quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Marianne e Mariana: rimas sem solução - The horror! The horror! (Joseph Conrad, "O Coração das Trevas"


Marianne no quadro de Delacroix/Reprodução

Marianne. Reprodução

Mariana (MG): o drama. Foto de Ricardo Moraes/Reuters/Reprodução Facebook
Drummond/Reprodução Internet
Por ROBERTO MUGGIATI

O rosto dela você encontra por toda parte: nas moedas francesas do euro, em selos do correio, em timbres de documentos do governo, em carimbos públicos, em bustos nos parques e nas praças, em telas nos melhores museus, nos vestíbulos das Prefeituras e dos Tribunais de Justiça. Marianne é o símbolo nacional da República Francesa
Uma escultura de bronze de Marianne, O triunfo da República, pousada sobre seu pedestal, vigia a Place de la Nation, em Paris. É a praça que o Boulevard Voltaire – via eleita das grandes manifestações democráticas na capital francesa – liga à Place de la République; as duas praças e o boulevard: o epicentro dos sangrentos atentados do Treze de Novembro.
Poucas obras expressaram melhor a crueldade do homem contra o homem do que o romance de Joseph Conrad, "O coração das trevas" (1902). As últimas palavras do protagonista – o mea culpa do colonialista predador – ecoam até hoje: “The horror! The horror!” Não fosse o ranzinza Ezra Pound, T.S. Eliot teria usado a frase como epígrafe do seu poema The Waste Land/A terra desolada (1922), que aceitaria melhor hoje a tradução mais pontual de A terra devastada. 
Marianne, Mariana, a Terra devastada, são desastres que se atropelam num planeta que parece ter perdido o prumo. À denominação poética de Vale do Rio Doce opõe-se toda a carga de destruição – obra do descaso do homem pelo homem – provocada pela morte anunciada do vasto ecossistema atingido por um dos maiores desastres ambientais de todos os tempos. E tinha de ser logo aqui? Pior é que tinha, por estarmos nas mãos de uma administração – de múltiplas administrações – feitas de politicagem e corrupção, enfim de rejeitos humanos (ou seriam desumanos?)
Fiquei a pensar o que nosso poeta maior de Minas, o doce Carlos Drummond de Andrade, pensaria amargamente desse castigo ao seu solo querido. E não é que ele previu tudo? Poucos anos antes de sua morte, em 1984, Drummond publicou o poema que parece ser o retrato do desastre que destruiu o Rio, antes Doce.

LIRA ITABIRANA
I

O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

II

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

III

A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

IV

Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Arrematando, faço um arremedo do final de outro poema famoso seu:

Mundo, vasto mundo,
Dessa vez fomos fundo. . .

5 comentários:

Nelio Horta disse...

Minha mulher, que é de Colatina e ainda tem parentes que moram lá, chora todos os dias, quando vê imagens do Rio, outrora Doce, berço da sua infância. Este desastre ambiental, o maior de todos os tempos faz recordar, entre as lembranças que o Mugg. citou, de uma cidade, também duramente atingida: a pequenina Miraí. Como dizia o Ataulfo Alves, em 1956, "eu era feliz e não sabia".

F. Hoffmann disse...

Quanta sensibilidade a do nosso poeta e meu conterrâneo Drummond e linda a lembrança e a ligação com a natureza que ele tanto amava

J.A.Barros disse...

Nós, humanos pretenciosamente, estamos acabando, ou melhor, destruindo o nosso "habitat " mais rapidamente do que pensavamos.

Wedner disse...

Quer apostar que ninguém vai ser punido por essa destruição?

J.A.Barros disse...

Aposto também que ninguém vai ser punido por esse devastador crime ambiental.