sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022
Brasil já vai à guerra?
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022
Pantanal da Globo, que estreia em março, e Pantanal da Manchete, de 1990, na máquina do tempo
Rede Globo lança o trailer do remake da novela Pantanal. |
por Ed Sá
Estreia em março a novela Pantanal, da Globo. Foi também em um mês de março, em 1990, que a Rede Manchete lançou a versão original criada por Benedito Ruy Barbosa. Foi o maior sucesso da emissora de Adolpho Bloch. Um marco no gênero. Bateu a Globo sucessivamente no ibope.
Há poucos anos, a revista Veja apontou Pantanal como a quarta melhor novela da história da televisão brasileira em um ranking liderado por Avenida Brasil e Vale Tudo, com Roque Santeiro em terceiro.
O Brasil mudou muito entre essas duas edições de Pantanal. Em 1990, o pantanal matogrossense ainda era um ecossistema protegido. Se a Amazôniacomeçou a sofrer nos anos 1970 a ofensiva destruidora promovida pelos militares da ditadura, a extraordinária planície alagada do Centro Oeste - uma das maiores do mundo -, escapou na época à falta de visão e às manobras corruptas dos "gorilas". Hoje,. infelizmente, sucumbe ao agronegócio predador, às queimadas, ao desmaramento, e caminha para a destruição.
O Brasil também não sai bem na foto. Em 1990, a "novela" exibida na Globo era a do governo que a rede dos Marinho ajudou a eleger: o desastre de Collor de Mello. A geração que viu Pantanal sabe o que isso significou. Hoje, 32 anos depois, a audiência do remake encara fora da ficção a vergonha, o vexame e a tragédia politica de ter um meliante como Bolsonaro na presidência. Elemento, aliás. tembém eleito pela Globo que apoiou o "posto Ipiranga" Paulo Guedes como justificativa para aderir ao Bozo. Este, aliás, busca a reeleição e provavelmente - pelo menos em um eventual segundo turno que tenha Lula do outro lado - poderá receber o apoio da Globo. São mais parecidos do que parece. Mas essa é outra novela. Por enquanto o que vai ao ar é o velho Brasil rebobinado pronto para sentar no sofá e ver a nova novela das nove na Globo.
Ontem foi lançado o trailer de Pantanal
Veja AQUI
O logotipo da novela Pantanal, da Rede Manchete, em 1990. |
E aproveite e relembre a abertura de Pantanal de Rede Manchete.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2022
Há 80 anos: O suicídio de Stefan Zweig em Petrópolis • Por Roberto Muggiati
Stefan Zweig e Lotta |
Eu tinha quatro anos quando ouvi falar da morte de Stefan Zweig em Petrópolis. Formei na minha cabecinha uma imagem fantasiosa, a do grande escritor deitado com o peito para o céu num imenso gramado que descia uma encosta cercada de hortênsias. Eram as flores favoritas da minha mãe, que as plantou no jardim de nossa casa em Curitiba, e Petrópolis era conhecida como a “Cidade das Hortênsias”.Com o correr dos tempos, fui localizando melhor Zweig no tempo e no espaço. Escritor polivalente, ficcionista, memorialista, ensaísta e também autor de uma dezena de biografias exemplares, foi um dos raros intelectuais cultos da primeira metade do século 20 que se tornou um best-seller, antes mesmo da palavra existir. Muitas de suas obras foram transformadas em filmes, uma das mais conhecidas é “Carta de uma desconhecida” (1948), dirigido por Max Ophüls, com Joan Fontaine e Louis Jourdain nos papeis principais. Humanista de origem judaica, Zweig fugiu da fúria nazista, primeiro para a Inglaterra, onde se naturalizou britânico, depois para os Estados Unidos, e finalmente para o Brasil, em Petrópolis. Apesar da simpatia do governo Vargas pelo nazifascismo, Zweig foi recebido calorosamente pela comunidade intelectual mais esclarecida do Rio de Janeiro. Colocando suas últimas esperanças em seu novo país de escolha, escreveu “Brasil, país do futuro”. Declarou, na época: “Considerando que o nosso velho mundo é, mais do que nunca, governado pela tentativa insana de criar pessoas racialmente puras, como cavalos e cães de corrida, ao longo dos séculos a nação brasileira tem sido construída sobre o princípio de uma miscigenação livre e não filtrada, a equalização completa do preto e branco, marrom e amarelo".Mas a expansão militar do Eixo (Alemanha-Itália-Japão) nos primeiros anos da guerra e a ascensão do autoritarismo e da intolerância na Europa, o levaram a uma depressão profunda. Na noite de 22 de fevereiro de 1942, o primeiro domingo depois do Carnaval – aquele que Orson Welles filmou no Rio de Janeiro – Stefan Zweig escreveu uma carta de despedida e ingeriu, com a mulher, Lotte, uma dose fatal de barbitúricos. A carta dizia:
“Cada dia eu aprendi a amar mais este país e não gostaria de ter que reconstruir minha vida em outro lugar depois que o mundo da minha própria língua se afundou e se perdeu para mim, e minha pátria espiritual, a Europa, destruiu a si própria. Mas, para começar tudo de novo, um homem de 60 anos precisa de poderes especiais e meu próprio poder desgastou-se após anos vagando sem um assento. Por isso, prefiro terminar a minha vida no momento certo, como um homem cuja obra cultural foi sempre a mais pura de suas alegrias e também a sua liberdade pessoal – a mais preciosa fruição neste mundo. Deixo saudações a todos os meus amigos: talvez vivam para ver o nascer do sol depois desta longa noite. Eu, mais impaciente, vou embora antes deles.”
— Stefan Zweig, 1942
O casal foi sepultado no Cemitério Municipal de Petrópolis, de acordo com as tradições fúnebres judaicas, no perpétuo 47.417, quadra 11. Sua casa foi transformada em Centro Cultural, a Casa Stefan Zweig.
