por Eli Halfoun
Todo jornalista espera sempre por uma grande cobertura, um furo de reportagem, uma matéria polêmica, mas não é exatamente isso o que acontece no dia a dia das redações que fazem (pelo menos faziam em outros tempos, antes de virarem verdadeiras lan houses) do corre-corre atrás de notícias com que essa não seja uma profissão que caia na rotina. Pelo contrário: mesmo que não aconteça a grande cobertura repórteres acabam sendo nas ruas e nas redações personagens diários de acontecimentos inusitados e na maioria das vezes engraçados. Na minha vida de repórter, iniciada cedo, fui um desses personagens e aqui nesse espaço reúno pequenas histórias que podem não ser grandes ensinamentos de jornalismo, mas de uma forma ou de outra serão, além de curiosas, pequenos exemplos com os quais sempre se pode aprender alguma coisa.
O Dia do Perdão que não me perdoou
Estava na redação da Ultima Hora quando o chefe de reportagem me convocou.
- “Tem uma pauta especial para você. Vá fazer a cobertura do Dia do Perdão na sinagoga da Rua Tenente Possolo (é a maior sinagoga do Rio)"
Não era a grande cobertura que esperava e só era “especial” porque eu era o único judeu disponível na redação e embora não soubesse muito sobre o assunto (não sou um judeu muito religioso e só sabia que o Dia do Perdão é comemorado dez dias após o Ano Novo judaico e que é a data mais importante do calendário) lá fui eu. Com o natural entusiasmo de um repórter novato decidi que não iria me limitar a contar o que presenciaria. Queria mais e como o Dia do Perdão é o dia em que os judeus fazem jejum das 6 horas da tarde de um dia até o mesmo horário do dia seguinte, achei que era legal saber se todos que estavam na sinagoga realmente praticavam o jejum. Minha primeira ação foi pesquisar nos botequins e lanchonetes (naquela época havia poucas lanchonetes) e muita gente saía da sinagoga, onde se deve passar o dia inteiro, para comer. Fiquei sabendo que nesse dia os botecos em torno da sinagoga vendiam mais sanduíches, salgadinhos e principalmente cafezinho do que em outras datas. Rodei por alguns botecos (também aproveitei para comer um sanduíche) e já tinha um bom material para uma reportagem diferente, mas queria mais. Fiquei na sinagoga um tempo ouvindo discretamente as conversas que rolavam nos grupinhos que se formavam na entrada. Ninguém falava de religião, mas sim de negócios: venda de jóias, de móveis e de imóveis. Finalmente, eu tinha mais um bom material e voltei para a redação cheio de entusiasmo. Escrevi um texto que quase nada falava sobre o Dia do Perdão, mas sim sobre o que eu tinha apurado nos botecos e na calçada. Entreguei o texto crente que tinha feito uma excelente reportagem. O editor gostou, mas preocupado decidiu enviar o texto para a aprovação do também judeu Samuel Wainer, o patrão, que vetou a publicação, me chamou em sua sala e me deu a maior bronca:
- “Você quer ser um bom repórter, mas esse texto só criará problemas. Nem parece que você é judeu”.
Exagero que não livrou a cara nem do pai
Foi meu pai quem me apresentou ao Samuel Wainer. Meu pai era “maitre” (eu o chamava de camelô de comida porque ele vendia o que queria) e conhecia o Samuel de servi-lo nos restaurantes. Anos depois, eu já era editor do segundo caderno da Ultima Hora e também assinava uma coluna diária que tinha a então movimentada noite carioca como tema. Meu pai era o dono do Chez Robert, restaurante que funcionou em Copacabana e que tinha também, no segundo andar, a boa La Cage (o nome fazia referência a pista da dança que era uma gaiola dourada). Todas as noites, eu ia filar a bóia no Chez Robert, onde também encontrava muita gente e, portanto, muitas notas para minha coluna. Certa noite fui lá e a coisa não estava legal: o ar condicionado tinha pifado e tanto no restaurante como na boate, o serviço não era dos melhores. Não tive dúvidas e escrevi uma nota esculhambando a casa. Achei que estava cumprindo o meu dever de repórter, mas não foi bem assim: quando a nota foi publicada, o Samuel me chamou e perguntou ao mesmo tempo em que grifava o nome do restaurante na minha coluna.
- “Esse não é o restaurante do seu pai?” – perguntou. Respondi apenas com um sim, balançando a cabeça, e o Samuel completou:
- “Você é louco Como pode fazer isso com seu pai?”
Não me dei por vencido:
- “Não fiz nada, além do que o senhor me ensinou, que é publicar apenas a verdade e aí não tem nenhuma mentira”.
Samuel não disse nada e fui saindo, mas enquanto me encaminhava até a porta deu para ouvi-lo dizendo baixinho:
- “É doido. Doido”.
Jornalismo, mídia social, TV, streaming, opinião, humor, variedades, publicidade, fotografia, cultura e memórias da imprensa. ANO XVI. E, desde junho de 2009, um espaço coletivo para opiniões diversas e expansão on line do livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou", com casos e fotos dos bastidores das redações. Opiniões veiculadas e assinadas são de responsabilidade dos seus autores. Este blog não veicula material jornalístico gerado por inteligência artificial.
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