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por Pedro Juan Bettencourt
Eu me recuso a acreditar que o Big Brother Brasil é um espelho fiel do país. Principalmente porque entre milhares ou milhões de inscritos é feita pela produção uma seleção com base em critérios próprios. Pessoas capazes de criar polêmicas e confusões predominam. Mesmo estes, se estão tímidos, são turbinados com bebidas durante as seguidas festas. Daí brotam situações de racismo, agressões verbais e até físicas, intolerâncias variadas e repetidos casos de assédio sexual. Nessa edição, dois participantes se sentiram no direito de mexer na bagagem da mexicana convidada a passar uns dias entre os brasileiros. A pessoa deve ter lamentado a escolha para vir à casa do BBB23. Também foi vítima de assédio sexual duplo e teve seus pertences "fiscalizados" por invasores do alheio.
A conclusão é a seguinte: se a seleção privilegiar pessoas educadas, éticas, que respeitam os outros a audiência cai. Para obter repercussão, a regra é plantar vilões na casa. Se os vilões cumprem a função, enchem a cara na festa e assediam uma jovem, não tem problema: a produção pede desculpas e expulsa os vilões que ela própria escalou. Jogo que segue. Outros virão.
Proposta de emenda constitucional pretende dar ainda mais isenções tributárias às igrejas. A ideia é além de iptu e outros, dispensar impostos indiretos sobre bens e serviços Cartões e jatinhos, por exemplo, sairão mais baratos. A conta do motel e da padaria, também. Comprar armas, bebidas sextoys, tudo livre do "leão". Duas consequências: finalmente os irmãos alcançarão o paraíso; e, segundo tributaristas, com os gastos sem qualquer rastro fiscal poderão formar a maior máquina de lavar dinheiro do mundo. O Brasil vai entrar no Guiness Book nesse quesito. Parabéns para os envolvidos.
A Globoplay adquiriu novelas turcas. Há grandes diferenças culturais e de legislação entre o Brasil e a Turquia. Entre outras realidades, o politicamente correto não é exatamente popular no país muçulmano. Machismo é, por exemplo, um dos costumes arraigados nas antigas paragens otomanas. A primeira novela do pacote importado a ir só ar já mostra, na chamada, uma mãe espancando uma criança. Lamentável exemplo.
A palavra mais ouvida e lida na midia nas últimas semanas é... arcabouço. Não se sabe quem usou primeiro o vocábulo para definir um esperado pacote do governo. É um tal de arcabouço fiscal pra lá e pra cá, tanto por parte de jornalistas quanto no linguajar dos tecnocratas. Pois o popular dicionário oferece uma definição restrita para a palavra acabouço. Trata-se de um substantivo masculino para "estrutura óssea que sustenta um corpo humano ou de animal, esqueleto". Quem foi buscar esse termo? Espera-se que depois do "esqueleto" não venha aí a "noiva cadáver", Jack Skellington, Caveira Vermelha...
A propósito, não é a primeira vez que economistas recorrem ao terror para definir conjunturas. Quem não ouviu falar em "esqueleto" para nomear grandes dívidas ocultas deixadas por gestores antecessores?
O liberalismo sonha com o fim do Estado. O neoliberalismo trabalha para isso. Mas nenhuma dessas ideologias abre mão do dinheiro público. Ao contrário, com a ajuda de políticos, administradores e juízes corruptos vai buscá-lo onde estiver. Nos Estados Unidos, a quebra de dois grandes bancos pode novamente, como em 2008, resultar em bilionária ajuda do governo federal. No fim, os golpistas - e esse o nome correto - se dão bem. No Brasil, no fim dos anos 1990, o governo do PSDB distribuiu "Bolsa Banqueiro". Mesmo agora, a fraude das Lojas Americanas provoca nos jornalões uma comoção em defesa dos grandes investidores trambiqueiros. A equação neoliberal em setores sensíveis é simples: roubam, provocam a crise financeira e depois usam clientes, empregados, fornecedores como pretexto e se lembram do impacto social para pedir ajuda pública.
