segunda-feira, 14 de março de 2016

Crise política: o golpe foi às ruas no domingo. Na próxima sexta, será a vez da defesa da democracia...

Rio: As manifestações pela queda de Dilma reuniram a classe média, majoritária e visivelmente. Milhões de pessoas foram à rua em centros urbanos. Segundo pesquisa do Datafolha na Avenida Paulista - que recebeu o maior número de pessoas - mais da metade declarou renda entre 5 e 20 salários mínimos (números que ultrapassam em três vezes a média geral da capital paulista) e 12% se identificaram como empresário.  Foto de Tania Rego/AG Brasil. 

A ditadura foi lembrada. Como em 1964, às vésperas do regime militar, grande parcela da classe média convocada pela mídia conservadora lotou avenidas.
Foto André Tambucci/Fotos Públicas
Trio elétrico em Copacabana pede a volta dos tempos do choque elétrico. Reprodução DCM

Pressão pelo impeachment. Foto Andre Tambucci/Fotos Públicas

O fantasma do comunismo ainda assusta os conservadores. Fotos Públicas

Revoltosas na Av.Paulista. Foto André Tambucci/Fotos Públicas 

Alegoria de Lula morto. Foto André Tambucci/Fotos Publicas

Aécio Neves, citado várias vezes na Lava Jato,  e Geraldo Alkmin, à frente de um governo que acumula escândalos como o da merenda escolar, metrô, máfia de impostos etc, foram hostilizados ao tentar participar da manifestação pelo golpe em SP. Reprodução Facebook

Gucci em selfie no protesto. Foto Andre Tabucci

Bolsonaro em Brasília. Foto Wilson Dias/Ag Brasil

Marcha da Família em Brasília. Foto Wilson dias/Ag Brasil
A foto acima, no Rio, viralizou na web como uma espécie de símbolo colonial da classe alta indignada: família vai ao protesto com bebês e babá uniformizada. Debret faria disso uma gravura dos tempos da Corte. Reprodução Instagram

O golpe é fashion. Fotos Públicas




NO PRÓXIMO DIA 18, BRASILEIROS EM DEFESA DA DEMOCRACIA, DAS POLÍTICAS SOCIAIS, CONTRA A ESPECULAÇÃO FINANCEIRA E O GOLPE DE ESTADO VÃO ÀS RUAS.
ONTEM, EM VÁRIAS CAPITAIS, LONGE DAS MANIFESTAÇÕES PELA QUEDA DE DILMA, TRABALHADORES, ESTUDANTES, MOVIMENTOS SOCIAIS E CIDADÃOS QUE NÃO CONCORDAM COM A DERRUBADA DE UMA PRESIDENTE ELEITA SE REUNIRAM EM VÁRIAS CIDADES PARA UMA PRÉVIA DAS MANIFESTAÇÕES MARCADAS PARA A PRÓXIMA SEXTA-FEIRA.
ASSIM COMO NESTE DOMINGO QUANDO  OS QUE DEFENDEM A DEMOCRACIA NÃO SE APROXIMARAM DOS PROTESTOS DOS CONSERVADORES, ESPERA-SE QUE, NO DIA 18, OS MILITANTES DO GOLPE NÃO INTERFIRAM NAS PASSEATAS.
A DEMOCRACIA AGRADECE.   
Jovens na rua contra a ameaça golpista. Foto Elifas Simas/Ag. PT

A convocação para as passeatas do dia 18 de março. Foto Elifas Simas/AG PT

E São Bernardo, manifestantes se solidarizam com Lula. Foto Paulo Pinto/PT

Disposição para lutar contra o golpe. Foto Adonis Guerra/SMABC
Foto Adonis Guerra/SMABC

domingo, 13 de março de 2016

Carlos Heitor Cony na Revista O Globo: "Anos atrás, no Nordeste, vi à venda uma camiseta preta com uma palavra em cinza, só dava para ler de perto: "Foda-se". Me arrependo de não ter comprado a tal camiseta. Seria ótima para meu aniversário de 90 anos"


Foto Ana Branco/Reprodução Revista O Globo




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Aos 90, Carlos Heitor Cony rejeita festejos e trabalha em 2 novos livros

por Alvaro Costa e Silva (para a Folha de Sâo Paulo)

Na próxima segunda (14), quando completa 90 anos, Carlos Heitor Cony vai fugir do mundo. Não permitiu que os confrades da Academia Brasileira de Letras lhe prestassem homenagem com uma exposição; e não gostou nada de ver uma caixa comemorativa com seus livros que estampava em grandes letras e números a data redonda –a ser lançada pela Ediouro, ainda sem preço definido.

"Jamais comemorei meu aniversário. E, nas poucas vezes em que cantei parabéns, nunca disse o último verso: 'Muitos anos de vida'. Não desejo isso para ninguém", afirma o escritor, que planeja viajar para uma cidade pequena: "Quem sabe Iguaba Grande?".

Cony está com o rosto corado de cigano e demonstra disposição. Desde que levou um tombo na Feira de Frankfurt, em 2014, não se sente tão bem. A queda fez um coágulo na cabeça, "do tamanho de uma maçã", e aumentou os cuidados com a saúde: ele está superando um câncer linfático que o obrigou a fazer tratamento quimioterápico e enfraqueceu movimentos de braços e pernas.

Anda de cadeiras de rodas. A mão direita ainda está meio presa. "Quando me pedem para sentar ao piano, só consigo tocar uma peça: 'Concerto para a Mão Esquerda', de Ravel", brinca.

"Meu apartamento virou uma UTI, vivo entupido de remédios, um deles ainda em experiência nos Estados Unidos, que custa R$ 18 mil a dose. Com exceção da família e alguns poucos amigos, só converso com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas. Passo horas na máquina de drenagem linfática. Mas o pior já passou. A vida é muito estranha, mas eu continuo nela."