O escritor assim se referia à casa na rua Gonçalves Dias,34, no bairro do Valparaíso, onde morou seus últimos cinco meses de vida: "Pequeno bangalô com sua grande varanda coberta, que é nossa sala de estar". Em 2006 ela foi transformada em Museu Casa Stefan Zweig, um centro cultural dedicado à memória de Zweig e inclui também um "Memorial do Exílio", destinado a divulgar as obras de outros artistas, intelectuais e cientistas que, como Zweig, se refugiaram no Brasil durante o período 1933-1945 e contribuíram para a cultura, as artes e a ciência do país.
A necrópole petropolitana
Em meu romance “A contorcionista mongol” (2000), menciono o Cemitério Municipal de Petrópolis. Estive lá duas vezes para conhecê-lo bem e dar mais autenticidade à cena do enterro do anão. A contorcionista da história – e o atirador de facas – foram inspirados por um circo de verdade. O Circo Garcia – que chegou a ser o quarto maior do mundo, foi aplaudido por celebridades como o poeta Drummond, Xuxa e Ziraldo, e fechou em 2003, aos 75 anos – acampou durante meses ao lado do antigo Hotel Quitandinha na época em que eu escrevia “A contorcionista”. Abaixo, alguns trechos:
“O enterro foi em Petrópolis, num dos cemitérios mais estranhos do mundo, rasgado ao meio por uma rua de grande circulação e com as suas metades entrecortadas por morros. A autópsia foi feita no Instituto Médico-Legal, que funcionava no próprio cemitério, num antigo mausoléu em estilo neoclássico (...) Logo atrás do mausoléu-morgue ficavam os túmulos geminados de Stefan Zweig e de sua mulher Lotte, sem flores, com uma pequena pedra sobre a laje de mármore, conforme a tradição judaica. O anão foi enterrado a uma centena de metros do célebre casal, na encosta do morro que começava a ser invadida pelos mortos: uma parte da mata tinha sido devastada para a construção de novas sepulturas. Os defuntos iam, literalmente, subindo para o céu.”
Cena de "Lost Zweig", de Sylvio Back. Na foto, o ator Rudiger Vogler (Zweig) e a atir Ruth Rieser (Lotte).
domingo, 20 de fevereiro de 2022
A outra Garota de Ipanema
The Independent publica longa matéria sobre a cantora Astrud Gilberto, que o site GGN veicula no Brasil. Leia a tradução no link abaixo.
sábado, 19 de fevereiro de 2022
Garota de Ipanema ultrapassa Aquarela do Brasil • Por Roberto Muggiati
Tom e Vinicius. Foto Manchete |
Mineiro de Ubá, Ary compôs sua canção – inicialmente chamada “Aquarela Brasileira” – numa noite de 1939 em que uma forte chuva o impediu de sair de casa. (Antes que o temporal passasse, compôs ainda “Três lágrimas”). “Aquarela” foi apresentada pela primeira vez pelo barítono Cândido Botelho no musical “Joujou e balangandans”, espetáculo beneficente patrocinado pela Primeira-dama Darcy Vargas. Sua primeira gravação foi ainda em 1939, por Francisco Alves, com a orquestra do maestro Radamés Gnatalli, autor dos arranjos. A música demorou a decolar. Em 1940, não conseguiu ficar entre as três primeiras colocadas no concurso de sambas carnavalescos, que tinha o júri presidido por Heitor Villa-Lobos, com quem Barroso cortou relações, só retomadas quinze anos depois, quando ambos receberam a Comenda Nacional do Mérito. O sucesso só veio em 1942, com a inclusão no desenho animado de Walt Disney Saludos Amigos. “Aquarela do Brasil” tornou-se a primeira canção brasileira com mais de um milhão de execuções nas rádios dos Estados Unidos.
Três anos depois de lançar a canção, Vinicius revelou para Manchete quem era a musa inspiradora. Foto Manchete |
Se você acha que já está careca de saber a história de como nasceu a canção “Garota de Ipanema”, a coisa não foi bem assim. Claro, a musa inspiradora foi Heloísa Eneida Menezes Paes Pinto (depois Helô Pinheiro), uma garota de dezessete anos que morava em Ipanema, na Rua Montenegro (depois Vinícius de Moraes). Diariamente, ela passava pelo bar-café Veloso (depois Garota de Ipanema) a caminho da praia. Às vezes, entrava no bar para comprar cigarros para a mãe. No inverno de 1962, os compositores viram a garota passar pelo bar e – “Ah!” – o visual da letra surgia ali e na hora, como uma cena de cinema. (“Garota de Ipanema” também virou filme, em 1967, dirigido por Leon Hirszman e estrelado por Márcia Rodrigues).
O que você não sabe nem sequer pressente é que “Garota de Ipanema” foi feita por encomenda. O empresário Oscar Ornstein pediu a Tom e Vinícius uma composição intitulada “Menina que passa” para um musical exaltando Ipanema, “Dirigível”, que nunca chegou aos palcos. Tom compôs a melodia ao piano em seu apartamento na Rua Nascimento Silva, 107, em Ipanema, onde morou de 1953 a 1962. Vinicius escreveu a letra em Petrópolis, como fez com "Chega de Saudade" seis anos antes. Mas a letra desagradou a ambos, por ser meio deprê, reforçando o aspecto melancólico da cena (“merencório”, diria Ary Barroso). Vinicius criou então uma nova versão, mais light, confiram aí:
1ª versão
Vinha cansado de tudo
De tantos caminhos
Tão sem poesia
Tão sem passarinhos
Com medo da vida
Com medo de amar
2ª versão
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela, menina
Que vem e que passa
Num doce balanço
A caminho do mar
A primeira gravação foi em 1962, por Pery Ribeiro. Uma versão de 1964 por Astrud Gilberto, acompanhada pelo saxofonista de jazz Stan Getz, virou um hit internacional. A versão em inglês foi feita por Norman Gimbel e, embora engenhosa, era uma simplificação para o gosto americano. Jobim detestou e, com seu humor cáustico, passou a chamar o letrista de “Norma Bengell”. É a versão em inglês que abre o álbum de 1967 “Francis Albert Sinatra & Antônio Carlos Jobim”. “Garota de Ipanema” é considerada a segunda canção mais tocada de todos os tempos, só superada por “Yesterday”, do Beatles.
