segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Arte fatiada: 16 anos depois da falência da Bloch, o fim da “Coleção Manchete de Arte Brasileira”. Um desfecho jurídico que deixa vencedores e vencidos...


Museu Manchete; arte moderna brasileira.
Capa do livro "Museu Manchete" editado em 1982. 

Em 1982, como parte das comemorações dos seus 30 anos, a Manchete lançou uma edição especial e um livro. A revista reunia os fatos e as fotos marcantes daquelas três décadas. O livro percorria a galeria de arte que exibia um dos maiores acervos de artistas plásticos brasileiros. No prefácio do livro “Museu Manchete” (*), Adolpho Bloch escreveu o texto aqui reproduzido.
Texto escrito por Adolpho Bloch/Reprodução do livro "Museu Manchete". 
Ele conta que já em 1952, ano em que a revista Manchete foi lançada, começou a divulgar os principais pintores do Brasil. A revista dava os passos iniciais e, no mapa do caminho, plantava as sementes da futura coleção.   
Nos anos seguintes, os primeiros quadros, entre aqueles que formariam a “Coleção Manchete de Arte Moderna Brasileira”, eram vistos em salas da então sede da Bloch Editores, na Rua Frei Caneca. Com a inauguração do prédio da Rua do Russel, no fim da década de 1960, a galeria ganhou seu espaço nobre no amplo foyer do Teatro Adolpho Bloch. Tornou-se o Museu Manchete que, na verdade, ultrapassava os limites do foyer. Havia esculturas, tapeçarias e quadros em todos os andares. 
Na parede do hall do prédio que sediou a Manchete, a obra de Franz Krajberg. "Relevo em Branco, de 1968.
"Composição", de Volpi, sem data/Reprodução do livro "Museu Manchete

"Abstração", Mabe, 1979
"Barco em Itapuã", Pancetti, 1956
Dois quadros de Bandeira; "Floresta", 1958, e "Outono em Paris", do mesmo ano. Reproduções do livro "Museu Manchete" 
No hall destacava-se “Relevo em Branco”, de Franz Krajberg, instalação monumental que impressionava os frequentadores do prédio assinado por Oscar Niemeyer. Esculturas de Bruno Giorgi e Agostinelli e telas de Bianco, Portinari, Di Cavalcanti, Djanira, Bandeira, Pancetti, Mabe, Guignard, Volpi, Scliar, Cícero Dias, Iberê Camargo, entre outros, eram virtuais vizinhos das redações das revistas.
Com a falência da Bloch, no dia 1° de agosto de 2000, a coleção tornou-se objeto de disputa judicial. Parte do acervo teria sido entregue a um banco em transação financeira pouco anterior à falência. A Justiça, que já havia concedido à viúva de Adolpho Bloch a propriedade de alguns quadros, deu aos herdeiros de Adolpho Bloch a prerrogativa de escolher metade das obras restantes.
Parte do laudo de avaliação, que tem 36 páginas.
Talvez supondo - com razão e como efetivamente aconteceu -, que o espólio selecionaria naturalmente as obras mais valiosas, a Justiça determinou que, confrontadas as avaliações dos quadros mais caros concedidos aos ex-controladores da Bloch com os valores das obras que destinadas à Massa Falida, esta recebesse um saldo, em espécie, a seu favor. A Massa Falida contestou a fórmula de partilha por entender que o acervo pertencia integralmente à empresa e, portanto, deveria ir a leilão, completo, para quitar dívidas trabalhistas em parte até hoje pendentes. Mas os credores trabalhistas, entre os quais os milhares de ex-funcionários e suas famílias, acabaram perdendo essa batalha. E, infelizmente, estão em vias de perder outra: a 3ª Câmara Civil havia determinado que o espólio de Adolpho Bloch pagasse à Massa Falida metade do valor gasto com a guarda e conservação das obras do Museu Manchete. O espólio recorreu, perdeu em duas tentativas, mas obteve uma decisão favorável em embargo de declaração, o que poderá representar mais um abalo na soma de recursos reservados para a quitação integral das dívidas trabalhistas.
Juridiquês à parte, resta um comentário: a Manchete não deu muita sorte com o destino dos seus acervos. Desde 2000, ano em que foi decretada a falência da Bloch Editores, as obras de arte permanecem longe dos olhos do público. Provavelmente, não mais serão vistas como uma coleção, de fato. As obras pertencentes à Massa Falida irão a leilão, quadro a quadro. E caberá ao espólio de Adolpho Bloch decidir o que fará com a outra metade do Museu Manchete. 
Desfaz-se o que Adolpho Bloch denominou, com justificado orgulho, de “Coleção Manchete de Arte Moderna Brasileira”. E sobre o qual escreveu, em 1982: “Hoje, a Coleção Manchete é frequentada por todos, constituindo-se uma das salas de visitas da arte brasileira. Sinto-me feliz em poder prestar esse serviço à minha cidade e aos artistas de todo o Brasil”. Outro acervo, o fotográfico, de características e importância peculiares mas igualmente valioso, também tomou um rumo desconhecido. Foi leiloado, adquirido por uma pessoa física e sumiu. Nos dois casos – das obras do Museu Manchete e das milhões de fotos que pertenciam aos arquivos das revistas da Bloch – o público e a memória  - ou a cidade, como escreveu Adolpho Bloch - saíram perdendo. Teria sido melhor, pela importância cultural e histórica de ambas as coleções, que uma instituição houvesse se apresentado para adquiri-las e as mantivesse íntegras e ao alcance do público. 
Não aconteceu, nem virou manchete.

(*) O livro "Museu Manchete" lançado por Edições Bloch, em 1982, foi editado por Carlos Heitor Cony, com textos de Flávio de Aquino, diagramação de Áureo Abílio e Luís Roberto de Oliveira, produção gráfica de Carlos Affonso de Lima, fotos de Gervásio Baptista, Antonio Rudge e Nilton Ricardo. O design da capa foi de Licínio de Mello.

2 comentários:

Isabela disse...

Coleções como essa deveriam ser preservadas. Como pretendeu como tema a arte moderna brasileira, ela é didática enquanto coleção. Provavelmente vai se dispersar e não não ser que algum museu adquira alguns quadro irão para salas particulares e deixam de ser vista pelo público. É lamentável.

Prof. Honor disse...

Tem razão. O ideal era que um MAM que perdeu tantas obras em um incêndio há alguns anos adquirisse a coleção completa