado algum tempo, Caim trouxe do fruto da terra uma oferta ao Senhor.
4 Abel, por sua vez, trouxe as partes gordas das primeiras crias do seu
rebanho. O Senhor aceitou com agrado Abel e sua oferta, 5 mas não aceitou Caim e sua oferta. Por isso Caim se enfureceu e o seu
rosto se transtornou.” E, dando vazão ao seu ateísmo, herdado do avô anarquista, concluiu:
“Estão vendo, não só o Senhor era um tremendo carnívoro, como promoveu o
primeiro homicídio da história!”
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| Reprodução Facebook |
O jacaré chegou ainda vivo, todo amarrado
com cordas grossas, a couraça furada por mais de uma dezena de tiros. Era um
bicho respeitável, quase dois metros de comprimento. Ainda se debateu por uma
meia hora antes de morrer. O sol de outono lançava seus últimos raios sobre as
águas plácidas da baía e começava a se esconder detrás da Serra do Mar – envergonhado
de tudo aquilo talvez. No atracadouro da baía de Guaratuba os caçadores,
espingardas na mão, sorriam orgulhosos. Eram quatro, mais o piloto da lancha.
Ali se caçava de tudo – aves das mais variadas espécies, até mesmo garças e
tucanos, macacos de todos os tipos e tamanhos, pacas, tatus e capivaras – ali também,
naqueles tempos ecologicamente incorretíssimos, se comia de tudo. Um jacaré era
mais raro.
Para nós, crianças, as aventuras dos
caçadores estavam cercadas de mistério e heroísmo. E foi assim que, naquela
noite de Sexta-feira Santa de 1950 jantamos rabo de jacaré à milanesa, todos
acharam a carne uma delícia, tenra, um misto de peixe e frango.
Foi preciso que décadas se escoassem para nos
darmos conta de como éramos selvagens. Um belo dia raiou na minha consciência
que o herói de tudo aquilo era o jacaré. Dediquei a ele uma frase de um conto
de Hemingway. Hoje é sexta-feira.
(Hemingway, também caçador e amante de touradas, só perdoado por seu trato
sensível com as palavras). Três soldados romanos bebem à noite numa taverna de
Jerusalém e discutem os acontecimentos do dia. Naquela tarde eles acompanharam
a crucificação de Cristo. Ao longo da história, um deles repete um bordão: “I
thought he was pretty good in there today.”/ “Achei que ele se comportou
muito bem ali.” (Referindo-se a Cristo pregado na cruz.)
Achei que o jacaré de Guaratuba se comportou
muito bem ali – apesar do cordame e de todas aquelas balas no corpo...
Em poucos dias vou tomar a segunda dose da vacina. Caso se cumpra o vaticínio sinistro do nosso piadista de caserna – e eu me veja transformado num jacaré – só espero que seja naquele valoroso jacaré de Guaratuba.
O regime bolsonarista é viciado na suástica. Cheira uma trilha de racismo e intolerância quase todo dia. Se não fosse, como explicar o uso reincidente de tantas referências fascistas, nazistas e racistas. É uma nítida preferência. Um sujeito, membro do atual regime, penteia o cabelo e monta todo um cenário caprichado para compor seu grande discurso inspirado em frase de Goebbels. Outro, o líder supremo, encena beber um copo de leite explícito em live nacional, gesto adotado pela direita racista dos Estados Unidos. Mais um outro, o marqueteiro gomalinado do gabinete do ódio usa um gesto adotado pelos supremacistas brancos em pleno Senado Federal. Aliás, o que fazia o elemento bem ao lado do presidente do Senado? O indivíduo mostrou por duas vezes a mão direita com polegar e indicador em círculo, dedos médio, anular e mínimo esticados. Mandou o recado no palco do Congresso Nacional. Nem todo mundo entendeu, mas ele se comunicou perfeitamente com a gangue usando um gesto-símbolo adotado pelos iniciados. Os racistas amigos do funcionário do Planalto estão rindo até hoje do deboche no Congresso. Foi o equivalente moral tupiniquim da invasão do Capitólio pelas hordas do führer Trump
Existem muitos outros símbolos de ódio da direita terrorista americana onde esses brasileiros militantes do racismo vão buscar inspiração. Tudo isso significa muito. É uma obra em progresso que, sem espaço para dúvidas, traduz o ambiente atual.
Os democratas vão ter que acordar e, principalmente, aprender sobre isso se quiserem sobreviver..
Veja aqui alguns significados e fique atento.
- 1-11 é um numeral Cavaleiros Arianos. Substituindo letras por números 1 e 11 significam A e K, ou seja, Cavaleiros Arianos na sigla em inglês.
- 100% é branco" entre os supremacistas brancos. O 100% é usado em frase do tio "sou 100%".
- 109 - o número é uma abreviatura numérica da supremacia branca para o número de países dos quais os antissemitas afirmam que os judeus foram expulsos. Ao pedir a expulsão de judeus dos EUA, eles costumam se referir aos EUA como o 110º.
- 13/52 e 13/90 são códigos numéricos racistas usados por supremacistas brancos para retratar os afro-americanos como selvagens e criminosos. Os supremacistas brancos afirmam que os negros representam apenas 13% da população dos Estados Unidos, mas cometem 52% de todos os assassinatos e 90% de todos os crimes interraciais violentos.
- 18 é um código alfanumérico de supremacia branca para Adolf Hitler (1 = A e 8 = H).
Os neonazistas também usam símbolos gráficos. Há muitos outros, mas veja alguns a seguir:
| Logotipo do partido nazista húngaro antes da Segunda Guerra |
| Da sigla em inglês "a klans man I am". Usado pelas novas gerações da Ku Klux Klan. |