Ainda segundo o relatório do Ecad para 2021, completam o ranking das cinco canções brasileiras mais gravadas:
• “Carinhoso”, de Pixinguinha e Braguinha, com 414 gravações.
• “Asa branca”, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, com 361 gravações.
• “Manhã de Carnaval”, de Luiz Bonfá e Antônio Maria, com 293 gravações.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022
Todo dia é Dia do Repórter • Por Roberto Muggiati
Dezembro de 1961: no Muro de Berlim, erguido quatro meses antes. |
Raul Giudicelli, o Grande Reacionário das redações – simpatizante do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) durante os Anos de Chumbo – decretava: “Editor não reporta, editor não escreve; editor edita!” Sempre me insurgi contra essa sandice. O repórter é a célula-mater do jornalismo. Durante os 68 anos de carreira (que completo no próximo dia 15 de março) acordei todo dia com a alma de repórter ligada. Quando me perguntam qual a qualidade principal exigida de um jornalista eu respondo: “A curiosidade. Por tudo, pela vida, pelo mundo, pelas pessoas. Se você não tem alma de repórter, vá trabalhar num banco, arranje um emprego público, torne-se até um milionário, mas jornalista você não vai ser nunca. Ontem, Dia Nacional do Repórter, descobri uma coisa curiosa da qual ainda não tinha me dado conta. Dos meus quase 70 anos de jornalismo,só exerci nominalmente a função de repórter no curto período de dois anos e quatro meses, como repórter especial da revista Manchete, ainda em Frei Caneca, entre novembro de 1965 e março de 1968. (Comecei em 1954 na Gazeta do Povo de Curitiba já como redator, depois estudei jornalismo em Paris e passei três anos em Londres, no Serviço Brasileiro da BBC.) Depois do curso de jornalismo em Paris, visitei a Alemanha como jornalista convidado em dezembro de 1961. Em retribuição, vi-me usado como propaganda anticomunista, fotografado sob vários ângulos diante do Muro de Berlim, erguido quatro meses antes. Os anfitriões capitalistas nos tratavam regiamente. Uma noite, jantando na cobertura do Hotel Hilton de Berlim, me vi como penetra no coquetel de lançamento do filme “Julgamento em Nuremberg”, cara a cara com ídolos como Montgomery Clift,Spencer Tracy e Judy Garland. Foi durante minha estada em Berlim que se negociou a troca de dois famosos acusados de espionagem: o piloto americano Francis Gary Powers e o agente russo Rudolf Abel (no filme de Steven Spielberg “Ponte dos Espiões”(2015), Tom Hanks faz o papel do advogado negociador.)
Na BBC, no ano do quarto centenário de nascimento de Shakespeare, 1964, fui ao teatro de Stratford-upon-Avon cobrir a estreia da peça “Ricardo III”. Sentei ao lado do maior crítico teatral de fala inglesa, Kenneth Tynan. Shakespeariano da gema, em 1969 ele surpreenderia o mundo com o irreverente musical “Oh! Calcutta!” No ano anterior, para celebrar Hemingway, fui ao famoso festival de touradas de Las San Fermines, em Pamplona, no país basco espanhol. Dez anos depois, na redação de Manchete, escrevi na série Obras Primas que Poucos Leram sobre o romance de Hemingway “O sol também se levanta”, o autorretrato da Geração Perdida, que se passa durante Las San Fermines.
Iniciando na Manchete como “repórter especial”, devido ao domínio de línguas, escapei do rito de passagem do “foca”. Geralmente, no primeiro dia de trabalho, ele era mandado à oficina para buscar uma calandra, aquele pesado cilindro metálico atrelado à máquina de impressão... Ou então cobrado rispidamente: “Vá urgente ao Jardim Zoológico entrevistar o diretor, o Dr. Leão! Se não estiver, procure a secretária, Dona Ema...” Tive bons momentos no breve período da Manchete, percorri toda a Baixada Fluminense inundada pelas chuvas do verão de 1966, fui a Jacarepaguá entrevistar o vidente que previu a catástrofe (para a Rolleiflex do Raimundo Costa o farsante posou de turbante diante de uma bola de cristal). Outro episódio típico da vida de um repórter: de terno e gravata (obrigatórios) fui comprar uma foto na Última Hora,na Praça da Bandeira – mais conhecida como Praça da Banheira – com água pela cintura.
Passei um sábado inteiro na Casa da Manchete em Teresópolis para uma entrevista exclusiva com o Dr. Albert Sabin, que inverteu os papeis: primeiro ele me entrevistaria, para saber se eu estava à altura da empreitada: “Tell me, young man, vaaattt is can-cerr?” Aprovado, acabei me tornando, para os próximos 25 anos, o entrevistador “by appointment” do Dr. Sabin, incluindo uma entrevista gravada para o lançamento da Rede Manchete que custou um sábado da minha vida, com várias horas de estúdio para legendar as falas em português. Amante do teatro, Zevi Ghivelder incumbiu-me de entrevistar o grande ator shakespeariano Sir John Gielgud, em visita ao Rio, jamais esquecerei aquela voz metálica maravilhosa. Fiz uma entrevista virtual com Jorge Luís Borges – um lance tipicamente borgiano:elaborei as perguntas que o fotógrafo Italo Sani gravou com Borges em Buenos Aires, onde fez fotos fabulosas do mestre, então diretor da Biblioteca Nacional.
Carnaval de 1967 no Copacabana Palace, o cacófato é irresistível: “Viva Gina!” |
Excitante mesmo foi encontrar-me com Gina Lollobrigida no Carnaval de 1967, o intérprete era Alessandro Porro, mas falei diretamente em italiano com a diva, paramentada de dama da Belle Époque para o Baile do Copacabana Palace.
