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quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Frans Krajcberg: lembranças de um artista nas paredes da memória...

Frans Krajcberg, janeiro, 2016.
Foto de Tatiana Zeviche/
Setur/BA
“ Se eu grito na rua me colocam em um hospital de louco. 
A única coisa que posso fazer é exprimir a minha revolta com o minha arte.” (F.K)

O escultor e pintor Frans Krajcberg morreu ontem, no Rio, aos 96 anos. Nascido na Polônia, o judeu Kracjberg lutou na Segunda Guerra Mundial como oficial do exército do seu país e, depois da invasão nazista, ingressou em uma divisão de soldados poloneses formada no exílio, na União Soviética.

Sua família foi devastada no Holocausto.

Quando a guerra acabou, Krajcberg foi para a Alemanha e matriculou-se na Academia de Belas Artes de Stuttgart. Em 1948, emigrou para o Brasil com uma passagem de 3ª classe paga por Marc Chagall. Menos de dez anos depois, naturalizou-se brasileiro e passou a construir uma obra que reflete a natureza ameaçada do país que o adotou.

Foto reproduzida do livro Museu Manchete

Quem trabalhou na Manchete acostumou-se a passar diante de um dos seus "gritos" ao cruzar, diariamente, o grande hall do prédio 804, na Rua do Russell. O painel "Relevo em Branco", que recriava raízes contorcidas em alto e baixo relevo a romper do concreto, se sobressaia na parede à direita da entrada principal.

E o Museu Manchete, instalado no foyer do Teatro Adolpho Bloch, exibia quadros de Krajcberg como parte da Coleção Manchete de Arte Moderna Brasileira. O curador do Museu Manchete era o competente Zé do Mato (José Alves), assessor e um dos grandes amigos do escultor, a quem conheceu em 1960, em Minas Gerais, quando Krajcberg passou uns tempos em uma caverna no Pico de Cata Branca, região de mineração de Itabirito. "Tinha 17 anos quando conheci o Frans e comecei a trabalhar como seu ajudante. Ele morava numa caverna, pois queria fugir dos homens. Parecia um animal machucado. Ali, ele fez as primeiras gravuras na pedra e esculturas”, contou Zé do Matto à Casa Cláudia.

Para Adolpho Bloch, Zé do Mato era o consultor indispensável na aquisição de obras empreendida pela extinta empresa na ampliação do acervo do Museu Manchete. A ele deveu-se a presença destacada de Krajcberg na valiosa e hoje desfeita coleção.

Vegetação, 1957. Reprodução do livro Museu Manchete
Abstração, 1957. Reprodução do livro Museu Manchete

Borboletas, 1957. Reprodução do livro Museu Manchete
Krajcberg partiu provavelmente sem saber do destino dessas obras. A escultura que ficava no hall da sede foi desmontada após a falência da Bloch Editores e levada por um credor - o Banco Rural. A peça estaria ainda sob pendência judicial. Quando aos quadros de Krajcberg e as demais obras da Coleção Manchete, 17 anos após o fim do grupo de comunicação, permaneceriam armazenadas em um depósito, sob custódia da Massa Falida da Bloch, enquanto aguardam a Justiça marcar a data de um leilão.

Mais fácil do que rever essas obras retidas é encontrar na internet um documentário sobre Frans Krajcberg exibido pela Rede Manchete em 1987. 

Um ano antes, o cineasta Walter Moreira Salles Júnior acompanhou o artista a Juruena, no Mato Grosso, e da expedição resultou o documentário "Krajcberg – o Poeta dos Vestígios", produzido pela Rede Manchete, dirigido por Walter, com roteiro de João Moreira Salles 

O artista vivia em seu sítio Natura em Nova Viçosa, no sul da Bahia. 


Ali fica o Museu Frans Krajcberg.

Obra de Krajcberg em Nova viçosa. Foto de Tatiana Zeviche/Setur

Foto de Tatiana Zeviche/Setur
À entrada da cidade, uma placa permanecerá anunciando: “O artista sem fronteira, para nosso orgulho, vive aqui”.

ATUALIZAÇÃO/CORREÇÃO - José Carlos Jesus, presidente da Comissão dos Ex-Empregados da Bloch Editores, esclarece: A obra "Relevo em Branco", que ficava no hall da sede da Manchete, estaria inicialmente entre as obras cedidas pela Bloch ao Banco Rural como parte de negociação de dívida realizada antes da falência da empresa. Contudo, outras obras foram entregues e a cessão de "Relevo em Branco", especificamente, não se concretizou ao final daquela negociação. Essa obra de Krajcberg pertence atualmente à Massa Falida da Bloch e não ao Banco Rural como equivocadamente o post acima registra. Como centenas de outras peças, o painel "Relevo em Branco" aguarda decisão da Justiça em relação a pendências entre o  espólio de Adolpho Bloch e a Massa Falida da Bloch e a posterior realização de leilão destinado a levantar recursos para pagamento de indenizações trabalhistas e correção monetária dos valores devidos aos trabalhadores da extinta Bloch. José Carlos ressalta que os ex-empregados permanecem confiantes nas decisões corretas da 5ª Vara Empresarial, que tem à frente a Exma. Juíza Maria da Penha Nobre Mauro. 

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Arte fatiada: 16 anos depois da falência da Bloch, o fim da “Coleção Manchete de Arte Brasileira”. Um desfecho jurídico que deixa vencedores e vencidos...


Museu Manchete; arte moderna brasileira.
Capa do livro "Museu Manchete" editado em 1982. 