A cabeça está tinindo; a fala característica, meio atropelada, esforçando-se para acompanhar a velocidade do pensamento a mil. A motivação é tanta que Cony –que afirmara já ter pendurado as chuteiras depois de publicar mais de 80 livros, entre romances, contos, crônicas, ensaios, crônicas, adaptações de clássicos –está às voltas com dois novos romances.

Retomou o projeto de "Messa pro Papa Marcello", espécie de continuação de "Informação ao Crucificado" (1961), que tenta escrever desde o século passado. Tem 100 páginas prontas.

"Será minha biografia espiritual. A ideia central é que dobrar uma esquina errada é fatal. Dobrei duas: quando entrei no seminário e quando saí dele, aos 20 anos, sem saber nem pegar um bonde, para entrar na vida de pecado que tenho levado até hoje".

Cony conta que, em seus conflitos com Deus, chegou a um acordo: "A única maneira de justificar Deus é não acreditando nele. Mas às vezes me pergunto: por que um ser tão poderoso iria criar um ser tão repugnante como o Aedes aegypti? Aí sinto a presença dele".

Com mais tempo livre e menos trabalho –continua a assinar uma coluna da Folha, mas agora só aos domingos"", aproveita para reler Santo Agostinho, autor das "Confissões", que considera um dos dez livros mais importantes da literatura universal: "Cada vez mais estou com Santo Agostinho quando diz que a vida não é mortal; a morte é que é vital".

"Cinco Prudentes Virgens" –que o autor quer começar logo a escrever – será o 20º romance. É inspirado na história bíblica contada segundo Mateus: 10 mulheres estão à espera do noivo; cinco delas levam a candeia acesa, enquanto as outras cinco não têm óleo para manter a chama e acabam preteridas.

"É claramente uma parábola sobre se preparar para a morte", diz Cony. "Além de modernizar a história, quero misturá-la com a do Barba Azul e de sua mulher curiosa que descobre os quatro cadáveres das mulheres anteriores trancados no quarto. Barba Azul tem mais a minha cara."

Algumas das opiniões literárias do escritor cristalizaram-se ao longo do tempo: Machado de Assis é o maior escritor brasileiro, e seu melhor romance é "Quincas Borba". Curiosamente, não aponta Machado como o melhor romancista, e sim Lima Barreto, que foi "mais fiel ao gênero".

"O maior contista da língua é Guimarães Rosa. E seu melhor conto, 'Os Chapéus Transeuntes', da antologia 'Os Sete Pecados Capitais'. O tema, bem roseano, é a soberba".

No campo das influências, nem Flaubert nem Sartre ocupam o primeiro lugar. A escolha recai em uma figura insuspeitada: o padre Tapajós, seu antigo professor de direito canônico: "Ele me convidou a ser uma espécie de cronista das atividades no seminário e incentivou a leitura de clássicos proibidos. De alguma maneira, é ele o culpado por ter me tornado um escritor".

Na lista de suas obras, bate na mesma tecla: prefere "Pilatos" (1974): "Atingi meu zênite. É antiliteratura, antimoral, antifamília, anti-homem. Não à toa, o personagem principal inicia o livro castrado".

Com "Quase Memória" (1995), seu livro de maior sucesso –mais de 600 mil exemplares vendidos, segundo ele–, chega a ser desdenhoso: "É um romance circunstancial. Se não tivesse ganhado um computador da minha filha, gostado da brincadeira e começado a escrever um sonho que tivera na véspera, jamais o teria escrito".

Cony não pretende assistir à adaptação de "Quase Memória" para o cinema, feita por Ruy Guerra, com previsão de estreia este ano. "Na época em que negociamos os direitos, disse ao Ruy que não entendia por que ele queria fazer um filme do livro. Continuo sem entender. Minha história não tem enredo, nem conflito. Nem mesmo uma mulher bonita".

Com a experiência de ter acompanhado algumas das principais crises políticas do Brasil –o suicídio de Getúlio, o golpe de 1964, a renúncia de Collor– o escritor se confessa perplexo diante do cenário atual: "As acusações contra Eduardo Cunha, de ter recebido U$ 5 milhões numa conta da Suíça, são espantosas: esse dinheiro dá para comprar o Kremlin, não um simples deputado. Dilma está perdida. Aliás, nem deveria ter entrado na Presidência. Sua única saída é pedir para sair".

"Lula é um aproveitador, um espertalhão, e mesmo assim continua o nome de maior relevo em nossa política, simplesmente porque do outro lado não há nem sequer um 'cara'. Aguardo o dia em que Dilma fará uma delação premiada contra Lula, e Lula fará uma delação premiada contra Dilma."

Aos 90 anos, Cony ainda se pergunta onde estão os ossos de Dana de Teffé, referindo-se a um escandaloso caso da crônica policial carioca dos anos 1960:

"De origem judia, Dana foi bailarina clássica, e teria sido espiã de alemães e russos. Casou com diplomata brasileiro e depois teve um caso com advogado esperto, Leopoldo Heitor, quase meu xará. Um belo dia ela desapareceu. A polícia suspeitava de assassinato, mas o corpo jamais foi encontrado. Enquanto não acharmos seus ossos, seremos sempre essa bagunça. É um símbolo da nossa estranheza".

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Memórias da redação: Fatos & Fotos faz bullying com anunciante, que se queixa a Adolpho Bloch, e Cony (90 anos, amanhã) evita demissões

por José Esmeraldo Gonçalves (*)

Entre numerosas funções na Bloch, Carlos Heitor Cony foi diretor da Fatos & Fotos. Acho que nenhum outro editor nos deu tanta liberdade para escrever. Foi no começo dos anos 1980. A ditadura já dava sinais de que não se segurava nos coturnos. Depois da campanha pela anistia, o movimento pelas Diretas-Já apontava no horizonte.