Deixei a Manchete em 1968 para ser um dos editores da equipe que lançaria a revista Veja. Lá, almocei no bandejão com os emergentes Mutantes. O único almoço VIP, numa saleta na cobertura do prédio do Abril, foi quando ajudei o capo Victor Civita a receber Abelardo Chacrinha Barbosa, no auge da fama com o seu bordão “quem não comunica, se trumbica!” Quando Antônio das Mortes/O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro concorria ao Festival de Cannes em 1969, comecei a preparar uma possível matéria de capa, como editor de Artes e Espetáculos da Veja. Glauber, gênio rebelde, era também um incrível marqueteiro e me aparece inopinadamente um dia na redação, brindando-me com histórias de cocheira (afinal, era uma saga equestre) das filmagens.Contou como uma pesada câmera foi perigosamente içada por meio de frágeis cordas a uma escarpada montanha no sertão baiano. Terminada com sucesso a complicada operação, Glauber e Maurício do Vale (Antônio das Mortes) se entreolham.
– Deus existe? – diz um.
– É possível – conclui o outro.
Cannes deu a Glauber a Palma de Ouro de direção, Glauber foi capa da Veja e o editor Mino Carta se dignou, na sua “conversa com o leitor”, a conferir a autoria da matéria a mim, numa revista em que os textos raramente eram creditados.
De volta à Bloch, depois de um ano como editor de Fatos&Fotos e outro ano como chefe de redação da EleEla, dirigida pelo Cony, sou convidado por Justino Martins para ser o seu “segundo” na Manchete. A partir de 1975, assumo a direção da revista. Não abro mão da atividade de repórter.
Julho de 2009: com Hermeto Pascoal e Aline Morena na Serra Catarinense. |
Em 1979 vou cobrir a Noite Brasileira no Festival de Jazz de Montreux com Hermeto Pascoal e Elis Regina. Tive o privilégio de viajar do Galeão até Genebra com o Bruxo e toda sua banda. Nasceu aí uma amizade de mais de quarenta anos. Outro gênio marqueteiro, Hermeto lançou em 1987 o álbum “Só não toca quem não quer”, em que cada faixa era dedicada a um crítico de música, a minha chamava-se “Viagem”. De 1985 a 1988 compareço às edições de Montreux com minha mulher Lena, que faz a cobertura fotográfica. Paralelamente, fazemos uma matéria para a Geográfica,destaque para “A Suíça de Hemingway” e “Sherlock Holmes está vivo e mora na Suíça”, com visitas ao castelo de Arthur Conan Doyle em Lucens e às cachoeiras de Reichenbach, onde Holmes e seu arqui-inimigo Moriarty travaram uma luta mortal. Em 1985,aproveitei a ida a Montreux para entrevistar um dos personagens mais misteriosos do Caso Baumgarten, o coronel Ari Aguiar Freire, adido militar do Brasil em Genebra, que rompeu um longo silêncio numa exclusiva para a Manchete.
Julho de 1986: de fraque e cartola aguardando o beijo do casamento real na sacada do Palácio de Buckingham. |
Em 1986, Lena e eu esticamos a viagem até Londres para cobrir o casamento real do Príncipe Andrew. Para comparecer à cerimônia na Abadia de Westminster, precisei alugar fraque e cartola, quem pagou as 150 libras foi nossa correspondente em Londres, Marina Wodtke, até hoje não foi reembolsada pela Bloch. Só dias depois ficamos sabendo que a Abadia, no auge do terrorismo do IRA,ia ser explodida, a contraespionagem britânica detectou o plano a tempo, com as bombas já devidamente instaladas nas fendas da imensa catedral de pedra. Um risco mais subjetivo eu corri ao me ver a sós no banheiro da Abadia com Elton John, amigo de Andrew e Fergie. Na matéria sobre o casamento, escrevi que, com amizades exóticas como aquela, o casamento não iria muito longe. Não só estava certo, como Andrew, acusado de abuso sexual, é hoje um pária entre os Windsor, destituído de todos os títulos e patentes militares.
A Manchete tinha uma bela série literária ilustrada comprada de uma revista italiana, Viagens Imaginárias. Em 1979, numa viagem oficial à Alemanha para conhecer as principais revistas semanais do país, publiquei “O mundo do jovem Werther de Goethe”. Em 1986, aproveitei a estada em Londres para fazer, com fotos de Lena, a Viagem Imaginária “A Londres de Sherlock Holmes”. A matéria foi comprada até por revistas estrangeiras.
Já no pós-falência da Bloch, entrei no regime do frila. Uma de minhas melhores fases, enquanto a mídia impressa ainda contava, foi fazendo os perfis da série “Gente & Histórias” na revista Contigo, a convite do ex-companheiro de Manchete José Esmeraldo Gonçalves. Viajei muito entre 2009 e 2014. Conheci o lixão de Gramacho com Nanko van Buuren, um holandês que toca uma dezena de projetos com suas ONGs; voltei a Gramacho para fazer um perfil do ex-catador de lixo Sebastião Carlos dos Santos, personagem principal do documentário que concorreu ao Oscar “Lixo Extraordináreio”, sobre a obra do arista plástico Vik Muniz. Conversei com Lizzie Bravo, a brasileira que gravou com os Beatles em Abbey Road; entrevistei a modelo brasileira Betty Lagardère, herdeira de um dos homens mais ricos do mundo,que num surto de paranoia exigiu que eu assinasse um documento de responsabilidade sobre o que fosse publicado; falei com Sérgio Ricardo em seu apartamento no Vidigal sobre a noite da “Violada em pleno auditório”, quando, vaiado pela plateia, quebrou seu instrumento num festival de música; penetrei nos perigosos desvãos do Complexo do Alemão para contar a história de Irlan dos Santos, o menino da favela que se tornou estrela do American Ballet Theatre em, Nova York; fiz perfis-obituários de Oscar Niemeyer, Paulo Moura, John Casablancas e Nelson Mandela. Minha primeira matéria foi um perfil da professora Cleonice Beradinelli, quando foi eleita pela Academia Brasileira de Letras em abril de 2009; Dona Cleo continua firme e forte, duplamente imortal, com 105 anos.
