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sábado, 17 de junho de 2023

Bloomsday: à véspera dos 120 anos * Por Roberto Muggiati


 


Atores caracterizados como James Joyce e sua época, 
 em Dublin 


Bloomsday em Irati, no Paraná e...


...no Rio.

É um belo exemplo da vida do autor influenciando a obra. Em 16 de junho de 1904, os namorados James Joyce, 22 anos, e Nora Barnacle, 20, em seu primeiro encontro, procuraram um local ermo de Dublin, onde ela, virgem, o masturbou “com os olhos de uma santa”, relataria ele depois numa carta. Foi a data que Joyce escolheu ao descrever um dia na vida do protagonista Leopold Bloom em Ulysses, que se tornaria o romance mais importante do século, publicado em  1922.

O culto ao romance cresceu ao longo das décadas e acabaria gerando o Bloomsday, o único dia no mundo dedicado a festejar um personagem de ficção. Alguns especialistas sustentam que já em 1925 a data era comemorada por amigos do escritor; outros, que só o foi a partir da década de 1940, após a morte de Joyce. Na verdade, o Bloomsday só foi institucionalizado a partir dos seus 50 anos, em 1954. De lá para cá, as celebrações – inicialmente limitadas à Irlanda – espalharam-se pelo mundo inteiro e hoje abrangem uma quantidade de cidades, inclusive brasileiras.

Em Dublin, locais citados no livro são visitados e várias pessoas envergando roupas da época, trombam com sósias de James Joyce e seu bigodinho típico. À hora do almoço, uma multidão se aglomera no pub Davy Byrnes, onde Leopold Bloom – vendedor ambulante de pequenos anúncios de jornal – fez uma modesta refeição: sanduíche de queijo gorgonzola com uma taça de Borgonha. 

Este ano, o culto e as festividades ao redor do mundo só fizeram crescer. Para se ter uma ideia de até onde vai o Bloomsday, a cidade de Irati, no sudeste do Paraná, acrescentou ao rodeio tradicional, à Festa do Chope e da Linguiça (Deutsches Fest) e à Festa do Borrego no Rolete uma maratona de 19 horas sobre o Ulysses de Joyce. São Patrício que se cuide...


domingo, 5 de fevereiro de 2023

A Arte da Biografia - Por Roberto Muggiati

 


“As exigências aumentaram drasticamente e as últimas biografias de Goethe, Schopenhauer, Wittgenstein, Thomas Mann, Virginia Woolf, Nabokov, Joyce e Beckett levam a pensar se a biografia não deveria ser enfim alçada a uma forma autônoma de arte literária.”

Quem levanta a questão é Reiner Stach na introdução à sua biografia Kafka: os anos decisivos (Todavia, 2022). Comecei a ler o livro de 650 páginas e na minha cabeça, já há muito tempo, nunca houve a menor dúvida de que a biografia é “uma forma autônoma de arte literária”. 


Devo passar alguns meses agarrado a esse volume, mas outro lançamento recente me atiçou o interesse: Pessoa: uma biografia (Companhia das Letras), do americano Richard Zenith, 66 anos. Aos 20 anos, estudante em Chicago, ele leu pela primeira vez, em espanhol, alguns versos do português e encontrou sua vocação. Ao longo de quase meio século, Zenith (fiel ao carisma do sobrenome), dedicou-se a pesquisar sobre a vida do misterioso e múltiplo Pessoa, com todos seus heterônimos. Numa visita a Durban, na África do Sul – onde Pessoa morou dos oito aos treze anos de idade – Zenith descobriu o heterônimo Karl P. Effield num jornal da cidade onde Pessoa publicou seu primeiro poema em inglês. Com 1116 páginas, essa nova biografia faz jus ao esforço e tempo investidos no trabalho.


Ainda não li por inteiro a biografia de James Joyce por Richard Ellman, de 880 páginas, mas percorri várias vezes os trechos dedicados a suas três estadias em Trieste, entre 1905 e 1919, buscando alguma citação a Muggia, a cidade que originou meu sobrenome. Sua peculiaridade é que não se situa na “bota” italiana, mas na extremidade norte da península Ístria e seu acesso é feito por barco a partir de Trieste. Em contrapartida, encontrei uma menção que Sigmund Freud faz, em carta a um amigo, de um domingo que passou em Muggia. 

