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sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Com Monica nas Ilhas • Por Roberto Muggiati

• Gabrielle Ferzetti e Monica Vitti: cabelos ao vento nas Ilhas Eólias..

Foi Monica Vitti quem me levou para as Ilhas Eólias no verão de 1961. Explico: em outubro de 1960, recém-chegado de Curitiba para um ano de bolsa de estudos em Paris, uma das primeiras coisas que fiz foi correr a um cinema para ver L’Avventura, o filme-sensação da época. A história escrita pelo diretor do filme, Michelangelo Antonioni, e estrelada por sua musa, Monica Vitti, ganhou em Cannes o Prêmio Especial do Júri naquele ano, “por uma nova linguagem cinematográfica e pela beleza de suas imagens”. O clima misterioso do filme é marcado já nas primeiras cenas passadas nas Ilhas Eólias, ao largo do litoral norte da Sicília. Elas ocupam a primeira hora do filme de 2h23. 

Era o tempo do “cinema de autor” – tese desmentida pelo trabalho de coautoria das musas-atrizes. Que seria o cinema de Godard sem Anna Karina? O de Chabrol sem Stéphane Audran? O de Bergman sem Liv Ullman? O de Fellini sem Giulietta Masina? Antonioni e Monica se conheceram em 1957, ele com 45, ela com 26 anos. Fizeram história durante os dez anos do seu relacionamento, depois partiu cada um para seu lado. A ideia de A aventura surgiu justamente de uma rusga do casal. Depois de uma discussão com Antonioni, Monica decidiu sumir do mapa. Foram só duas horas de sumiço, mas bastaram a Antonioni para criar a história de Anna (Lea Massari), que sai para nadar com um grupo de amigos e desaparece pelo resto do filme depois de um mergulho.  Enquanto eu explorava as Ilhas Eólias, Antonioni filmava A noite, com Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau como protagonistas e a Vitti em segundo plano. Em 1962, Monica volta como estrela ao lado de Alain Delon em O eclipse. A aventura, A noite e O eclipse foram catalogados como a Trilogia da Incomunicabilidade; outras trilogias, muito peculiares, vieram a seguir.*


                                                  Salina: a mais verdejante das Eólias.

 

Não encontrei nenhuma Monica Vitti nas Ilhas Eólias, mas não me arrependi do que na época era um destino turístico dos mais insólitos. Na ilha de Vulcano tive contato direto com os vapores amarelados de enxofre que escapavam de fendas no paredão da montanha – um contato causticante e “presencial” com as profundas do Inferno. A ilha mais bonita é Salina, sua parte povoada e verdejante fica no alto de um pico a mil metros acima do mar. A mais fértil do arquipélago, Salina cultiva alcaparras exportadas para o mundo inteiro e uvas a partir das quais produz o vinho “Malvasia delle Lipari”. Ali foi rodado o filme O carteiro e o poeta, inspirado num episódio da vida de Pablo Neruda.


Conferi Monica nos jornais de ontem, a mesmice de sempre nos obituários-verbete, achei só uma bela frase na análise de Inácio Araujo da Folha: “Atriz de porte heráldico e movimentos suaves, foi a face da modernidade”.Aliás, a vocação cinematográfica das Eólias impressiona. Stromboli, famosa por sua “happy hour” vulcânica – uma erupção todo dia ao fim da tarde com o espetáculo da lava vermelha escorrendo pelas rochas diretamente para o mar – foi o cenário do filme Stromboli, em que Roberto Rosselini dirigiu Ingrid Bergman, os dois no auge do seu casamento proibido que chocou as famílias católicas do mundo. Mais recentemente, Nani Moretti, no seu original Caro Diario (1993), focaliza as Eólias num dos três episódios, Le Isolle.

A aventura me levou também a Noto, pequena cidade que abriga um espetacular conjunto de igrejas que refletem todo o esplendor do barroco siciliano. Ali se passa um momento do filme que define todo o tédio e amargura do personagem Sandro (Gabrielle Ferzetti). Ele deixa Claudia, cantando e dançando apaixonada no quarto do hotel – uma cena exemplar do talento multifacetado da Vitti – e sai para passear diante das igrejas de Noto. Um estudante de arquitetura retrata a nanquim o majestoso conjunto arquitetônico, Sandro balança seu chaveiro e derruba o tinteiro de nanquim de propósito sobre o desenho.

Antonioni, melhor do que ninguém, soube falar de Monica Vitti: “O que ela tem de mais estranho são seus olhos. Eles não se detêm em nenhum objeto,  mas fixam segredos distantes. É o olhar de alguém que procura um lugar para encerrar o seu voo, mas não o encontra”.


*Outras trilogias

O Silêncio

• A Trilogia do Silêncio, Ingmar Berman: Através de um espelho (1961), Luz de outono (1963), O silêncio (1963).

Clint Eastwood

• A Trilogia dos Dólares (ou Trilogia do Homem sem Nome), Sergio Leone/Clint Eastwood:  Por um Punhado de Dólares (1964), Por uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens em Conflito(1966).

O Bebê de Rosemary

• A Trilogia do Apartamento, de Roman Polanski: Repulsa ao sexo (1965), O bebê de Rosemary (1968), O inquilino (1976).

• De volta para o futuro, de Robert Zemeckis: 1, 2 e 3 , de 1985, 1989 e 1990. (No mesmo filão pode ser inserida a série do Indiana Jones.)

Marlon Brando

• O poderoso chefão, de Francis Ford Coppola: 1, 2 e 3 , de 1972, 1974 e 1990.
* • A tetralogia de Psicose: o filme original de 1960 teve as sequências Psicose 2 (1983), Psicose 3 (1986), Psicose 4 : A revelação(1990), todas estreladas por Anthony Perkins, sendo a terceira dirigida por ele. Teve ainda um remake fraquíssimo, por Gus Van Sant, em 1998. Em 2012 Sacha Gervasi dirigiu Hitchcock, drama sobre a relação de Hitchcock (Anthony Hopkins) com a mulher Alma Reville (Helen Mirren) durante a filmagem de Psicose.
• A saga de Tom Ripley, formada por cinco romances de Patricia Highsmith, teve várias versões: O sol por testemunha (1960), de René Clement, com Alain Delon; O amigo americano (1977), baseado em Ripley’s Game, dirigido por Wim Wenders, com Dennis Hopper no papel de Ripley; o mesmo romance também foi dirigido por Liliana Cavani em 2002, O retorno do talentoso Ripley, com John Malkovich no papel principal; Barry Pepper faz Ripley no filme de Roger Spottiswoode Ripley Under Ground/Ripley no limite (2005); o primeiro romance da série, foi refilmado em 1999 (O talentoso Mr. Ripley) por Anthony Minghella com Matt Damon como protagonista.
• Em 1991, Jonathan Demme dirigiu O silêncio dos inocentes, estrelado por Anthony Hopkins e Jodie Foster. O filme desencadearia a saga de Hannibal, com o polivalente Hopkins bilhando no papel do canibal.
* Sem esquecer a nouvelle vague:


• A Pentalogia de Antoine Doinel de François Truffaut: Les 400 coups, 
Os incompreendidos (1959), “Antoine et Colette”, episódio de L’Amour à Vingt Ans (1962), Baisers Volés/Beijos roubados (1968), Domicile conjugal/Domicílio conjugal (1970) e L’Amour en Fuite/O amor em fuga (1979).

• E o duo À Bout de Souffle/Acossado (1960) e Pierrot le Fou/O demônio das onze horas (1965), de Jean-Luc Godard.