O jazz me levou para muitos lugares, só não me levou à Escadaria de Odessa, aquele monumento arquitetônico consagrado pela maior cena na história do cinema: o fuzilamento de inocentes por cossacos no filme de Sergei Eisenstein “O encouraçado Potemkim”. Explico: fiz traduções para a rádio A Voz da Rússia e os russos, depois de anexarem a Crimeia, inventaram um festival, o Odessa JazzFest, pediram minhas referências, mas o convite não veio, acho que foi muito em cima da hora.
No inverno de 2009, fui lançar meu livro “Improvisando soluções” em Florianópolis, num centro cultural em que Hermeto Pascoal dava um laboratório de sopros. Nosso reencontro foi num hotel-butique na Lagoa da Conceição, assim que me viu o Bruxo, grande trocadilhista, correu para me contar a última: “Muggiate, tá vendo aqueles quiosques à beira da lagoa? Acho que vou abrir uma barraca de cervejas, vai se chamar Barraco Brahma!” (os americanos tinha acabado de eleger seu primeiro Presidente negro.) Depois subimos a Serra Catarinense para um festival de jazz. Ficamos no Hotel Fazenda Curucaca, em Bom Retiro, um dos lugares mais frios do planeta. O show do Hermeto foi num Centro de Convenções de São Joaquim, também recém-inaugurado e sem calefação, a sensação térmica era de dez graus negativos, mas o velho Pascoal,com seu arsenal de instrumentos malucos que incluía até chaleiras, fez a sala quase pegar fogo. A volta de madrugada sob cerração pela estrada estreita de montanha trafegada por caminhões pesados foi uma temeridade, até hoje não sei como estamos vivos. Dois dias seguidos tomei o café da manhã com Hermeto e sua mulher e companheira de som Aline Morena – uma gaúcha com formação clássica, cantava árias de Mozart. Hermeto contou-me histórias incríveis de suas gravações com Miles Davis nos Estados Unidos. Na segunda manhã, surpreendeu-me com um brinde: uma partitura de saxofone tenor que compôs especialmente para mim.
Voltei a Florianópolis em 2015 para o Festival de Jazz Jurerê Internacional. Jurerê é um reduto de gente rica, com belas casas e o elenco do evento teve atrações como e o Buena Vista Social Club em sua turnê de despedida (Omara Portuondo e companhia continuam na estrada...) Fiz amizade com Madeleine Peyroux, que ficou boquiaberta quando lhe dei um exemplar do meu livro “New Jazz: De volta para o futuro”, de 1999, sobre a geração de jazzistas de Wynton Marsalis. Ela aparece em três páginas, com uma foto de página inteira e uma análise do seu primeiro álbum.
Setembro de 2014: 125 anos depois, nas videiras da Colônia Cecília, o sonho que trouxe os Muggiati para o Brasil. |
Tenho ido mais a Curitiba, minha cidade natal, depois que fui eleito para a Academia Paranaense de Letras em 2011. Durante 2015, por obra e graça da amiga Sônia Suplicy de Lacerda, que providenciou carro e motorista, fui visitar o local onde existiu no final do século 19 a colônia anarquista Cecília. Não fosse ela e eu não estaria no Brasil. Meu bisavô Ernesto Muggiati, de Stradella, frequentava a Casa del Popolo em Milão e ouvia as pregações anarco-sindicalistas de Giovanni Rossi, que conseguiu de D. Pedro II terras nos arredores de Palmeira, no Paraná, para instalar ali uma pioneira colônia anarquista. Meu bisavô veio antes dos colonos, mas morreu de febre amarela ao chegar a Paranaguá, em 3 de março de 1898. A viúva, Maria Quaroni, com dois filhos de duas filhas, subiu a serra e se instalou em Curitiba. Um dos filhos, Diogo Muggiati,era meu avô, a quem devo a nacionalidade italiana. Quanto à Colônia Cecília, só existiu de 1890 a 1893. Formada por intelectuais urbanos, sem experiência agrícola, sofreu ainda a hostilidade da comunidade polonesa vizinha, fortemente católica, do clero e das autoridades locais, que promoveram o ostracismo dos anarquistas.
Há muito tempo venho querendo escrever um livro de memórias, mas sou atropelado pelo presente, que se torna passado e me acumula de mais memórias. Sei que enquanto tiver lucidez e saúde, vou continuar “fabricando” histórias e nada me dá mais prazer do que compartilhar essa experiência de vida com o próximo.
*Fotos - Acervo Pessoal do autor
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022
Mídia: o novo jogo das idéias velhas
terça-feira, 15 de fevereiro de 2022
Fotomemória da redação: país & filhos na Manchete
(Do Facebook Fatos, fotos, histórias do Rio Antigo. Por Célia Fernanda Fontoura)
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022
Fellini perdeu essa cena: a Anitta brasileira pôs Anitta Ekberg no chinelo
Anitta no comercial dos chinelos a Brizza. Reprodução You Tube |
por José Esmeraldo Gonçalves A campanha dos chinelos Brizza, marca da Arezzo, mostra a intimidade da cantora Anitta. Intimidade mesmo. Muito além de tudo que os paparazzi das revistas de celebridades ousariam flagrar. Aliás, as famosas fotos dos sucessores dos fotógrafos que Fellini eternizou em La Dolce Vita - o clássico dos anos 1960 que desvendou as baladas de Roma e o agito da Via Veneto - já foram largamente substituídos por "autoflagras" clicados pelas próprias famosas e generosamente postados nas redes sociais.
Os anúncios da Brizza mostram Anitta em diversas situações do seu dia a dia doméstico como se fosse alvo de um paparazzo. São cenas da cantora passando roupa, cozinhando e tomando banho de banheira. Mas o flagra que está bombando na internet é feliniano. Anitta faz cocô para vender chinelos. Na boa. Poderia estar descalça, mas a Arezzo recomenda que se use a Brizza nessas situações. Poderia anunciar o celular qie navega enquanto curte seu momento fisiológico, poderia recomendar a marca de papel higiênico com o qual finaliza o processo, mas no contexto a Brizza é coadjuvante contratada e Anitta a estrela suprema.