Depois do sumiço da ossada de Dana de Teffé, a milionária assassinada no começo dos anos 1960, no Rio de Janeiro, o novo grande mistério brasileiro envolve as jóias afanadas por Jair Bolsonaro, o chamado "presente masculino” que foi contrabandeado das Arábias para o aeroporto de Guarulhos. O valioso "presente feminino", como se sabe, foi apreendido pela Receita Federal com duas “mulas” - um sargento e um almirante - que desembarcaram em São Paulo.
Bolsonaro foi deputado e, nas internas teria o hábito de confundir a seu favor o público e o privado. Por exemplo, manteve um apartamento funcional para “comer gente”, como declarou. E, pelo que se sabe, não se referia a canibalismo. O elemento nunca foi bom em matemática e por isso teria cometido enganos monumentais ao registrar a compra de combustível pago pela Câmara. Provavelmente o tanque do seu carro era furado pois a conta era sempre maior do que cabia no recipiente. A seu favor registre-se que inconsistências contábeis são comuns entre legisladores menos republicanos. Há quem diga que os postos de combustíveis de Brasília vendem mais gasolina per capita do que Arábia Saudita e Estados Unidos, juntos.
Ao entregar o governo recentemente Bolsonaro deixou o Alvorada praticamente no osso. Uma frota de caminhões-baú foi empregada para transportar móveis, objetos e até o conteúdo do frigorífico e da dispensa. A ordem, como disse um funcionário da Presidência, era não deixar nada para Lula e Janja. A propósito, as autoridades já localizaram e checaram o inventário do que foi levado pelo comboio madrugador?
Deve ser exagero dos adversários, mas lendas no Salão Verde da Câmara entre deputados de antigas legislaturas e ex-parlamentares atribuem o sumiço de mimos décadas atrás a uma curiosa patologia que tornaria o suspeito incapaz de distinguir o “personalíssimo” do público. Era um tal de canetas, xícaras, laptops, tablets, papel higiênico dos banheiros e remédios da farmácia abduzidos ou levados para outra dimensão...
Essa era, digamos a atividade local. Bom mesmo era participar de “missões” no exterior ou integrar comitivas presidenciais em viagens à Europa ou Estados Unidos. Na volta em tão ilustre companhia, as figuras felizardas escapavam do controle da alfândega. Um dia, um parlamentar nostálgico dos antigos clássicos do cinema teria esquecido no desembarque uma caixa de finas meias de nylon. Sua excelência em questão era um convicto solteiro, mas isso não vem ao caso.
Pois é.
O distinto leitor precisa saber que até 1991, a regra era clara. Todos, isso mesmo, todos os presentes recebidos pelos presidentes da República eram, por definição, pertencentes ao Estado.
Quem mudou a lei. Elle mesmo, Collor de Mello.
por O V.Pochê
Em movimento desinibido para a direita, a Folha de São Paulo pretende manter laços com o bolsonarismo. Nas páginas do jornal têm desfilado entrevistados do grupo que apoiou a tentativa de golpe de 8 de janeiro. Diz-se que é preciso ouvir os novos e radicais congressistas do PL. O "outro lado", mesmo antidemocrático, sempre terá espaço no jornalão. É regra.
Nessa linha, a Folha foi ao Google para desencavar o caso de uma nobre injustiçada, ô coitada. A rainha (Mijóias?) teria sofrido horrores ao ser envolvida em um escândalo disparado por um valioso colar.
A Folha informa no título da matéria que a tal rainha (Mijóias?) foi terrivelmente injustiçada. A sutileza da matéria tem o tamanho de um elefante. Parece mais um alerta: "cuidado", seria a mensagem? "Não massacrem a 'rainha', ela é inocente". Menos, Folha.
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Reprodução Folha de São Paulo em 5/3/2023 |
A Folha não apurou coisíssima alguma sobre o caso dos diamantes que Bolsonaro tentou sequestrar da Receita Federal. A matéria foi um exclusiva do Estadão. Mas o jornalão dos Frias se esforçou para reunir vários depoimentos em defesa de Bolsonaro e suas "mulas" de jóias.