A F&F não estava bem. Circulação caindo, poucos anúncios, parcos recursos. As atenções e os investimentos da Bloch já se voltavam para a TV Manchete. Cony criou uma seção chamada Sete Dias e deu espaço para que Nei Bianchi e eu escrevéssemos, em revezamento, os artigos que abriam a revista e abordavam os principais acontecimentos da semana.

Beleza. Gostamos da ideia e, nas edições seguintes, falamos bem de uns poucos, mal de muitos e incomodamos outros tantos “amigos” da Bloch.

Com Carlos Heitor Cony, na Livraria da Travessa, em 2008: lançamento
do livro 'Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou".
Foto Alex Ferro
Os artigos eram, em geral, irônicos.Toda semana alguém reclamava. Cony matava no peito e não dava bola para o adversário. Até que um dia Adolpho entra na sala com uma carta na mão.

E não era um coringa.

Senta-se à frente da mesa do Cony, me chama - eu era, então, chefe de redação -, e vai logo disparando o seu bordão: “E como é que o senhor faz isso comigo”.

Era curioso esse bordão que o Adolpho usava com frequência. Era um misto de bronca e lamento, de reclamação e de decepção.

Ele me pediu que lesse a carta em voz alta. Não podíamos rir, jamais desrespeitaríamos o Adolpho que falava sério, mas que dava vontade de rir, dava.

A carta intentava ressaltar um "drama", mas as entrelinhas passavam involuntariamente um humor quase irresistível, puro Irmãos Marx. Um empresário do setor de materiais de construção queixava-se de que a F&F o ridicularizara perante sua família e os funcionários da sua fábrica.

Logo entendi a razão da reclamação.

Com Ney Bianchi, na redação, anos 80.
O Rio, na época, em função da cotação do dólar muito favorável ao turista americano, estava cheio de gringos. E gringo remediado. Com relativamente pouco dinheiro, um americano de classe média baixa podia se dar ao luxo de adquirir um pacote turístico, passar uma semana no Rio, hospedar-se em um hotel cinco estrelas e tirar uma onda de rico em férias nos trópicos. Copacabana estava cheia desses tipos. E naquela semana, o artigo da seção Sete Dias era exatamente sobre o tal fenômeno. Sob o título "Gari em NY, Rei no Rio", a crônica  - um texto do sempre brilhante Ney Bianchi - ironizava um sujeito fictício que atrasava o pagamento da hipoteca e dava um tempo no duro ofício de recolher o lixo do Bronx em troca de uma temporada nas terras cariocas, com direito a mulatas, caipirinha, sol e samba. Até aí, tudo bem.

O problema aconteceu na hora de ilustrar a página.

Ao editar a matéria, ao lado do chefe de Arte J.A. Barros, pedi ao saudoso e querido amigo Evaldo Vasconcelos, o boa-praça secretário de redação da F&F, que buscasse no arquivo fotos de turistas típicos. Havia centenas de cartelas de plástico com cromos 6x6 que mostravam visitantes em várias épocas. A maioria, claro, não identificada.

Escolhi uma foto de um sujeito que mais turista típico não podia ser. Um cidadão cinquentão, rosto vermelho, de tênis, bermuda estampada, meias branquíssimas no meio das canelas idem, boné, sentado, solitário, em um dos bancos de cimento da orla. Só faltava estar escrito na camiseta: “Mim ser de Long Island”. Botei lá, no meio da página, com destaque, a foto que simbolizava o “gari” que reinava no Rio e comia mulatas adoidado.

Foi mal: o “gari” era um rico empresário, judeu como o Adolpho, amigo da família Bloch e ainda por cima anunciante em algumas publicações da casa. “Isso não se faz”, repetia Adolpho, enquanto que eu continuava a ler carta.

Cony, como hábil mediador, procurava controlar a situação, antes que o Adolpho pedisse cabeças ou cabeça.

O empresário, a vítima do Sete Dias, pegava pesado na reclamação. Apelava para suas origens, o sofrimento do seu povo, colocava-se como alvo de preconceito. Relatava que ao chegar à sua fábrica tivera o desprazer de ver colada a página da revista em uma parede. Sentira-se ridicularizado, humilhado, mas apesar disso não pedia retratação.

Na carta pessoal dirigida a Adolpho dizia-se tão somente decepcionado com o tratamento que a revista lhe dera.

Assumi o erro, disse-lhe que, obviamente, não havia a intenção de ridicularizar o reclamante. Para nós, o "turista" era um genérico, entre tantos outros assim arquivados.

Adolpho pegou o telefone, ligou para o arquivo e disse que, a partir daquele dia, todas as fotos, inclusive as antigas, tinham que ser identificadas. Tarefa àquela altura impossível, eram milhões de imagens.

Ninguém foi demitido.

Com o tempo, a gafe caiu no esquecimento.

(*) Texto originalmente escrito para o livro "Aconteceu na Manchete, as histórias que ninguém contou"

Carlos Heitor Cony: 90 anos, amanhã

Com o prédio da extinta Bloch já fechado após a falência da editora, em 2000, Cony observa, em novembro de 2008,  o hall da Manchete: o passado visto através da porta de vidro. Foto de Jussara Razzé
por Roberto Muggiati (*)

O Cony salvou a minha vida. Ou, pelo menos, minha carreira. Em 1970, incorri na ira do Adolpho Bloch porque deixei passar um texto do Magalhães Jr que dava JK como nascido em 1900.

