domingo, 8 de julho de 2018

60 anos de bossa nova: A protofonia do Guarany • Por Roberto Muggiati

O trio Ludus Tertius, de Gebran Sabbag (piano), Norton Morozowicz (contrabaixo) e Guarany Nogueira (bateria) no programa de tevê A Grande Chance, de Flávio Cavalcanti, em 1969. Divulgação/TV Tupi


Guarany em foto mais "outonal". Acervo Pessoal

João Gilberto fazendo beicinho na capa do LP "Chega de saudade". A foto é de Chico Pereira

por Roberto Muggiati


Abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim,” rezava a letra, mas o clima no estúdio era de “brigas sempre mais" que marcava a relação yin/yang entre João Gilberto e Tom Jobim.

A data: 10 de julho de 1958, uma quarta-feira. 

        O local: o antigo estúdio da Odeon no quarto andar do edifício São Borja, à Avenida Rio Branco, 277, na Cinelândia.

            A ocasião: a gravação do take definitivo do disco de 78 rpm Chega de Saudade/Bim-Bom, que entraria para a história como o marco inicial da bossa nova Foram várias tentativas tumultuadas para se chegar à bolacha final.

           Ruy Castro descreveu o clima no seu livro-reportagem Chega de saudade: “Gravando direto com a orquestra, ao vivo no estúdio, sem playback, ele [João Gilberto] interrompia take após take, ouvindo erros dos músicos que escapavam aos outros, e obrigando a orquestra inteira a tocar de novo. Em certos momentos, era como se todo mundo no estúdio fosse surdo, menos ele.”

           Um dos focos da discórdia foi a exigência de João Gilberto de ter quatro homens na percussão: Milton Banana à bateria, Rubens Bassini nos bongôs, Juquinha no triângulo e Guarany na caixeta. Tudo isso para uma canção que durava nada além de dois minutos. A inclusão de Guarany Nogueira (1928-1980) na gravação seminal da bossa nova revela a grandeza do seu talento. Principalmente se levarmos em conta o fato de que o curitibano, vítima de poliomielite, usava aparelho ortopédico e só tinha movimento numa perna, um handicap terrível para um baterista.

      Em Curitiba, Guarany tocou muito tempo no Ludus Tertius, trio completado por Norton Morozowicz, ao baixo, e Gebran Sabbag ao piano. Gebran foi um daqueles jovens curitibanos que descobriram o jazz nos LPs de Art Tatum, Erroll Garner e Oscar Peterson, fazendo uma amálgama destas três escolas de piano totalmente diversas. No réveillon de 1955, horas depois de Gebran tocar no baile do Sírio e Libanês, o clube pegou fogo. Um piadista de plantão decretou: “Este sim é que é o verdadeiro jazz hot!” O Ludus Tertius se notabilizou além das fronteiras da noite curitibana e, em 1969, foi destaque no programa de televisão A Grande Chance, do apresentador Flávio Cavalcanti.

          Em sua temporada carioca, além de brilhar nos círculos da bossa nova, Guarany frequentou o circuito clássico: o maestro Eleazar de Carvalho queria prepará-lo para timpanista da Orquestra Sinfônica Brasileira. Hélcio Milito, baterista do Tamba Trio, afirmou: “O Guarany era um grande percussionista, talvez um dos melhores do Brasil. Se assim não fosse, João Gilberto não teria exigido sua presença para gravar varias faixas do seu primeiro LP.” A pesquisadora musical Marilia Giller, em seu trabalho de 2007, O jazz curitibano dos anos 1950, cita o pianista Gebran Sabbag, com quem Guarany tocou por muitos anos: “O Guarany merece muita consideração. Apesar de não poder dispor do pé esquerdo, ele tocava a melhor bateria de jazz de todos os tempos em Curitiba, e até fora dela, com muito suingue e um balanço excepcional.”

3 comentários:

Pietra disse...

Acho maravilhoso resgatar a memória cultural. Já elogiei blog antes e reforço aqui, que bom trabalho vocês fazem. A data da bossa nova vem passando praticamente ignorada a não ser sobre o drama pessoal que vive João Gilberto

Emerson disse...

Hoje temos música sertaneja e axe. vou ali vomitar e ja volto

Isabela disse...

Tem pena da situação do João Gilberto. Ninguem merece.