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Reproduções Estadão 4/3/2023 |
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Termo de apreensão da muamba |
O governo Bolsonaro se extinguiu mas não para de produzir escândalos. Claro que em uma dessas bizarrices suspeitas faltava aparecer um pacote de jóias milionárias. Não falta mais: os diamantes apareceram no aeroporto de Guarulhos.
Os jornalistas do Estadão, Adriana Fernandes e André Borges, revelaram a trama com toques das mil e uma noites. Ministro e militares de alta e baixa patente integraram uma força tarefa cuja missão era fazer adentrar ao Brasil um caixa de jóias no valor de 3 milhões de euros que estava destinada ao pescoço de Michelle Bolsonaro. No pacote, que era um presente da ditadura saudita, havia um caríssimo relógio que, provavelmente, iria enfeitar o pulso de Bolsonaro para ele tirar onda em motociatas.
Os fiscais da Receita desconfiaram do militar sacoleiro e o fizeram passar pelo raio-x. A muamba estava disfarçada em uma caixa com um estatueta quebrada. Flagrada, a tentativa de contrabando ou descaminho não funcionou e o tesouro não declarado foi aprendido.
A jogada aconteceu em fins de 2021. Bolsonaro não se conformou e escalou em seguida um exército de "despachantes" para tentar, em vão, durante um ano, recuperar o butim. A última tentativa foi a três dias do fim do mandato de Bolsonaro.
Vários ministros se mobilizaram para botar a mão nos diamantes. Os funcionários da Receita cumpriram a lei e resistiram ao assédio irregular das autoridades.
Agora o Estadão revela a trama digna de figurar em um filme.
Se não um candidato a clássico, mas uma tremenda chanchada bolsonarista.
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Reprodução Folha de São Paulo |
por José Esmeraldo Gonçalves
Off, em jornalismo, é a prática de difusão de uma informação sem que o repórter identifique a fonte. Uma espécie de "por fora". O entrevistado revela qualquer coisa sob a condição de anonimato.
A fonte em off mais famosa e legítima do jornalismo foi certamente o "Deep Throat" do rumoroso Caso Watergate. Um funcionário do governo passava a Bob Woodward e Carl Bernstein informações cruciais que orientaram a apuração do escândalo e levaram os repórteres a mapear os personagens da invasão do escritório do Partido Democrata em Washington. A identidade do informante só foi revelada em 2005. A até então misteriosa fonte era o vice-diretor do FBI no começo dos anos 1970, Mark Felt, que contou a própria história em um artigo que escreveu para a Vanity Fair.
Para os jornalistas brasileiros Brasilia é a cidade que mais tem "deep throat" no mundo. Eles encontram um desses, como se fossem pokémons, em cada corredor do poder. A função off foi assim banalizada. "Fonte ligada ao PT", "uma alta autoridade do Judiciário", "fiz um bastidor na Câmara e constatei", "uma fonte da PF", "uma fonte do alto comando militar", "ouvi de um ministro do Supremo". Esse tipo de referência serve de muleta tanto para informações banais como para veicular "balões de ensaio" ("notícias" muitas vezes falsas que são lançadas para gerar repercussão ou "testar" reações a determinadas medidas ou supostos fatos) e lobbies. Tanto abuso compromete o uso da função off, que originalmente não deveria ter valor declaratório, por ser anônima, mas poderia ser útil, como no Watergate, para balizar investigação do fato e orientar a apuração do repórter.
Observe: colunistas e comentaristas de TV raramente conversam com pessoas que assumem CPFs, RGs e o que dizem. São todos anônimos, secretos ou "laranjas" de si mesmos. O anonimato como regra deixa de ser técnica de apuração e vira patologia
Luis Nassif, no link abaixo, comenta com propriedade a febre do off, um excesso que assola o jornalismo e compromete a credibilidade.
https://jornalggn.com.br/midia/a-praga-do-off-transformou-a-midia-em-um-celeiro-de-baloes-de-ensaio/
por Clara S. Britto
por Niko Bolontrin
A noite de gala da FIFA, que apontou os Melhores de 2022, mostrou o momento crítico do futebol brasileiro e da maioria dos brasileiros que jogam no exterior. Apenas Casemiro salvou a pátria ao integrar a seleção do ano. Richarlyson concorreu ao prêmio Puskás de gol mais bonito, mas perdeu para Mesmo Vini e Rodrygo, apesar da excelente fase no Real Madrid, foram ignorados. Antony também é uma boa exceção entre o exportados. Neymar há muito deixou a elite do futebol na fase do "regional" PSG, time que tem Mbappé e Messi, dois dos melhores do mundo, mas consegue a proeza de praticar futebol medíocre.