E pensar que em Dolce Vita Felini teve uma Anitta, a Ekberg, à disposição e a maior "vulgaridade" a que se permitiu foi levá-la a tomar um banho memorável eternizado em uma sequência belissioma na Fontana de Trevi na fachada do Palazzo Poli.
Lembrando ao público da geração Netflix que Fellini era mestre em explorar o grotesco. Em Casanova ele fez o pobre Donald Sutherland interpretar um conquistador vulgar - assim o diretor via Giacomo Casanova - e o colocou em situações ridículas como disputar com um serviçal um campenonato de orgasmos. Pois é, nem Fellini, que ultrapassava seus próprios limites e os da Itália cadinalícia, imaginou filmar a monumental Ekberg, sex symbol sueca, xará da brasileira, anunciando chinelos enquanto fazia cocô.
Veja o vídeo de Anitta na casinha AQUI
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022
terça-feira, 8 de fevereiro de 2022
Na capa da Piauí: os navegantes negros
domingo, 6 de fevereiro de 2022
O dia em que a Covid-19 chegou a Riachão do Bacamarte, no agreste da Paraíba • Por Roberto Muggiati
Riachao do Bacamarte. Foto Facebook |
Riachão do Bacamarte fica na Região Metropolitana de Itabaiana. Sua população em 2011 foi estimada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 4.312 habitantes, distribuídos em 38 km² de área. Em julho de 2021, quando a cidade já era a única da Paraíba sem mortes por Covid-19, a TV Paraíba fez uma reportagem sobre o combate à pandemia no local. Moradores relataram que, entre as medidas de prevenção, estava o uso de carros de som que informavam os moradores sobre os protocolos sanitários. Na ocasião, a cidade contava com duas unidades de saúde, uma delas para atendimento exclusivo de casos suspeitos de Covid-19 .
Os riachonenses têm um belo brasão de armas e até um hino. O município fica na região de Campina Grande, a 100 km da capital, João Pessoa. Em homenagem à brava cidade, vamos ouvir o seu hino?
https://www.youtube.com/watch?v=r62ks1Uj1Ss
sábado, 5 de fevereiro de 2022
Olimpíadas de Inverno: Brasil tem chance na modalidade "esqui na farofa"
Foto COI. Pequim 2022 |
por O.V.Pochê
Os Jogos Olímpicos de Inverno 2022 estão bombando em Pequim. Bonito de ver. Uns poucos atletas brasileiros, a maioria residente no exterior, estão na China. O Brasil tem tanta vontade de participar desses jogos quanto de entrar para a OCDE. Coisa de novo rico, diria um desalmado.
A verdade é que a China recorreu a geradores de neve para garantir pistas melhores, embora a temperatura hoje em Pequim esteja em torno de -3 graus Celsius. Não é vexame apelar para a tecnologia. Nas últimaas edições, países que sediaram os Jogos respeitaram o aquecimento global e derem um gás extra de neve artificial na neve de raiz. Não está fácil para ninguém.
Se é assim o Brasil tem chances de no futuro sediar as olimpíadas mais sofisticadas do mundo. Por enquanto foi privilégio de apenas 10 países e Pequim é a primeira cidade a sediar os jogos de verão e de inverno.
Aqui temos geadas e às vezes neve. Em São Joaquim, em dia de nevasca, há até que arrisque deslizar nos barrancos. Dura pouco. Em Gramado há instalações artificiais para esqui. Acho que em São Paulo e no Rio de Janeiro (Teresópolis) também há pistas artificiais. No mais, brasileiros ricos vão esquiar em Aspen, e na Europa. Os menos ricos mas ainda abonados vão para Chillán, no sul do Chile, e Valle Nevado, em Santiago. Mas tem que checar antes. Às vezes há dias seguidos de temperaturas mais altas e a neve vai embora.
Independentemente de ter neve, o Brasil terá outro impedimento. Como se diz na internet, o Bananão ( alô Ivan Lessa) não tem roupa para participar de jogos de inverno. Viu os uniformes, roupas, casacos, luvas, gorros, complementos térmicos? Aquilo tudo custa vários auxílios emergenciais. Um atleta olímpico de inverno vai ver precisa de mais calorias do que Piauí, Alagoas, Bahia, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Ceará, e Pernambuco e Amazonas juntos. Relaxa, amigo, capacete de skeleton, sapatilha de bobsleigh, ombreira, cotoveleira, joelheira e trenó, por exemplo, custam mais do que casa própria.
No Rio, hoje, a média da temperatura é de 31 graus centigradões. Claro que ver a provas em Pequim faz muitos "viajarem" quase no sentido lisérgico. A elite sonha com OCDE e Jogos de Inverno. Mas só saberemos se chegaremos lá quando Paulo Guedes calçar esquis e deslizar na neve até Copacabana. Ou até os salões do OCDE. Ou quando Damares descer uma montanha em esqui e reencontrar Jesus na tundra de tomando vodca para segurar a onda.
Um adendo: se surgir a modalidade de esqui na farofa, Brasil vai se dar bem.
Sobrou para as engenheiras
Repercute nas redes sociais, post em que Eduardo Bolsonaro sugere que a contratação de mulheres engenheiras pode ter a ver com a inundação de uma obra do metrô ao lsdo do Tietê após rompimento de uma tubulação de esgoto. A insinuação fica clara com a anexação no mesmo post de um institucional da empresa resposável pela obra sobre a contratação de mulheres. Segundo Monica Bergamo, da Folha, a empresa repudiou a insinuação.
Na capa da IstoÉ: o Sujismundo voltou
Em 1972, esse paladino da limpeza invadiu a TV. A ditadura considerava que os brasileiros emporcalhavam o país e precisavam de um corretivo higiênico. Bolsonaro acha que pobre baba no prato ao comer.