O ex-presidente — amigo do peito do dono da Manchete — se dizia nascido em 1902. Adolpho queria demitir sumariamente a mim e ao Magalhães. Cony, que eu mal conhecia, veio em meu socorro: “Muggiati, mude sua mesa, esconda-se atrás de uma coluna.” As pilastras de mármore da redação da Manchete ofereciam amplo refúgio. Escapei assim do olho do Adolpho (e da rua) e continuei no prédio do Russell para me tornar o mais duradouro diretor da revista Manchete. E, ironicamente, para me tornar o “chefe” do Cony.

Com Carlos Heitor Cony, em 2008, em frente
ao antigo prédio da Manchete,
na Rua do Russell.
Antes disso, fui chefiado por ele na redação de EleEla, revista mensal “masculina” — um oásis de paz em meio às outras redações, sempre à beira de um ataque de nervos. Não tínhamos nem a angústia de procurar mulheres nuas maravilhosas para esgotar cada edição: a censura só deixava publicar mulheres em biquínis largos. Vivíamos uma bela rotina: às cinco e meia Cony fechava as cortinas da redação e lotava seu carro de caronas para Copacabana, com direito a uma parada no Chuvisco do Leme para comer doces.

Foi nos intervalos de ócio da EleEla que Cony escreveu seu romance mais transgressor, Pilatos. Foi lá que comecei meu Rock: o grito e o mito, cujo título ecoava O ato e o fato, o livro de Cony que foi o primeiro berro de protesto contra a ditadura.

Aquela dolce vita não podia durar. E voltamos à rotina das crises e demissões. Cony logo se tornou a Madre Teresa dos demitidos. As demissões na Bloch vinham em ondas, como os pogroms dos cossacos na Rússia, pogroms que a família Bloch sofreu, antes de escapar para o Brasil. O alerta geral nas redações era: “O passaralho está voando!” Cony conseguiu salvar 90% dos demitidos. Uma bela ação humanitária para quem se professa desencantado do mundo. Em seu último livro, Eu, aos pedaços, ele reitera: “Sou contra a exata compreensão dos meus direitos de cidadão e contra o impostergável dever de solidariedade.”

No fundo, Cony se envergonha de ser um homem bom.

Volto a ficar cara a cara com Carlos Heitor quarenta anos depois que nos conhecemos. Apesar de insistir nos últimos vinte anos em se dizer “terminal”, continua com a saúde firme. Só foi levemente prejudicado recentemente por um desgaste na cabeça do fêmur. Implantaram-lhe um pino de titânio e hoje nos aeroportos e em outros locais com detetores de metais o Cony é uma festa, BIP! BIP! BIP! sem parar. Aliás, a palavra “aeroporto” lembra a Cony outra deficiência sua, que moldou muitos aspectos de sua vida:

— Não sei se você reparou, eu falo areoporto, nunca consegui pronunciar corretamente a palavra. Esta e outras.

Como o monarca de O discurso do rei, procurou até um terapeuta, o fonoaudiólogo Pedro Bloch, primo do Adolpho. Cony explica:
— Fui mudo até os cinco anos, Não dizia nada. Também, não tinha nada para dizer. Era uma criança que vivia debaixo da mesa, vendo o mundo como o Tom e o Jerry, vendo os personagens humanos de desenhos animados só da cintura para baixo. Não tinha vontade nem necessidade de falar.
Dois dias depois, vou com Cony ao chá das quintas-feiras na Academia Brasileira de Letras. (ele é “imortal” desde 2000.)  Falante e cordial, oferece um belo contraste ao menino calado foi outrora.
Nos primeiros tempos de escola, com seu mutismo e as palavras tartamudeadas, Cony sofreu a perseguição dos colegas, aquilo que hoje se cataloga como “bullying”. E aí estaria a explicação para outro comportamento seu. Todo jornalista que se preza odeia o patrão. Cony foi quase sempre “o amigo do Rei”. Particularmente com Paulo Bittencourt no Correio da Manhã e com Adolpho Bloch na Manchete. Ele me diz que sua intimidade com o poder foi uma compensação pelos traumas e perseguições dos tempos escolares.

Mas Cony precisaria buscar compensações bem maiores pelo fato de não ser o verdadeiro Carlos Heitor Cony. Trata-se de uma fantasia que ele alimenta há muitos anos, mas que, desta vez, me garante, é um fato incontestável. Aos dois meses de idade, aconchegado no berço na casa de Lins de Vasconcelos — bairro carioca onde nasceu — ele vive a sua experiência transcendental: é levado por uma cigana. Sua mãe saiu de casa e deixou a irmã para cuidar do bebê. Duas ciganas batem à porta, querem ler a sorte da tia solteira de Cony, ela se recusa, quando pedem um copo de água a tia não recusa. As ciganas entram na casa, uma distrai a tia, a outra faz a troca dos bebês. Quando a mãe volta e vai ver o bebê, grita espantada: ‘Mas esse não é o meu filho!’ O pai é chamado às pressas, o desespero é geral, mas não há nada a fazer. Sequer foi registrado boletim de ocorrência. Muito sério, ele me garante que “é tudo verdade.” Não é difícil perceber traços de cigano no rosto de Cony, descendente de franceses de origem marroquina.

