sábado, 7 de janeiro de 2023

Quem lucra com a política de juros altos do Banco Central


Monica de Bolle é carioca e mora em Washington D.C. Trabalhou no FMI, foi professora da PUC-Rio. Atualmente é professora da School for Advanced International Studies da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics. 
Neste artigo publicado no Twitter, ela explica as razões da ofensiva do "mercado" e da mídia neoliberal contra o governo Lula deflagrada nos primeiros dias da nova gestão.  Pela clareza e pela força dos argumentos, vale a pena ler para entender a alta de juros na segunda metade do governo Bolsonaro



Relacionando o Fiscalismo à Inflação (*)

Quando a inflação sobe é preciso aumentar a taxa de juros, certo? Os livros de economia dizem isso, os fiscalistas insistem nisso, a mídia não cansa de escrever isso. Logo, só pode estar certo, não? Não.

Ou, melhor dizendo, não necessariamente. Inflação em alta não é, de cara, motivo para aumentar os juros de forma rápida e intensa. Para tanto, é preciso ter um diagnóstico. Qual diagnóstico justifica a alta expressiva dos juros?

Quando a inflação tem causas quase unicamente domésticas -- sejam gastos públicos elevados, consumo "excessivo", espirais salário-preços -- é trabalho do Banco Central conter as pressões por meio da elevação dos juros, dados seu mandato e o regime de metas de inflação.

Ainda assim, os juros não são o instrumento perfeito de contenção inflacionária, mas constituem o melhor que temos para enfraquecer os impulsos que levam aos aumentos de preços.

Pensemos agora em outras situações.

Especificamente, imaginemos que as causas da inflação sejam, sobretudo, externas. Por exemplo: a inflação pode ter subido porque a China, com a adoção da COVID zero para combater a pandemia, desarticulou as cadeias de produção globais. 

A inflação pode, também, ter subido por causa da alta dos preços do petróleo provenientes da guerra entre a Rússia e a Ucrânia.

Se esses forem os fatores predominantes da alta inflacionária brasileira, aumentos de juros para conter a inflação serão menos eficazes.

O que isso significa? Significa que ou o Banco Central terá de elevar os juros para um patamar mais alto para alcançar o mesmo resultado de contenção inflacionária do que se as causas fossem internas. Ou, alternativamente, significa que o Banco Central pode...

...elevar menos os juros e aguardar até que as condições externas causadoras da inflação tenham se estabilizado.

Qual o diagnóstico para as causas da aceleração inflacionária brasileira observada em 2021?

Uns acham que são sobretudo internas, embora seja difícil apontar quais são, exatamente. Afinal, todos sabem que a economia não andou nada bem e que a fome, a pobreza, o desemprego, o subemprego, aumentaram no período.

Como a inflação brasileira subiu junto com a inflação no resto do mundo, parece bem mais certeiro o diagnóstico de que suas causas sejam, sobretudo, externas.

O BC optou por combater a inflação de origem externa elevando rapidamente os juros de 2,75% em março de 2021...

...para os atuais 13,75%. Isso significa que a despesa financeira, isto é, a despesa com o pagamento dos juros da dívida, aumentou em cerca de R$ 740 bilhões ao longo de apenas 15 meses (de março de 2021 até junho de 2022). 

Os fiscalistas argumentam que as despesas estão muito elevadas, que não há espaço para financiar programas sociais na magnitude que o governo anunciou. Contudo, a base de sua argumentação é a despesa primária, aquela que exclui os pagamentos de juros da dívida.

Desse modo, ocultam o estrepitoso crescimento da despesa que realmente interessa: a despesa financeira. Por que? Porque quem recebeu os R$ 740 bilhões com a elevação dos juros para combater uma inflação de causas externas foram aqueles que detém títulos públicos.

Quem detém títulos públicos? Ora, não são os mais pobres, as pessoas em situação de fome, os desempregados, as pessoas que vivem nas favelas, enfim, não é a maioria da população brasileira. São os donos de fundos de investimento. São os fiscalistas, ou seus representantes.

Portanto, reparem na oportunidade conferida pela inflação externa aos detentores de títulos: por causa da resposta do BC (essa não é uma crítica ao BC), detentores tiveram ganhos extraordinários, com risco zero, e alta liquidez. Explico.

Risco zero: não há risco de calote da dívida pública, logo os rendimentos recebidos não refletem qualquer problema futuro de capacidade de pagamento do governo.

Alta liquidez: liquidez é dinheiro na mão. Títulos públicos podem ser vendidos nos mercados secundários em troca de moeda. Dinheiro vivo.

Portanto, entre março de 2021 e junho de 2022, receberam os detentores de títulos uma elevadíssima rentabilidade sem qualquer risco e, ainda por cima, com alta liquidez. A tríade rentabilidade alta, risco zero, e liquidez é uma distorção.

Uma distorção que distribui recursos para os que têm mais, não permitindo sobras para quem tem menos. A pobreza aumentou, a fome também. Por que? Porque os recursos públicos são limitados.

Está aí o resumo do conflito distributivo da segunda metade do governo Bolsonaro.

Os alarmes soam porque, francamente, quem quer largar rentabilidade com liquidez e risco zero? Quem quer perder seu quinhão para dar a quem precisa?

Eis a distorção brutal sobre a qual pouquíssimos falam.


(*) Texto reproduzido do Twitter

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