por Flávio Sépia
Além de vestir a camisola da mãe, como revelou o seu dossiê post mortem, J. Edgar Hoover, o chefe do FBI e ícone da direita americana, tinha uma fixação ideológico-doentia no escritor Gabriel García Márquez. Não se sabe se os bigodes do escritor colombiano o tiravam do sério. Mas, segundo o Washington Post revelou há poucos dias, Hoover botou seus arapongas para vigiar o colombiano desde 1961 e pelos 24 anos seguintes. Um alto investimento, ele devia considerar Márquez mais perigoso do que um Bin Laden dos dias de hoje. Sem intimidade com a literatura, o FBI abriu a pasta, inicialmente, sob o nome de José García Márquez. É tão ridículo o dossiê agora revelado que dele constam até livros impressos, encontráveis na livrarias, com o carimbo de "secreto". Há trechos de relatórios simplesmente copiados de orelhas de livros. São 137 páginas de besteirol, com as quais, certamente, Hoover, além de exercer sua paranoia, arrancou algumas verbas do tesouro americano. Nunca foi levantado qualquer material que justificasse uma abertura de processo mesmo na justiça americana patologicamente anticomunista. Mas havia determinações do tipo "no caso de ele entrar nos EUA para qualquer finalidade, o Bureau deve ser imediatamente avisado".
No estilo policialesco das mais assumidas ditaduras, o FBI produzia dossiês também de Ernest Hemingway, John Steinbeck, assim como vigiava artistas, intelectuais e diretores de cinema americanos, especialmente nas décadas de 1960 e 1970. Mas García parecia receber atenção à parte. Tal espionagem, como ficou comprovado, persistiu até 1985. É uma espécie de recorde.
García Márquez morreu 17 abril de 2014, em sua casa na Cidade do México, aos 87 anos, foi espionado desde os 33. Às vésperas do enterro do escritor, o presidente Obama chamou García Márquez de "um representante e voz para os povos das Américas". "O mundo perdeu um dos seus maiores escritores visionários - e um dos meus favoritos a partir do momento que eu era jovem", disse Obama. Se vivo fosse, Hoover teria ateado fogo à sua camisola. "Como pode um presidente americano falar assim de um comunista safado?", teria dito enquanto jogava ao chão os brincos e o colar de pérolas. Em tempo: Hoover foi e é o ídolo da direita americana. Hoje virou motivo de gozação (como na charge acima), não por preconceito mas por ser ele um tipo de homossexual homofóbico. Foi tão reacionário que, respeitadas as diversidades, merece o deboche político. No 4 de julho, seu túmulo é visitado por admiradores e coberto com a bandeira americana. E, talvez, com uma patriótica calcinha de renda vermelha e branca. Com estrelas.
Um comentário:
Ele fazia algumas pessoas sumirem tambem. Muitos líderes sindicais americanos se evaporaram no ar
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