Outra decepção traumatiza o menino aos doze anos. Seminarista no convento de São José, no Rio Comprido, é um dos doze meninos escolhidos para a cerimônia de lava-pés na Semana Santa. Seu pai é redator do Jornal do Brasil e manda o fotógrafo do jornal, Ibrahim Sued, fotografar a cerimônia. A foto do pé de Cony beijado pelo cardeal sai na primeira página do Jornal do Brasil, mas com a legenda totalmente equivocada, chamando-o de “um pequeno órfão do Asilo de São José.”
Todo santo sofre seu martírio. Ainda nos tempos de batina, passando por um botequim a caminho da igreja num domingo de manhã, Cony topa com um bando de boêmios que prolongavam ruidosamente a noite em Vila Isabel “De repente, um cara sem queixo, tuberculoso notório, larga o violão, pega uma chapinha de cerveja e joga na minha direção. A chapinha raspa com força pela minha orelha, passo a mão e sinto o sangue escorrendo. Corri até a sacristia. Ao chegar, sem fôlego, exibi aquele sangue ao vigário. Era o testemunho da minha fé. O vigário confirma: eu era um mártir.” O nome do agressor: Noel Rosa.

O caso do lava-pés provou a Cony que o jornalismo é uma mentira. Mas isso não o impede de ingressar nas ditas lides, aos 19 anos, depois de largar a batina. Ciente de que é muito tênue a fronteira entre fato e ficção, ele parte para o jornalismo. Sem grandes ilusões. Na adolescência, apaixonara-se pelos romances de Eça, Machado, Flaubert e Zola. Publica em 1958 o primeiro romance, o único escrito a mão, O ventre.

— Por que resolveu escrever romances, Cony?

— Por nada. Excesso de imaginação e falta do que fazer.

A partir daí escreve outros romances, batucados nas teclas de uma Remington portátil. Em 1975 dá uma parada e fica vinte anos sem publicar qualquer livro. Em 1995, volta triunfalmente com Quase memória, o primeiro romance escrito ao computador e dedicado à cachorra “Mila, a mais que amada.” Enquanto Cony digitava suas lembranças, Mila morria a seus pés.

Também não lhe faltaram romances na vida real, muitos deles transformados em casamentos. Filhos (porque qui-los?): Regina Celi e Verônica do primeiro casamento; André, de um relacionamento alternativo no início dos anos 70. Em meados dessa mesma década, Cony aquietou-se no departamento conjugal: casou-se com Beatriz, até hoje sua mulher eleita e companheira de todas as horas.

Insisto em cobrar dele um romance longamente anunciado, mas que não escreveu até hoje: Messa pro Papa Marcello. Arredio, Cony diz que não tem mais energia para escrever romances. Vai continuar publicando outros livros, mas não romances. Por falar em Papa, pergunto a Cony se já alimentou a ambição de reinar no Vaticano.

— Quando era seminarista, sim. Eu era do ramo, por que não almejar o topo? Mas, quando viajei no avião do Papa, em sua primeira visita ao Brasil, vi que não gostaria daquilo. Você deve ter reparado no meu sorriso sarcástico, na foto em que estou conversando com João Paulo II...
A certa altura, cansado da literatura, Cony resolveu pintar. Pinceladas abstratas de acrílico sobre papel. O único óleo sobre tela é um pequeno auto-retrato que mostra Cony como Raskolnikov — o estudante de Crime e castigo que mata duas velhinhas a machadadas.

— Por que Raskolnikov?

— Nunca cometi um grande crime, apenas pequenos delitos sem importância. Aspirava a um grande crime como o de Raskolnikov para poder expiar todas as angústias que sempre me perseguiram.
Cony apega-se à vida, sem motivo justo. E não tem ilusões em relação ao mundo. Sintetiza esta sua visão no final do romance maldito Pilatos. Um grupo de jovens canta e dança na praia diante do sol carioca que nasce. Um passante comenta com o narrador:

— Estão felizes, hein?

— Estão mal informados — respondi. E afastei-me.

Humanista que se renega, Cony é brilhante no labirinto de suas contradições e, apesar de tudo, insiste em escrever. Como ele mesmo diz: “Um gesto tão infantil como o de escovar os dentes, sentir na boca o gosto da espuma crescendo. Um rito infantil que talvez nunca tenha mudado, é sempre o mesmo.”

(*) Publicado originalmente na revista Contigo nº 1857, 21/4/2011)

# Não vou dia 13 - Professores da UFRJ divulgam manifesto em defesa da Democracia

"Nós, professores da UFRJ abaixo assinados, não vamos para as ruas no próximo domingo, dia 13, porque:

– respeitamos os resultados das urnas a cada quatro anos;

– não consideramos a grande mídia um ator político confiável;

– acreditamos que a justiça e a lei devem valer igualmente para todos, independentemente dos partidos;

– defendemos a parte boa do legado dos últimos anos, que trouxe ações importantíssimas para a diminuição das desigualdades no país, e em particular na universidade.

"Nós acompanhamos com atenção a construção e a maturação da democracia brasileira nas últimas três décadas. Nos últimos anos, defendemos particularmente a expansão e a democratização da Universidade Pública, nossa esfera de atuação profissional. Esse processo não tem sido um movimento contínuo, sem obstáculos e resistências, mas uma luta constante que enfrenta forças contrárias poderosas, instituídas e articuladas.

A constituição de 1988 aboliu a censura oficial, mas não tocou no oligopólio da mídia, que concentra as concessões de rádio e tv nas mãos de poucas famílias, famílias que via de regra ocupam cargos elegíveis ou não nas diversas esferas do Estado brasileiro. Mídia articulada nacionalmente pela mesma rede de televisão monopolizada na ditadura. Esta mídia oligopolizada tem sido historicamente o maior obstáculo ao processo de construção e maturação da democracia brasileira, servindo a interesses econômicos e políticos próprios inconfessos, e abusando de uma concessão pública que deveria servir e ser regulada segundo os interesses públicos.