Em 1982, como parte das comemorações dos seus 30 anos, a Manchete lançou uma edição especial e um livro. A revista reunia os fatos e as fotos marcantes daquelas três décadas. O livro percorria a galeria de arte que exibia um dos maiores acervos de artistas plásticos brasileiros. No prefácio do livro “Museu Manchete” (*), Adolpho Bloch escreveu o texto aqui reproduzido.
Texto escrito por Adolpho Bloch/Reprodução do livro "Museu Manchete". 
Ele conta que já em 1952, ano em que a revista Manchete foi lançada, começou a divulgar os principais pintores do Brasil. A revista dava os passos iniciais e, no mapa do caminho, plantava as sementes da futura coleção.   
Nos anos seguintes, os primeiros quadros, entre aqueles que formariam a “Coleção Manchete de Arte Moderna Brasileira”, eram vistos em salas da então sede da Bloch Editores, na Rua Frei Caneca. Com a inauguração do prédio da Rua do Russel, no fim da década de 1960, a galeria ganhou seu espaço nobre no amplo foyer do Teatro Adolpho Bloch. Tornou-se o Museu Manchete que, na verdade, ultrapassava os limites do foyer. Havia esculturas, tapeçarias e quadros em todos os andares. 
Na parede do hall do prédio que sediou a Manchete, a obra de Franz Krajberg. "Relevo em Branco, de 1968.
"Composição", de Volpi, sem data/Reprodução do livro "Museu Manchete

"Abstração", Mabe, 1979
"Barco em Itapuã", Pancetti, 1956
Dois quadros de Bandeira; "Floresta", 1958, e "Outono em Paris", do mesmo ano. Reproduções do livro "Museu Manchete" 
No hall destacava-se “Relevo em Branco”, de Franz Krajberg, instalação monumental que impressionava os frequentadores do prédio assinado por Oscar Niemeyer. Esculturas de Bruno Giorgi e Agostinelli e telas de Bianco, Portinari, Di Cavalcanti, Djanira, Bandeira, Pancetti, Mabe, Guignard, Volpi, Scliar, Cícero Dias, Iberê Camargo, entre outros, eram virtuais vizinhos das redações das revistas.
Com a falência da Bloch, no dia 1° de agosto de 2000, a coleção tornou-se objeto de disputa judicial. Parte do acervo teria sido entregue a um banco em transação financeira pouco anterior à falência. A Justiça, que já havia concedido à viúva de Adolpho Bloch a propriedade de alguns quadros, deu aos herdeiros de Adolpho Bloch a prerrogativa de escolher metade das obras restantes.
Parte do laudo de avaliação, que tem 36 páginas.
Talvez supondo - com razão e como efetivamente aconteceu -, que o espólio selecionaria naturalmente as obras mais valiosas, a Justiça determinou que, confrontadas as avaliações dos quadros mais caros concedidos aos ex-controladores da Bloch com os valores das obras que destinadas à Massa Falida, esta recebesse um saldo, em espécie, a seu favor. A Massa Falida contestou a fórmula de partilha por entender que o acervo pertencia integralmente à empresa e, portanto, deveria ir a leilão, completo, para quitar dívidas trabalhistas em parte até hoje pendentes. Mas os credores trabalhistas, entre os quais os milhares de ex-funcionários e suas famílias, acabaram perdendo essa batalha. E, infelizmente, estão em vias de perder outra: a 3ª Câmara Civil havia determinado que o espólio de Adolpho Bloch pagasse à Massa Falida metade do valor gasto com a guarda e conservação das obras do Museu Manchete. O espólio recorreu, perdeu em duas tentativas, mas obteve uma decisão favorável em embargo de declaração, o que poderá representar mais um abalo na soma de recursos reservados para a quitação integral das dívidas trabalhistas.
Juridiquês à parte, resta um comentário: a Manchete não deu muita sorte com o destino dos seus acervos. Desde 2000, ano em que foi decretada a falência da Bloch Editores, as obras de arte permanecem longe dos olhos do público. Provavelmente, não mais serão vistas como uma coleção, de fato. As obras pertencentes à Massa Falida irão a leilão, quadro a quadro. E caberá ao espólio de Adolpho Bloch decidir o que fará com a outra metade do Museu Manchete. 
Desfaz-se o que Adolpho Bloch denominou, com justificado orgulho, de “Coleção Manchete de Arte Moderna Brasileira”. E sobre o qual escreveu, em 1982: “Hoje, a Coleção Manchete é frequentada por todos, constituindo-se uma das salas de visitas da arte brasileira. Sinto-me feliz em poder prestar esse serviço à minha cidade e aos artistas de todo o Brasil”. Outro acervo, o fotográfico, de características e importância peculiares mas igualmente valioso, também tomou um rumo desconhecido. Foi leiloado, adquirido por uma pessoa física e sumiu. Nos dois casos – das obras do Museu Manchete e das milhões de fotos que pertenciam aos arquivos das revistas da Bloch – o público e a memória  - ou a cidade, como escreveu Adolpho Bloch - saíram perdendo. Teria sido melhor, pela importância cultural e histórica de ambas as coleções, que uma instituição houvesse se apresentado para adquiri-las e as mantivesse íntegras e ao alcance do público. 
Não aconteceu, nem virou manchete.

(*) O livro "Museu Manchete" lançado por Edições Bloch, em 1982, foi editado por Carlos Heitor Cony, com textos de Flávio de Aquino, diagramação de Áureo Abílio e Luís Roberto de Oliveira, produção gráfica de Carlos Affonso de Lima, fotos de Gervásio Baptista, Antonio Rudge e Nilton Ricardo. O design da capa foi de Licínio de Mello.