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022
Com Monica nas Ilhas • Por Roberto Muggiati
• Gabrielle Ferzetti e Monica Vitti: cabelos ao vento nas Ilhas Eólias.. |
Foi Monica Vitti quem me levou para as Ilhas Eólias no verão de 1961. Explico: em outubro de 1960, recém-chegado de Curitiba para um ano de bolsa de estudos em Paris, uma das primeiras coisas que fiz foi correr a um cinema para ver L’Avventura, o filme-sensação da época. A história escrita pelo diretor do filme, Michelangelo Antonioni, e estrelada por sua musa, Monica Vitti, ganhou em Cannes o Prêmio Especial do Júri naquele ano, “por uma nova linguagem cinematográfica e pela beleza de suas imagens”. O clima misterioso do filme é marcado já nas primeiras cenas passadas nas Ilhas Eólias, ao largo do litoral norte da Sicília. Elas ocupam a primeira hora do filme de 2h23.
Era o tempo do “cinema de autor” – tese desmentida pelo trabalho de coautoria das musas-atrizes. Que seria o cinema de Godard sem Anna Karina? O de Chabrol sem Stéphane Audran? O de Bergman sem Liv Ullman? O de Fellini sem Giulietta Masina? Antonioni e Monica se conheceram em 1957, ele com 45, ela com 26 anos. Fizeram história durante os dez anos do seu relacionamento, depois partiu cada um para seu lado. A ideia de A aventura surgiu justamente de uma rusga do casal. Depois de uma discussão com Antonioni, Monica decidiu sumir do mapa. Foram só duas horas de sumiço, mas bastaram a Antonioni para criar a história de Anna (Lea Massari), que sai para nadar com um grupo de amigos e desaparece pelo resto do filme depois de um mergulho. Enquanto eu explorava as Ilhas Eólias, Antonioni filmava A noite, com Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau como protagonistas e a Vitti em segundo plano. Em 1962, Monica volta como estrela ao lado de Alain Delon em O eclipse. A aventura, A noite e O eclipse foram catalogados como a Trilogia da Incomunicabilidade; outras trilogias, muito peculiares, vieram a seguir.*
Não encontrei nenhuma Monica Vitti nas Ilhas Eólias, mas não me arrependi do que na época era um destino turístico dos mais insólitos. Na ilha de Vulcano tive contato direto com os vapores amarelados de enxofre que escapavam de fendas no paredão da montanha – um contato causticante e “presencial” com as profundas do Inferno. A ilha mais bonita é Salina, sua parte povoada e verdejante fica no alto de um pico a mil metros acima do mar. A mais fértil do arquipélago, Salina cultiva alcaparras exportadas para o mundo inteiro e uvas a partir das quais produz o vinho “Malvasia delle Lipari”. Ali foi rodado o filme O carteiro e o poeta, inspirado num episódio da vida de Pablo Neruda.
Conferi Monica nos jornais de ontem, a mesmice de sempre nos obituários-verbete, achei só uma bela frase na análise de Inácio Araujo da Folha: “Atriz de porte heráldico e movimentos suaves, foi a face da modernidade”.Aliás, a vocação cinematográfica das Eólias impressiona. Stromboli, famosa por sua “happy hour” vulcânica – uma erupção todo dia ao fim da tarde com o espetáculo da lava vermelha escorrendo pelas rochas diretamente para o mar – foi o cenário do filme Stromboli, em que Roberto Rosselini dirigiu Ingrid Bergman, os dois no auge do seu casamento proibido que chocou as famílias católicas do mundo. Mais recentemente, Nani Moretti, no seu original Caro Diario (1993), focaliza as Eólias num dos três episódios, Le Isolle.
A aventura me levou também a Noto, pequena cidade que abriga um espetacular conjunto de igrejas que refletem todo o esplendor do barroco siciliano. Ali se passa um momento do filme que define todo o tédio e amargura do personagem Sandro (Gabrielle Ferzetti). Ele deixa Claudia, cantando e dançando apaixonada no quarto do hotel – uma cena exemplar do talento multifacetado da Vitti – e sai para passear diante das igrejas de Noto. Um estudante de arquitetura retrata a nanquim o majestoso conjunto arquitetônico, Sandro balança seu chaveiro e derruba o tinteiro de nanquim de propósito sobre o desenho.
Antonioni, melhor do que ninguém, soube falar de Monica Vitti: “O que ela tem de mais estranho são seus olhos. Eles não se detêm em nenhum objeto, mas fixam segredos distantes. É o olhar de alguém que procura um lugar para encerrar o seu voo, mas não o encontra”.
*Outras trilogias
O Silêncio |
• A Trilogia do Silêncio, Ingmar Berman: Através de um espelho (1961), Luz de outono (1963), O silêncio (1963).
Clint Eastwood |
• A Trilogia dos Dólares (ou Trilogia do Homem sem Nome), Sergio Leone/Clint Eastwood: Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito(1966).
O Bebê de Rosemary |
• A Trilogia do Apartamento, de Roman Polanski: Repulsa ao sexo (1965), O bebê de Rosemary (1968), O inquilino (1976).
• De volta para o futuro, de Robert Zemeckis: 1, 2 e 3 , de 1985, 1989 e 1990. (No mesmo filão pode ser inserida a série do Indiana Jones.)
Marlon Brando |
• O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola: 1, 2 e 3 , de 1972, 1974 e 1990.
• A Pentalogia de Antoine Doinel de François Truffaut: Les 400 coups, Os incompreendidos (1959), “Antoine et Colette”, episódio de L’Amour à Vingt Ans (1962), Baisers Volés/Beijos roubados (1968), Domicile conjugal/Domicílio conjugal (1970) e L’Amour en Fuite/O amor em fuga (1979).
• E o duo À Bout de Souffle/Acossado (1960) e Pierrot le Fou/O demônio das onze horas (1965), de Jean-Luc Godard.