Recentemente, a mídia oligopolizada tem atuado como uma oposição aos governos eleitos, em substituição aos partidos legitimamente constituídos. Tem veiculado a ideia de que partidos são organizações criminosas. Tem selecionado personalidades e partidos a serem execrados pela opinião pública sem o direito da defesa ou do contraditório. Tem blindado os crimes de outras personalidades ou exaltado à condição de heróis e salvadores da pátria aqueles que servem a seus interesses, lhes passam informações privilegiadas, obstruem cobranças de dívidas fiscais, favorecem a aprovação de leis e concessões que a beneficiam.

Agora, observa-se uma clara articulação entre mídia e judiciário que visa usar o apoio popular para driblar, quando conveniente, alguns ritos judiciais que são importantes para a consolidação de nossa democracia. Não podemos ser coniventes com isso."

MANIFESTO ASSINADO POR CERCA DE 300 PROFESSORES DA UFRJ E CENTENAS DE APOIADORES EXTERNOS.

sábado, 12 de março de 2016

Notório saber...

por Ed Sá
Ninguém fala em outra coisa nos botecos da vida: o STF vai abrir a Operação Enem para saber onde os promotores do MP de SP José Carlos Blat, Cássio Conserino e Fernando Henrique Araújo estudaram.  A repercussão vem após o trio divagar sobre Marx e Hegel e é motivada pelo "clamor público" em forma de memes que abalam a web. 

Diz-se que a pena pode ser condução coercitiva à sala de aula para escrever 100 vezes no quadro: "o Manifesto Comunista é de Marx e Engels", "o Manifesto Comunista é de Marx e Engels'.... 

Ao ser questionado pela BBC Brasil sobre a repercussão da mancada, o promotor Blat, um dos autores do "caco" inserido na denúncia, filosofou: "Vão caçar o que fazer. Vão catar coquinho". 

Veja o trecho da denúncia dos promotores que virou piada na rede: 

"As atuais condutas do denunciado Luiz Inácio Lula da Silva, que outrora chegou a emocionar o país ao tomar posse como Presidente da República em janeiro de 2003 ('o primeiro torneiro mecânico' a fazê-lo de forma honrosa e democrática), certamente deixariam Marx e Hegel (sic) envergonhados."

E abaixo o festival de memes que assola a rede social









Polícia deflagra Operação Sodoma. Sodoma?

Operação Sodoma apreende 1 milhão de reais.
Foto Polícia Civil/MT
São tantas emoções ou operações que fica difícil acompanhar.

A Polícia Civil do Mato Grosso deflagrou hoje, em Cuiabá, a segunda fase da Operação Sodoma.

Trata-se da investigação de fraudes fiscais na Secretaria Estadual de Fazenda. Segundo a acusação, um grupo de espertos recebia propina em troca da concessão de incentivos fiscais. As autoridades não explicaram ainda porque batizaram a ação de Sodoma.

Vazou a formação do governo após o golpe. É seção de humor mas vai doer quando você rir

por Omelete
Lacerda conspirou, JK fez média com os militares, Tancredo era parceirinho de Castelo Branco.

Todos acalentavam a doce ilusão de que os militares, após o golpe de 1964, entregariam o poder aos civis "de confiança". Todos quebraram as ilustres caras, com exceção de Tancredo, que usava a habilidade política com a consistência um queijo de Minas, sumia quando a barra pesava e só reaparecia na boa.

Décadas depois, o Brasil está às voltas com um golpe.

Políticos que se entusiasmam com a possibilidade próxima de subir a rampa do Planalto podem, novamente, encarar um frustração.

Apesar das tentativas excitadas de alguns colunistas que dispararam, na semana passada, recados de convocação aos militares, os da farda não dão sinais de que vão entrar no jogo. No máximo, algumas vozes verde-oliva lembram a missão constitucional de garantir a lei, a ordem e a soberania nacional.

Pois esses políticos empolgados com a perspectiva de "puder" não devem achar que já estão com a vida ganha e que podem começar a discutir nomeações, cargos, reformas, fazer cadastro para voar em jatinhos da FAB e indicar interventores em alguns estados.

Eu, se fosse eles, não misturaria remédio traja preta com uísque nas próximas semanas.

Melhor darem uma olhada na vibração patriótica de juízes, procuradores e delegados, que agora dia sim, dia não, convocam entrevistas coletivas, desfrutam da fama e fazem presença vip em eventos.

Tenho a impressão de que eles não vão entregar a rapadura.

Vazou para este jornalista investigativo (sim, porque no Brasil, "jornalista investigativo" é igual ao bombeiro da esquina: só é chamado para atender vazamento).

Então, dizia, vazou em folha datilografada por um escrivão um esboço da montagem de ministério do futuro governo da República dos Juízes, Delegados e Promotores. E já se sabe que serão criadas novas pastas. No documento que vazou embora estivesse sob sigilo também há resumos dos planos de governo do movimento revolucionário também conhecido como "Primavera Coxinha".

Leia em primeira mão. Atente que o cargo de presidente ainda não foi preenchido e será motivo de grande discussão já que há vários interessados e se anunciam conflitos hierárquicos.

O nome natural para chefiar o governo, segundo pesquisas, seria o Goro, mas Milmar Gendes, Ponserino e Toger, do Cultraje a Mijor, estão na parada.

Ministro da Fazenda - Boécio Never, por não estar envolvido em escândalos (apenas um homônimo teria sido citado por delatores)

Ministro da Justiça - O japonês da Federal

Ministro das Comunicações - Ki Kategoria, colunista da Folha de São Paulo

Ministro da Agricultura - Rivaldo Kaiado

Ministro da Defesa - Uanderson Silva, lutador de MMA.

Ministro da Cultura - Raposão 

Ministro Saúde  - a escolher. O certo é que o ministério mudará de nome e passará a se chamar "Ministério dos Planos de Saúde". 

Ministro da Educação - Ponciano Roque. O Soletrando será transformado em programa de educação nacional mais ou menos como foi Mobral.

