por Eli Halfoun
Notícias podem deixar qualquer jornalista de “saia justa”. Uma das primeiras lições que aprendi na prática do jornalismo é que não se deve esconder e muito menos “guardar na gaveta” uma notícia. Porque o fato pode envelhecer, deixar de ser interessante e acabar nas mãos de outro profissional. E aí você que guardou a notícia descobrirá que, pelo menos nesse caso, foi um péssimo profissional. Foi essa lição que me colocou durante alguns dias em uma verdadeira “saia justa” jornalística. O ator e cantor João Alberto Carvalho (de quem ainda sinto uma carinhosa saudade) foi um dos melhores amigos que tive até hoje. Era uma amizade de respeito, admiração e cuidado: nascido e criado na Pará, João Alberto me tinha como uma espécie de pai carioca desde que chegou para tentar a carreira artística no Rio. Só me chamava de Papi, o que às vezes me deixava envergonhado, mas aumentava nossa amizade. João Alberto era muito espontâneo e engraçado e foi em um jantar que o diretor Jayme Monjardim ficou encantado com sua alegre espontaneidade e o convidou para viver o mordomo Zaqueu na novela “Pantanal”, exibida pela Rede Manchete de 27 de março a 10 de dezembro de 1990. Monjardim queria que João Alberto fosse na novela exatamente como era na vida real. Pronto: Zaqueu emplacou e deu para João Alberto o seu primeiro sucesso na estréia em novelas.
Estava tudo muito bom, tudo muito bem, quando João Alberto começou fazer sua presença menos frequente nas festas, reuniões entre amigos e até nas visitas quase diárias que fazia à minha casa. Dizia que evitava sair de casa porque vivia com diarréia (“Passo o dia plantado no vaso como se fosse uma flor” - dizia com bom humor). Percebi que algumas manchas roxas começavam a aparecer em seus braços e também que ele emagrecia diariamente. Não tive dúvidas: aconselhei que fizesse um exame de HIV. Fez, mas não teve coragem de buscar o resultado, ou seja, sobrou pra mim. Apanhei o resultado e pedi à minha ex-mulher, médica, que o abrisse. Estava lá muito claro: João Alberto era soropositivo. Evidentemente, diante de sua cada vez maior magreza, as especulações ficaram inevitáveis, mas só eu sabia que ele era sim portador do HIV. Foi aí que fiquei, como se diz popularmente, entre a cruz e a caldeirinha: não queria expôr meu grande amigo, mas sabia que não podia “guardar a notícia na gaveta”, como tinha aprendido em meu início de carreira. O “fazer ou não fazer, eis a questão?” me atormentou durante pelo menos três dias. Decidi publicar a verdade, mas fazendo isso de uma forma respeitosa que não expusesse o ator e sua família. Preservei o amigo, mas não perdi a notícia: Amiga foi a primeira e única revista a publicar com exclusividade a verdade sobre a doença de João Alberto. Melhor assim porque a reportagem da Amiga (e do amigo) colocou um ponto final em qualquer tipo de especulação.
João Alberto faleceu meses depois e quando o vi pela última vez em seu apartamento de Copacabana (seu pai realizou o sonho que João tinha de morar na Avenida Atlântica), ele nem mais me reconhecia. Partiu deixando uma saudade imensa nos amigos e para mim também a certeza de que nenhuma notícia pode ficar guardada no fundo da gaveta desde que seja publicada só com a verdade e o respeito que qualquer noticiado merece. Afinal, jornalismo também é a arte de procurar e escolher bem as palavras. Notícia é sempre notícia, mas não precisa ser exatamente um escândalo.
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