A festa da FIFA foi dominada pela Argentina, que emplacou o melhor treinador (Lionel Scaloni), o melhor goleiro (Emiliano Martinez ), o melhor jogador (Lionel Messi) e até a melhor torcida. Méritos da seleção campeã do mundo.
A propósito, a premiação se refere à performance dos escolhidos em todo o ano passado. O jornalismo esportivo brasileiro em geral exaltou a suposta qualidade da seleção brasileira esquecendo que bons jogadores precisam funcionar coletivamente e mostrar estratégia. Coisa que não aconteceu. Para muitos, a Copa já estava ganha. Tite era o máximo na face da terra. A Croácia, por exemplo, não concordou com o ufanismo dia coleguinhas.
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Reprodução Twitter |
Dirley Fernandes (1968-2023). Foto:Reprodução Twitter |
por José Esmeraldo Gonçalves
16 de fevereiro, Dia Nacional do Repórter. Mas, hoje, é o dia de um repórter especial: Dirley Fernandes, que nos deixou sem aviso prévio, aos 54 anos.
Com mais de 30 anos de profissão, Dirley passou por vários veículos, como é comum na nossa profissão. Trabalhou em O Dia, Extra, Jornal do Brasil, Jornal do Commércio, Revista História Viva, Seleções do Readers Digest e nas revistas Conhecer, Manchete e Caras. Foi editor em algumas dessas publicações.
Em cada uma experiência qualificou-se como um profissional de reconhecida competência.
Quando o jornalismo impresso tradicional entrou em crise, Dirley se reinventou - a palavra hoje gasta nem era tão usual - e se tornou produtor de conteúdo, editou livros, revistas corporativas, administrou sites, redes sociais de empresas e dirigiu um documentário - "Devotos da Cachaça" - como parte de um projeto voltado para o setor, que incluiu revistas, livros e palestras. Com o filme, ele mostrou a "profunda relação da cachaça com a alma brasileira, a bebida nacional na música, na literatura e nas artes plásticas". Falava com paixão sobre o assunto do qual era um expert. Com certeza, em contato com muitos produtores, contribuiu para a evolução e aprimoramento desse mercado.
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2020: Dirley, José Esmeraldo, Mauro Trindade, Jussara Razzé, Alex Ferro e David Junior: chope no Estação Largo do Machado para comemorar lançamento de uma revista. Foto de Gabriel Nascimento |
Na ocasião da foto, no Estação, comemorávamos o lançamento da edição Carnaval Total. A revista acabou se desdobrando em mais duas edições ao longo do ano. Uma sobre os comunicadores da Tupi e outra, um número especial de Natal e Ano Novo. Para essas edições extras, Roberto Muggiati, Tania Athayde e Daniele Maia se incorporaram à equipe. Foi um trabalho bem realizado, não sem dificuldades, mas com o mérito de nos reunir. Em 2021, o grupo se reencontrou para um chope no Baródromo, na Tijuca. Foi a última vez que eu e Jussara vimos o Dirley, que depois se transferiu para São Paulo, com a sua querida Anna.
No fim do ano passado nos falamos rapidamente por telefone. Ele estava animado com as perspectivas que São Paulo oferecia. Ontem, Tania Athayde nos deu a notícia. Dirley fora vítima de um acidente e estava hospitalizado em estado grave. Não havia esperanças e o triste desfecho se confirmou. Inacreditável. Tinha muito a viver. Ficamos com a tristeza e as lembranças do seu humor, inteligência, a facilidade de fazer amigos, o bom papo e deixamos aqui nosso abraço à família.
por Ed Sá
Os jornalistas baseados em Brasília, de tanto subir e descer rampas, são contaminados pelos jargões do poder. Muitos repetiram à exaustão a expressão popularizada por Bolsonaro: "quatro linhas da Constituição". Meio que referendavam os argumentos do anormal.