Embaixador em Miami e Orlando - Janjão Glória Jr.

Presidente da Petrobras - A escolher entre os CEO da Exxon, British ou Shell.

Presidente da Caixa Econômica - Marlos Gualberto Sodenberg

Presidente do Banco do Brasil - o cargo será oferecido ao atual presidente a agência de risco Standard & Poor's

Presidente do Banco Central - Liriam Meitão

Procurador da República - Arigo Janota

Chefe da Casa Civil - Luisiana Ybisen, Musa das Manifestações

Secretário de Direitos Humanos - Pastor Farco Meliciano

Secretário de Igualdade Racial - Ganilo Dentilli 

Chefe do Departamento de Polícia Moral e Bons Costumes - Nolsobaro

Secretário Especial de Eventos e Camarotes Vips - Fonaldo Renômeno

Ministro da Religião - Será convidado o ex-arcebispo de Aparecida

Secretário Especial da Cura Gay, Lésbica e Simpatizantes - Mezequiel Renteira

Titular do Comando de Caça aos Sem-Terra - cargo será oferecido a um posseiro do Pará

SNI - Será recriado especialmente para vigiar Chico Buarque, José de Abreu, Marieta Severo, Camila Pitanga, Gregório Duvivier, Jânio de Freitas, entre outros.

Serão criados os presídios PT1, PT2, PT3, PT4, todos na Ilha de Trindade. Após julgamento justo, dissidentes serão enviados para as novas instituições corretivas.

Será criado o programa Meu Porsche, Minha Vida para financiar empresários que ainda não conseguiram adquirir um veículo à altura dos serviços que prestam ao país.

A Caixa Econômica abrirá planos de financiamento a juros subsidiados para apartamentos em Miami e Orlando destinados a pessoas das classes A e B que têm a infelicidade de morar ao lado de favelas e sofrem preconceito por parte das comunidades.

Ao lado da bandeira, do Hino Nacional, das Armas da República, a panela será alçada a símbolo da Pátria. No dia Sete de Setembro, batalhões de participantes dos históricos panelaços serão convidados a desfilar com seus utensílios patrióticos.

 

Nota oficial da Fenaj: Em defesa do Jornalismo e dos Jornalistas




A Federação Nacional dos Jornalistas novamente vem a público manifestar preocupação com a segurança, integridade e trabalho dos jornalistas brasileiros. Nesse momento em que novos atos de rua estão programados para os próximos dias, a FENAJ:


1 – Dirige-se ao ministro da Justiça, exigindo que garanta a integridade e o trabalho dos jornalistas; que respeitada a autonomia dos Estados, oriente às forças policiais a não só evitar agressões como salvaguardar aos jornalistas o livre exercício da profissão;

2 – Dirige-se às empresas de comunicação para que adotem o Protocolo de Segurança proposto pela Federação, no sentido de: a) constituir comissões de segurança para avaliar a pertinência das pautas que coloquem em risco a integridade dos profissionais; b) fornecer equipamentos de proteção individual e treinamento, a fim de capacitar os profissionais para coberturas de risco; e c) permitir aos jornalistas executar um trabalho com a qualidade que a sociedade merece, ou seja, pautado no interesse público;

3 – Dirige-se à sociedade para que reconheça na atividade jornalística e nos seus profissionais um elemento fundamental de sustentação da democracia;

A liberdade de imprensa é uma prerrogativa da atividade jornalística no cumprimento do seu dever maior, que é o de garantir a liberdade de expressão que pertence ao povo brasileiro.

O cidadãos têm todo o direito de protestar e criticar as instituições do país, inclusive a própria imprensa, mas, no entanto, os excessos devem ser evitados, pois só interessam aos inimigos da democracia.

Liberdade de imprensa e de expressão são pilares fundamentais do estado de Direito.

A verdade, o combate à corrupção e a liberdade conquistados com a redemocratização não devem ser destruídos por interesses autoritários e estranhos à soberania nacional;

A FENAJ e os Sindicatos dos Jornalistas dizem não à intolerância, ao autoritarismo, à prevalência de interesses privados em detrimento do interesse público no Jornalismo e a qualquer forma de violência contra a categoria.

Diretoria da FENAJ.

Brasília, 10 de março de 201

(site da Fenaj)

Para entender o golpe....

por Luis Nassif (do GGN)

Para entender o nosso jogo de xadrez é importante clareza sobre um divisor de águas: a condução coercitiva de Lula a Congonhas.

Para o juiz, os procuradores justificaram que a intenção seria proteger a imagem e a integridade de Lula. Na nota oficial, os procuradores sustentam que pretenderam conferir a Lula o mesmo tratamento aplicado em 114 réus anteriores. Quem está enganando quem?

A operação fugiu do padrão escracho da Lava Jato. Lula foi conduzido em sigilo à sala VIP do aeroporto de Congonhas, na beira da pista, com um jatinho da Polícia Federal no hangar pronto para decolar.

Pesados todos os fatos e possibilidades, a hipótese mais robusta foi levantada por José Gregori, ex-Ministro da Justiça do governo FHC: a intenção era, de fato, prender Lula e conduzi-lo a Curitiba.

No interrogatório havia quatro delegados da PF e quatro procuradores. À medida que o tempo avançou e divulgou-se a localização de Lula, de dentro da sala era possível ouvir os urros da multidão do lado de fora.

Seja lá o que ocorreu, a ida de deputados do partido a Congonhas, a aglomeração de manifestantes, o fato é que não se consumou a operação.

No final do dia, um Sérgio Moro visivelmente assustado com os riscos da operação, soltou a nota oficial explicando que o pedido partiu dos procuradores, enfatizando a intenção de preservar a imagem e a integridade de Lula e lançando um apelo pela paz e pela concórdia.