Aluno destacado da Faculdade de Medicina de Viena, ganhou uma bolsa em 1876 (aos 20 anos) para fazer uma pesquisa sobre o sexo das enguias na Estação Experimental de Biologia Marinha de Trieste. Freud aproveitou a folga de um domingo para visitar Muggia e, entre outras coisas, comentou que as mulheres da cidade eram “ruivas em sua maioria, o que não coincidia com características da raça italiana nem da raça judia.”


Ainda Freud: outro dia comprei num sebo de rua aqui no Baixo-Glicério sua renomada biografia por Peter Gay (Uma vida para a história), edição em capa dura e bom estado, 720 páginas por vinte reais. Por dez reais levei de outro buquinista de calçada O Livro de Jô, com suas 480 páginas imaculadas. Interessam-me sua rica vida e personalidade, nos encontramos várias vezes em meus tempos de Manchete e fomos contemporâneos, nasci três meses antes dele.

No mesmo vendedor de rua, encontrei o inventivo Eu, Júlio Verne, de J.J. Benitez. Verne (1828-1905) foi um dos maiores contadores de histórias e viveu num momento histórico de invenções e transformações admiráveis. Revi há pouco tempo o maravilhoso filme A volta ao mundo em 80 dias, vibrando com as aventuras de Phileas Fogg (David Niven) e seu valete Passepartout (Cantinflas).

Minha irmã emprestou-me a autobiografia de Woody Allen, seu nome estampado na fonte favorita, Windsor, que usa sempre nos créditos de seus filmes. O cineasta abre o livro “Como Holden [o anti-herói do Apanhador no campo de centeio] não gostaria de entrar nessa bobajada de David Copperfield”, criticando a abertura clássica de romances do século 19, como o de Dickens. O escritor Woody soa bastante convencional, melhor seria contar sua vida na forma de um filme.

Traduzi algumas grandes biografias nos vinte anos que se seguiram à falência da Manchete em 2000. John Lennon, Chet Baker, Charles Mingus. A autobiografia do grande contrabaixista, Saindo da sarjeta, foi um desastre editorial. A pessoa que recebia meus arquivos traduzidos na Zahar e os encaminhava à diagramação e impressão sumiu com um dos capítulos inteiros (o de número 22) e o livro saiu incompleto. A emenda, pior que o soneto, foi disponibilizar o texto pela internet. Não importa, dois anos antes, em 2003, fiz a parceria perfeita com a Zahar ao traduzir uma nova versão da autobiografia de Billie Holiday, Lady Sings the Blues. Publicado em 1956, o livro omitia os três anos finais – e trágicos – da grande cantora. Escrevi um capítulo adicional, descrevendo o trágico fim de Lady Day.  Os 24 capítulos anteriores levavam o título de canções do repertório de Billie, o meu se chamou “Please Don’t Talk About Me When I’m Gone”. Acusada de porte de drogas, Billie, em condições de saúde críticas, foi hospitalizada em Nova York com dois policiais em guarda permanente à sua porta. A causa da infecção que acabaria causando sua morte foram quinze notas de 50 dólares enroladas com fita adesiva e escondidas na sua vagina. Eram os 750 dólares que William Dufty – o jornalista que escreveu sua autobiografia – tinha conseguido para ela por uma matéria publicada na revista Confidential. Eram amicíssimos, Billie madrinha do filho de Dufty. Curiosamente, conheci William Dufty quando veio em 1975 lançar seu livro Sugar Blues, uma condenação dos males do açúcar. Visitou a redação da Manchete com sua nova mulher, nada menos do que a atriz Gloria Swanson. Tive o privilégio de apertar a mão da divina Norma Desmond do Crepúsculo dos Deuses. Infelizmente, não houve contato pele a pele, a musa vestia luvas brancas.

Outra tradução que exigiu uma atualização pontual foi Polanski – Uma Vida, publicado pelo jornalista inglês Christopher Sandford em 2009. Quando comecei a traduzir o livro para a Nova Fronteira em 2010, Polanski, os 76 anos, vivia um drama terrível. Sugeri uma atualização num posfácio, a editora topou, e o resultado foram oito páginas adicionais sob o título O fantasma da liberdade, tomado emprestado do filme de Buñuel e aludindo também ao novo filme de Roman, O escritor fantasma.  Relatei no meu texto como, para rodar esse filme lançado em 2010, Polanski teve de fazer uma autêntica maquiagem de cenário, filmando as cenas de Londres num estúdio de Berlim, e aquelas de Martha’s Vineyard, no Maine, na ilha alemã de Sylt, no Mar do Norte.