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022
Eles não estão na agenda do zap: troca de cartas entre Globo e Lula não deu match
"Muita careta pra engolir a transação/ E a gente tá engolindo cada sapo no caminho"
Essa letra de um canção de Chico Buarque deve ter inspirado Lula a escrever uma carta, nessa semana, para o Grupo Globo.
Em um case de comunicação provavelmente inédito ao ser formaliozado em uma missiva, Lula foi convidado e se recusou a dar uma entrevista gravada à Globo. Simplesmente declinou. Não dá para dizer que Lula não tem razão. Ele já afirmou em outras ocasiões que até daria entrevista desde que fosse ao ivo, sem edição. É atacado há décadas pelo poderoso grupo de comunicação, como Brizola o foi, sem direito de resposta. Desde a edição manipulada no Jornal Nacional, em 1989, o ex-presidente e pré-candidato em 2022 não confia no jornalismo da Vênus Platinada e não pretende cair em outra armadilha.
Alô correio, de Lula para a Globo. Leia:
“Agradeço o convite para uma entrevista para o jornal O Globo em uma série sobre ex-presidentes da República. Seu convite destoa da censura imposta pelas Organizações Globo. Não confundo as organizações com as diferentes condutas profissionais de cada um dos seus jornalistas. O que me impede de atendê-lo é o notório tratamento editorial que as Organizações Globo adotam em relação a mim, meu governo e aos processos judiciais ilegais e arbitrários de que fui alvo, que têm raízes em inverdades divulgadas pelos veículos da Globo e jamais corrigidas, apesar dos fatos e das evidências nítidas, reconhecidas por juristas no Brasil e no exterior. As próprias sentenças tão celebradas pela Globo são incapazes de apontar que ato errado eu teria cometido no exercício da presidência da República. Fui condenado por ‘atos indeterminados’. Ao invés de ser analisada com isenção jornalística, a perseguição judicial contra mim foi premiada pelo O Globo. As revelações do site The Intercept foram censuradas, escondendo as provas de que fui julgado por um juiz parcial, em conluio com os promotores, que sabiam da fragilidade e falta de provas da sua acusação. Enquanto não for reconhecido e corrigido o tratamento editorial difamatório das Organizações Globo não será possível acolher um pedido de entrevista como parte de uma normalidade que não existe, pelos parâmetros do jornalismo e da democracia."
Luiz Inácio Lula da Silva
Publimemória: no tempo das páginas duplas...
por Ed Sá
O anúncio acima foi reproduzido do excelente site Propagandas Históricas, uma página fundamental para as novas gerações conhecerem um importante aspecto da publicidade antes da internet.
Campanhas como a da Duloren estampavam vistosas páginas duplas da Manchete. Impossível não vê-las. Há poucos dias, um relatório do IVC registrou a queda de circulação das versões impressas dos jornais. Em média, entre os dez grandes veículos nenhum ultrapassa 80 mil exemplares. Nos últimos anos, muitas revistas fecharam ou sobrevivem apenas em versões digitais. No caso dos jornais, registra-se um aumento considerável de assinantes do digital. Trata-se de uma tendência mundial. Mas não há como negar que anúncios nas revistas coloridas impressas tinham um impacto visual que o meio digital acessível nas telas dos celulares não alcança. Muitos eram verdadeiras obras de arte. Outros eram ousados, como esse da Duloren, uma peça publicirária inconcebível atualmente. Com certeza provocaria polêmicas.
A criminalização de Moïse Mugenyi: um roteiro anunciado
por José Esmeraldo Gonçalves
O assassinato de Moïse Mugenyi é mais uma dessas tragédias cariocas. A crueldade no Rio é randômica, um ciclo onde um crime bárbaro logo é substituido por outra selvageria na maioria das vezes cometida por facções criminosas que dominam áreas da cidade. A polícia ainda apura a barbaridade que foi cometida no quiosque Tropicália, na Barra da Tijuca. Por enquato não há conclusões sobre ligação dos assassinos do congolês com o crime organizado.
O que já está em curso é o que parece ser uma antiga estratégia para criminalizar a vítima.
Nos anos 1970, um advogado que atuava como assistente de acusação em um crime de muita repercussão revelou - em conversa informal com um jornalista da Fatos & Fotos -, o que poderia ocorrer na sombra que muitas vezes encobre um fato criminal.
A primeira atitude seria criar confusão, fomentar versões, levantar antecedentes da vítima, confundir a opinião pública, coordenar depoimentos de autores dos crimes e, se possível, encontrar testemunhas com novas e conflitantes versões. Criminalizar a vítima seria o resultado final dessa estratégia no mínimo antiética por estimular a ficção. Mais tarde, completava o advogado, já com um crime fora da mídia mas ainda em fase final de inquérito, abria-se espaço para uma nova etapa, digamos, mais confortável para as estratégias da defesa, sem o incômodo de uma opinão pública vigilante a cobrar justiça e com a mídia distante, provavelmente ocupada com outro crime mais "quante".
Basta acompanhar na mídia a repercussão de um desses crimes bárbaros que dá para identificar as marolas plantadas. Em pouco tempo, o congolês corre o risco de virar uma espécie de autor do seu próprio assassinato. "Mereceu morrer", é o que se extrai dos primeiros depoimentos.
Se não fossem a mobilização da família e amigos e o vídeo que registra passo a passo a ação dos assassinos o caso Moïse seria apenas mais um corpo desovado, sem história, sem direito, sem culpados. Tanto que um dos autores do linchamento preocupou-se em saber se as câmeras do quiosque estavam ligadas. Diante da negstiva, ficou aliviado. Comemorou cedo demais. O vídeo, um dos mais brutais já vistos, apareceu e tornou-se público.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022
Temer é o "siri" da República
Na antiga revista Manchete os contínuos era apelidados de "siris". Provavelmente porque passavam o dia andando para frente e para trás nos corredores das redações, da administração, da publicidade etc. Michel Temer com essa mania de levar cartas a Bolsonaro e transmitir recados a sei lá quem daria um bom "siri" na Manchete |