Na época da Lava Jato, coleguinhas que seguiam o trêfego Moro como se fosse o Antônio Conselheiro reencarnado adotaram a expressão "no âmbito".
Tudo era no "âmbito". "No âmbito do processo", "no âmbito da operação", "no âmbito da decisão". Quando foram abertas as mensagens da Vaza Jato vimos o quanto era sujo o "âmbito" juridicamente corrompido daquela força-tarefa.
Agora, seguindo o jargão dos corredores e salões federais, jornalistas baianizam a pronúncia de siglas. O Conselho Monetário Nacional (CVM) virou CêMêNê. Este teria o DeNêA da Faria Limer paulistana adotado por bancadas financeirias.
Provavelmente, a onda vai se estender para outras editorias. CBF pode ser CêBêFê. CPF passará a CêPêFê. Segundo o baião ABC do Sertão na voz de Luiz Gonzaga, o S é "si" no alfabeto baiano. STF poderá passar a ser SiTêFê e INSS vira INêSiSi. IR será IRê. CLT igual a Cêlêtê. A lista é grande: CêNêPêQuê, BêRêTê, GêNê (Globo News), GêNêTê (GNT), CêNêNê (CNN). IML é IMêLê. O JN, de Jornal Nacional, é JiNê.
Veja e ouça o ABC do Sertão
Por que o Flamengo trocou o sábio e vitorioso Dorival Jr por um luso obtuso que não sabe escalar o time e não vai aprender nunca?
Vamos torcer pelo Al Ahly para que a disputa do 3º lugar dê Fla x Real Madrid...
Aluno destacado da Faculdade de Medicina de Viena, ganhou uma bolsa em 1876 (aos 20 anos) para fazer uma pesquisa sobre o sexo das enguias na Estação Experimental de Biologia Marinha de Trieste. Freud aproveitou a folga de um domingo para visitar Muggia e, entre outras coisas, comentou que as mulheres da cidade eram “ruivas em sua maioria, o que não coincidia com características da raça italiana nem da raça judia.”
No mesmo vendedor de rua, encontrei o inventivo Eu, Júlio Verne, de J.J. Benitez. Verne (1828-1905) foi um dos maiores contadores de histórias e viveu num momento histórico de invenções e transformações admiráveis. Revi há pouco tempo o maravilhoso filme A volta ao mundo em 80 dias, vibrando com as aventuras de Phileas Fogg (David Niven) e seu valete Passepartout (Cantinflas).
Minha irmã emprestou-me a autobiografia de Woody Allen, seu nome estampado na fonte favorita, Windsor, que usa sempre nos créditos de seus filmes. O cineasta abre o livro “Como Holden [o anti-herói do Apanhador no campo de centeio] não gostaria de entrar nessa bobajada de David Copperfield”, criticando a abertura clássica de romances do século 19, como o de Dickens. O escritor Woody soa bastante convencional, melhor seria contar sua vida na forma de um filme.