Mesmo assim, o longo braço da justiça americana, que o caçava desde 1977, quase o alcançou. Citando do meu posfácio: “Em 26 de setembro de 2009, a convite do Festival de Cinema de Zurique, Polanski viajou à Suíça para receber um prêmio por sua carreira cinematográfica e acabou detido pelas autoridades sob a alegação de que estava em vigor um mandado internacional de prisão contra ele por causa da condenação, em janeiro de 1978, no caso da jovem Samantha Gailey. A detenção foi feita a pedido de autoridades dos Estados Unidos, que queriam a extradição de Polanski. Ele passou 67 dias num centro de detenção. Depois, o tribunal suíço aceitou o pedido dos advogados de Polanski, que ofereceram seu apartamento de Paris, na Avenue Montaigne, no valor de sete milhões de reais, como fiança. [Não está no posfácio, mas, Panis oblige: no mesmo prédio funcionava a Sucursal da Manchete em Paris no final dos anos 1960; e tem mais: Marlene Dietrich ocupava a cobertura, onde costumava tomar banho de sol nua.] Feito o acordo, Polanski ficou em prisão domiciliar no seu chalé em Gstaad, conhecida estação de esqui. Lá ele pôde supervisionar a pós-produção de O escritor fantasma. Só dez meses depois, em julho de 2010, Polanski teve o pedido de extradição rejeitado pelas autoridades suíças, que o liberaram da custodia e o declararam um ‘homem livre’”.

Aproveitei o posfácio para consignar em ata meus três insólitos encontros com Polanski:

“• Em março de 1969, no Festival de Cinema do Rio de Janeiro, que eu cobria para a revista Veja, Polanski – ao empurrar Jane Birkin de roupa e tudo na piscina do Copacabana Palace – quase me jogou n’água com a atriz. Nesse festival Polanski apresentou O bebê de Rosemary, um filme apavorante na época e, sustento, ainda hoje. Cinco meses depois sua mulher Sharon Tate (grávida de seu filho) e quatro amigos foram trucidados num banho de sangue em sua casa em Los Angeles.[Polanski deveria estar lá, mas ficou retido em Nova York para assinar um contrato na segunda-feira.]

• Em 1973, Polanski visitou a redação da Manchete, no Rio, com Jack Nicholson, que seria seu ator principal no premiado Chinatown (1974). Mal sabia o cineasta que, quatro anos depois, na casa de Nicholson em Los Angeles, teria um encontro sexual com uma menor de idade que faz dele, até hoje, um criminoso procurado pela justiça em território norte-americano e em países que tenham tratado de extradição com os Estados Unidos.

•  Em 1988 Polanski veio ao Brasil para promover Busca frenética e visitou de novo a Manchete, com a atriz do filme, Emmanuelle Seigner, 33 anos mais moça que ele, já sua mulher de fato; eles se casariam oficialmente em 1989 e estão juntos até hoje, com dois filhos. Adolpho Bloch convidou Polanski para um chá com um grupo seleto de dez pessoas. O cineasta passou meia hora discutindo com a mulher diante do prédio da Manchete, antes de entrar. Arrebanhado pelo Marechal, acabou subindo para o restaurante do 12º andar e, sentado à mesa de jacarandá maciço, diante de um serviço de chá britanicamente impecável. Polanski disse que preferia uma boa vodca polonesa. Adolpho atendeu imediatamente a seu desejo e o dois se puseram a falar em russo – para decepção dos outros convidados.  Na ocasião entreguei a Polanski uma cópia de sua foto com Jack Nicholson na visita que fizera 15 anos antes à Manchete.”

A última tradução que fiz foi da autobiografia de Michael Jackson, Moonwalk. Estranho que o livro, publicado em 1988, no rastro do megassucesso de Thriller, nunca tenha sido lançado no Brasil. Os direitos foram comprados pela editora Estética Torta, de Contagem, MG, e a tradução feita a partir da reedição de 2009, pouco depois da morte de Jackson. Foram respeitados todos os detalhes da diagramação original, recheada de fotos, e com a filigrana das pernas dançantes de Michael com a clássica meia branca em cada pé de página. Tal rigor editorial não admitia nenhum acréscimo, por isso não pude contar num posfácio meus três encontros com Michel Jackson.

• Em 1974, na primeira visita ao Brasil, Michael e irmãos se apresentaram na TV Tupi

JACKSON FIVE em Especial da Rede Tupi de Televisão em 1974 - YouTube

O Jackson Five pertencia mais ao universo da revista Amiga do que da Manchete, estranhamos quando Moyses Weltmann adentrou a redação com aqueles ETs de imensas cabeleiras afro. Michael, 15 anos, dotado de um tremendo narigão, já fazia sucesso com a canção da trilha do filme Ben. 

• Em julho de 1984, reintegrado à direção da Manchete depois de um breve interregno da dupla Hélio Carneiro-Janir de Holanda, ganhei um presente de grego do Jaquito, um daqueles que o Justino batizava voos-piscina: vai, bate na borda oposta e volta. Saí do Galeão na sexta à noite num avião com jornalistas e radialistas convidados e executivos da Sony para assistir no sábado à noite à apresentação da turnê Victory em Jacksonville, no extremo Norte da Flórida – terceira cidade na excursão de quatro meses pelos Estados Unidos e Canadá. O esquema de segurança, por excesso de zelo, quase provocou um acidente fatal para os irmãos Jackson, incluindo Michael, que vivia o auge da fama após o lançamento do álbum Thriller. Depois de um chá de cadeira no aeroporto  e Miami, madruguei no Galeão para fechar a Manchete no Russell.

• Em 1996, a um quarteirão da minha casa na Rua Real Grandeza, presenciei a gravação do clipe da canção "They Don‘t Care About Us", na favela Santa Marta. O local foi transformado numa escola de música para crianças carentes. Uma estátua de bronze do astro pop foi erguida ali em 2010, um ano após sua morte. A obra, do artista plástico Estevan Biandani, retrata o cantor com o mesmo visual do clipe, velando pela comunidade do morro. 

Com todas essas biografias e autobiografias me cercando, preciso abrir mão da curiosidade pela vida dos outros e me concentrar nas minhas próprias memórias porque –  já diziam os sábios latinos – Tempus fugit.... 


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Os 100 anos de Ulisses • Por Roberto Muggiati

Joyce com Sylvia Beach na Shakespeare and Company, coberta de cartazes da luta
contra a censura do livro.

Num Bloomsday recente, visita em roupas de época ao santuário etílico de
David Byrne, em Dublin.

O romance mais importante da literatura moderna foi publicado em Paris, em 2 de fevereiro de 1922, uma quinta-feira. Sua editora, a americana Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, escolheu a data para homenagear o autor, James Joyce, que completava quarenta anos naquele dia. No plano realista, o livro descreve 18 horas na vida de Leopold Bloom, um modesto corretor de publicidade para jornais na Dublin de 1904. Mas James Joyce não se ateve apenas à ideia inicial e resolveu complicar sua vida. Inventou de amarrar sua história à grande narrativa da Odisseia de Homero, criando toda uma simbologia submersa para seu romance de 550 páginas. E foi ainda mais longe com seu conceito do “stream of consciousness” (fluxo da consciência) e uma ousada desconstrução da linguagem, com jogos de palavras, neologismos e outras acrobacias verbais. Ulisses foi escrito entre 1914 e 1921, em Trieste (Itália), Zurique (Suíça) e Paris (França) – sete anos, quase o equivalente à jornada de Odisseu (Ulisses em latim), que, depois de conquistar Troia, enfrentou todo tipo de obstáculos e demorou dez anos para voltar a sua casa em Ítaca.

Leopold Bloom, um judeu irlandês, é segundo o crítico Michael Thorpe, “na visão de Joyce um Ulisses moderno ou Um Qualquer, fraco e forte, cauteloso e precipitado, herói e covarde, englobando os múltiplos aspectos de cada ser humano e de toda a humanidade.” 

Por suas referências explícitas à fisiologia e à sexualidade humanas, Ulisses foi censurado em países como Reino Unido e Estados Unidos. Sua apreensão gerou o processo Estados Unidos versus Um Livro Intitulado Ulisses por James Joyce e a histórica decisão do juiz John M. Woolsey, em 6 de dezembro de 1933, declarando que Ulisses não era pornográfica, em parte alguma do livro se notava “a lascívia do sensualista”. Um apelo da promotoria retardou a vigência da decisão. A Random House, que tivera os livros aprendidos, já estava com tudo preparado para uma reimpressão. Quando a decisão de Woolsey foi confirmada, por dois votos contra um, uma edição de cem exemplares foi posta à venda em janeiro de 1934 para garantir os direitos autorais nos Estados Unidos. Foi a primeira publicação legal de Ulisses num país de língua inglesa, doze anos depois do seu lançamento em Paris.