Traduzi algumas grandes biografias nos vinte anos que se seguiram à falência da Manchete em 2000. John Lennon, Chet Baker, Charles Mingus. A autobiografia do grande contrabaixista, Saindo da sarjeta, foi um desastre editorial. A pessoa que recebia meus arquivos traduzidos na Zahar e os encaminhava à diagramação e impressão sumiu com um dos capítulos inteiros (o de número 22) e o livro saiu incompleto. A emenda, pior que o soneto, foi disponibilizar o texto pela internet. Não importa, dois anos antes, em 2003, fiz a parceria perfeita com a Zahar ao traduzir uma nova versão da autobiografia de Billie Holiday, Lady Sings the Blues. Publicado em 1956, o livro omitia os três anos finais – e trágicos – da grande cantora. Escrevi um capítulo adicional, descrevendo o trágico fim de Lady Day. Os 24 capítulos anteriores levavam o título de canções do repertório de Billie, o meu se chamou “Please Don’t Talk About Me When I’m Gone”. Acusada de porte de drogas, Billie, em condições de saúde críticas, foi hospitalizada em Nova York com dois policiais em guarda permanente à sua porta. A causa da infecção que acabaria causando sua morte foram quinze notas de 50 dólares enroladas com fita adesiva e escondidas na sua vagina. Eram os 750 dólares que William Dufty – o jornalista que escreveu sua autobiografia – tinha conseguido para ela por uma matéria publicada na revista Confidential. Eram amicíssimos, Billie madrinha do filho de Dufty. Curiosamente, conheci William Dufty quando veio em 1975 lançar seu livro Sugar Blues, uma condenação dos males do açúcar. Visitou a redação da Manchete com sua nova mulher, nada menos do que a atriz Gloria Swanson. Tive o privilégio de apertar a mão da divina Norma Desmond do Crepúsculo dos Deuses. Infelizmente, não houve contato pele a pele, a musa vestia luvas brancas.
Outra tradução que exigiu uma atualização pontual foi Polanski – Uma Vida, publicado pelo jornalista inglês Christopher Sandford em 2009. Quando comecei a traduzir o livro para a Nova Fronteira em 2010, Polanski, os 76 anos, vivia um drama terrível. Sugeri uma atualização num posfácio, a editora topou, e o resultado foram oito páginas adicionais sob o título O fantasma da liberdade, tomado emprestado do filme de Buñuel e aludindo também ao novo filme de Roman, O escritor fantasma. Relatei no meu texto como, para rodar esse filme lançado em 2010, Polanski teve de fazer uma autêntica maquiagem de cenário, filmando as cenas de Londres num estúdio de Berlim, e aquelas de Martha’s Vineyard, no Maine, na ilha alemã de Sylt, no Mar do Norte.Mesmo assim, o longo braço da justiça americana, que o caçava desde 1977, quase o alcançou. Citando do meu posfácio: “Em 26 de setembro de 2009, a convite do Festival de Cinema de Zurique, Polanski viajou à Suíça para receber um prêmio por sua carreira cinematográfica e acabou detido pelas autoridades sob a alegação de que estava em vigor um mandado internacional de prisão contra ele por causa da condenação, em janeiro de 1978, no caso da jovem Samantha Gailey. A detenção foi feita a pedido de autoridades dos Estados Unidos, que queriam a extradição de Polanski. Ele passou 67 dias num centro de detenção. Depois, o tribunal suíço aceitou o pedido dos advogados de Polanski, que ofereceram seu apartamento de Paris, na Avenue Montaigne, no valor de sete milhões de reais, como fiança. [Não está no posfácio, mas, Panis oblige: no mesmo prédio funcionava a Sucursal da Manchete em Paris no final dos anos 1960; e tem mais: Marlene Dietrich ocupava a cobertura, onde costumava tomar banho de sol nua.] Feito o acordo, Polanski ficou em prisão domiciliar no seu chalé em Gstaad, conhecida estação de esqui. Lá ele pôde supervisionar a pós-produção de O escritor fantasma. Só dez meses depois, em julho de 2010, Polanski teve o pedido de extradição rejeitado pelas autoridades suíças, que o liberaram da custodia e o declararam um ‘homem livre’”.
Aproveitei o posfácio para consignar em ata meus três insólitos encontros com Polanski:
“• Em março de 1969, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, que eu cobria para a revista Veja, Polanski – ao empurrar Jane Birkin de roupa e tudo na piscina do Copacabana Palace – quase me jogou n’água com a atriz. Nesse festival Polanski apresentou O bebê de Rosemary, um filme apavorante na época e, sustento, ainda hoje. Cinco meses depois sua mulher Sharon Tate (grávida de seu filho) e quatro amigos foram trucidados num banho de sangue em sua casa em Los Angeles.[Polanski deveria estar lá, mas ficou retido em Nova York para assinar um contrato na segunda-feira.]