Apesar da dificuldade da sua leitura, Ulisses se tornaria um culto ao longo de várias décadas. O dia em que transcorria a história, 16 de junho de 1904, foi batizado de Bloomsday e, a partir do meio século da data, em 1954, passou a ser comemorado em Dublin, com visitas aos locais citados pelo livro, em particular o David Byrne’s pub, onde Leopold Bloom faz um lanche à uma da tarde com um sanduiche de queijo gorgonzola e uma taça de Borgonha. De lá para cá, a celebração do Bloomsday cresceu no mundo inteiro, assumindo em alguns locais ares de verdadeiro Carnaval.

Joyce escolheu o dia 16 de junho de 1904 para ser imortalizado em sua obra porque foi o dia em que teve a primeira relação sexual com sua futura companheira, Nora Barnacle (apesar de a imprensa irlandesa publicar que, nesse dia, eles "caminharam juntos" pela primeira vez). Nora, vinte anos, era virgem e teve medo de completar o coito. Então masturbou Joyce "com os olhos de uma santa", como o escritor relatou numa carta.

A pandemia travou os festejos do Bloomsday, mas – quem sabe? – no próximo dia 16 de junho o mundo possa voltar a festejar o centenário Ulisses em alto estilo. 


PSNa Suíça para cobrir o Festival de Jazz de Montreux em 1985, resolvi fazer uma visita em Zurique ao meu velho amigo James Joyce. Sabia que desde 13 de janeiro de 1941 ele tinha sua derradeira morada – numa vida de muitos endereços –  no Cemitério de Fluntern. Ficava num morro nas proximidades do Jardim Zoológico. Subimos de bonde – eu e Lena, minha mulher e fotógrafa favorita – quando saltamos no ponto da necrópole duas jovens chinesas ou coreanas vieram em desabalada carreira até nós, saquei na hora, “James Joyce? This way!” Sou sempre solidário com os gatos pingados do turismo cultural, na contramão das massas amorfas que acorrem às Disneylândias da vida. 
Ezra Pound e a estátua de Joyce no Cemitério de Fluntern

No silêncio verde do cemitério, surge de repente uma figura saída de uma cena fantasmagórica de Ingmar Bergman, uma senhora de 1m80, toda de branco, nos indicou sem falar palavra ao local do túmulo de Joyce. Eu sabia que ali tinha uma escultura do escritor em tamanho natural,  de pernas cruzadas, lendo um livro. Impressionara-me certa vez uma foto de Ezra Pound defrontando-se com a estátua de Joyce – pareciam  estar conversando, ambos vivos – ou Pound já entrara na outra dimensão e não se dera conta...
Foto Lena Muggiati

Fiz todo tipo de pose com Joyce, era um dia frio de verão suíço – sempre é – cobri suas costas com meu casaco de camurça. Joyce segurava um livro aberto, coloquei entre as páginas aquelas moedinhas de franco suíço que sempre acabam sobrando, esperava dar início a um ritual, não sei se colou... 
Hoje, voltando atrás no tempo, torci para que fosse Bloomsday. Conferi, não foi: aquele meu primeiro e último encontro com James Joyce aconteceu em 16 de julho, exatamente um mês depois...

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Ontem foi Yèyésday! • Por Roberto Muggiati

James Joyce – quem diria ? – é filho de Iemanjá. Celebrado anualmente pelo Bloomsday em 16 de junho (dia em que transcorre a ação do seu romance Ulisses), o escritor irlandês nasceu em 2 de fevereiro, dia da Rainha do Mar, que tem seu nome derivado de Yèyé, “mãe dos filhos peixes” em iorubá. Quem fez espertamente a associação, no jornal O Globo, foi Dirce Waltrick do Amarante. Autora de Para ler ‘Finnegans Wake de James Joyce’, ela vai adiante: “Ao dar protagonismo a Anna Livia Plurabelle no romance Finnegans Wake (1939), acabou homenageando também a divindade.” Na mitologia irlandesa, o nome Anna estaria relacionado ao da deusa Danu, da terra e da água, rios, mares. Livia é a latinização do rio Liffey, que corta a cidade de Dublin. Iemanjá se revela plural (Plurabelle) com natureza sempre cambiante. 

E Dirce arremata: “A Danu de Joyce, assim como Iemanjá, acolhe todos os filhos ‘nacionais e estrangeiros’ (...) o escritor sublinha que todos são bem-vindos em Finnegans Wake e esse acolhimento se estende às diferentes línguas vivas e mortas que convivem no livro.” Saravá, irmão Joyce!