• Em 1973, Polanski visitou a redação da Manchete, no Rio, com Jack Nicholson, que seria seu ator principal no premiado Chinatown (1974). Mal sabia o cineasta que, quatro anos depois, na casa de Nicholson em Los Angeles, teria um encontro sexual com uma menor de idade que faz dele, até hoje, um criminoso procurado pela justiça em território norte-americano e em países que tenham tratado de extradição com os Estados Unidos.
• Em 1988 Polanski veio ao Brasil para promover Busca frenética e visitou de novo a Manchete, com a atriz do filme, Emmanuelle Seigner, 33 anos mais moça que ele, já sua mulher de fato; eles se casariam oficialmente em 1989 e estão juntos até hoje, com dois filhos. Adolpho Bloch convidou Polanski para um chá com um grupo seleto de dez pessoas. O cineasta passou meia hora discutindo com a mulher diante do prédio da Manchete, antes de entrar. Arrebanhado pelo Marechal, acabou subindo para o restaurante do 12º andar e, sentado à mesa de jacarandá maciço, diante de um serviço de chá britanicamente impecável. Polanski disse que preferia uma boa vodca polonesa. Adolpho atendeu imediatamente a seu desejo e o dois se puseram a falar em russo – para decepção dos outros convidados. Na ocasião entreguei a Polanski uma cópia de sua foto com Jack Nicholson na visita que fizera 15 anos antes à Manchete.”
A última tradução que fiz foi da autobiografia de Michael Jackson, Moonwalk. Estranho que o livro, publicado em 1988, no rastro do megassucesso de Thriller, nunca tenha sido lançado no Brasil. Os direitos foram comprados pela editora Estética Torta, de Contagem, MG, e a tradução feita a partir da reedição de 2009, pouco depois da morte de Jackson. Foram respeitados todos os detalhes da diagramação original, recheada de fotos, e com a filigrana das pernas dançantes de Michael com a clássica meia branca em cada pé de página. Tal rigor editorial não admitia nenhum acréscimo, por isso não pude contar num posfácio meus três encontros com Michel Jackson.• Em 1974, na primeira visita ao Brasil, Michael e irmãos se apresentaram na TV Tupi
JACKSON FIVE em Especial da Rede Tupi de Televisão em 1974 - YouTube
O Jackson Five pertencia mais ao universo da revista Amiga do que da Manchete, estranhamos quando Moyses Weltmann adentrou a redação com aqueles ETs de imensas cabeleiras afro. Michael, 15 anos, dotado de um tremendo narigão, já fazia sucesso com a canção da trilha do filme Ben.
• Em julho de 1984, reintegrado à direção da Manchete depois de um breve interregno da dupla Hélio Carneiro-Janir de Holanda, ganhei um presente de grego do Jaquito, um daqueles que o Justino batizava voos-piscina: vai, bate na borda oposta e volta. Saí do Galeão na sexta à noite num avião com jornalistas e radialistas convidados e executivos da Sony para assistir no sábado à noite à apresentação da turnê Victory em Jacksonville, no extremo Norte da Flórida – terceira cidade na excursão de quatro meses pelos Estados Unidos e Canadá. O esquema de segurança, por excesso de zelo, quase provocou um acidente fatal para os irmãos Jackson, incluindo Michael, que vivia o auge da fama após o lançamento do álbum Thriller. Depois de um chá de cadeira no aeroporto e Miami, madruguei no Galeão para fechar a Manchete no Russell.
• Em 1996, a um quarteirão da minha casa na Rua Real Grandeza, presenciei a gravação do clipe da canção "They Don‘t Care About Us", na favela Santa Marta. O local foi transformado numa escola de música para crianças carentes. Uma estátua de bronze do astro pop foi erguida ali em 2010, um ano após sua morte. A obra, do artista plástico Estevan Biandani, retrata o cantor com o mesmo visual do clipe, velando pela comunidade do morro.
Com todas essas biografias e autobiografias me cercando, preciso abrir mão da curiosidade pela vida dos outros e me concentrar nas minhas próprias memórias porque – já diziam os sábios latinos – Tempus fugit....