Mesmo com a perspectiva de acirramento de conflitos de rua, os procuradores da Lava Jato trataram de botar mais óleo na fervura, soltando a nota em que desmentiam as razões invocadas por Moro e se comportavam como deuses ex-machina lançando raios do Olimpo.

A história reconhecerá no futuro a enorme contribuição do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima para expor a conspiração quase em tempo real. Seu estilo grosseiro, tosco, atropela e expõe uma estratégia muito mais refinada. Tão refinada que parece difícil que tivesse sido planejada em Curitiba.

A estratégia se completa com a matéria de ontem da Folha, de que a Lava Jato prepara um conjunto de ações de improbidade visando impedir Lula de concorrer novamente (http://migre.me/tbiYy), confirmando, aliás, os cenários que venho traçando.

Os dois comunicados, mais as informações adicionais, colocam, de uma vez, quatro peças a mais no nosso quebra-cabeças.

Peça 1 – A radicalização é alimentada pelos procuradores da Lava Jato.
Mais do que explicações, a nota oficial dos procuradores é um libelo, antecipando a peça final da acusação.

Peça 2 – Moro não é nem nunca foi o cérebro por trás da operação.

Uma operação dessa envergadura não poderia ter sido obra de um juiz de primeira instância, de um estado pouco relevante politicamente, conhecido por seu conservadorismo, rígido nas sentenças, mas tímido, tosco até fora dos limites dos autos. Foi só recuar para ser atropelado pela Força Tarefa.

Peça 3 – A Polícia Federal é um mero instrumento nas mãos dos procuradores.

Domingo, o Estadão publicou matéria condenando os abusos da operação, atribuindo-os à Polícia Federal. Ora, a PF limitou-se a cumprir um mandado requerido pelos procuradores e autorizado pelo juiz Moro. Já os procuradores formam um todo coeso, obedecendo a uma estratégia nítida: a inabilitação política de Lula.

Peça 4 – Em meio às turbulências políticas, houve o risco de confrontos entre manifestantes se alastrarem por todo o país. Um mero Procurador Regional de Curitiba pode definir, por si, a oportunidade de um libelo político com aquele grau de temperatura?

Aí cabem duas hipóteses:

Hipótese 1 – O Ministério Público Federal é um arquipélago formado por comitês, regionais independentes, cada qual com poderes de interferir até nos aspectos psicossociais do país, sem nenhuma forma de coordenação ou de controle interno.

Hipótese 2 – há um comando central, de nível hierárquico superior ao dos procuradores do Paraná.

Em qualquer hipótese se abre um enorme flanco na armadura institucional do Ministério Público. Quando o modelo de atuação torna o país refém de um juiz de 1a instância armado por procuradores regionais beligerantes, há algo de errado na história.

Para entender o jogo, vamos relembrar o histórico da perseguição a Lula.

A perseguição a Lula
As declarações reiteradas dos procuradores – que investigam fatos e não pessoas – foram desmentidas cabalmente pela última operação.

A perseguição a Lula pela Lava Jato começou em março do ano passado, em cima das investigações da Bancoop pelo Ministério Público Estadual (MPE).

O site Jota contou em detalhes essa história, em reportagem de Laura Diniz (http://migre.me/tbiZP).

Em março de 2015 o promotor José Carlos Blat, do MPE paulista, foi procurado por integrantes da Força Tarefa da Lava Jato, para compartilhar informações. Em maio teriam surgido fatos novos em relação à Bancoop, OAS e o prédio de Guarujá. Blat comunicou à juíza Cristina Ribeiro Leite Costa, da 5a Vara Criminal da Capital. Em despacho de 10 de junho, a juíza informou que novas informações deveriam ser investigadas em separado.

Resolveu-se rapidamente o problema através de um artifício, uma Representação Criminal combinada com três escritórios de advocacia que já atuavam no caso Bancoop, dirigidas diretamente ao procurador – atropelando o conceito de promotor natural, aquele designado por sorteio..

Com o estratagema, o tríplex entrou na Lava Jato, diz a matéria. E “caídas literalmente do céu”, segundo a reportagem, as informações sobre a offshore Murray e a Mossak Fonseca, que serviram de pretexto para a Operação Triplo X.

Caíram do céu da mesma maneira que as informações iniciais sobre a Petrobras caindo no colo do juiz Moro.

Na mesma época, um obscuro deputado federal do PSDB do Acre pega matéria de Veja, que falava do sítio de Atibaia, com informações erradas – atribuindo as obras à OAS – e fez uma representação ao MPE paulista. O MPE recusou e encaminhou a representação para a Procuradoria Geral da República. No dia 15 de julho, o próprio PGR Rodrigo Janot encaminhou a Curitiba, abrindo o segundo duto de bombas contra Lula (http://migre.me/tbj0y).

Na nova etapa, a primeira investida foi sobre a Mossak Fonseca. A Força Tarefa invadiu os escritórios, deteve funcionários, recolheu computadores e e-mails. Pouco depois vazou a informação das ligações da Murray com a casa atribuída à família Marinho em Parati. Imediatamente a operação Mossak sumiu dos noticiários, os detidos foram imediatamente liberados, contradizendo todo o padrão da operação até então, demonstrando que a Lava Jato não investigava fatos, mas pessoas. Aliás, algumas pessoas.

A perseguição a Lula ficou mais nítida no dia 2 de fevereiro, por volta das 18 horas, quando quatro procuradores da Força Tarefa foram à casa do trabalhador Edivaldo Pereira Vieira.  Eram eles, Athayde Ribeiro Costa, Roberto Henrique Pozzobon, Januario Paludo e Júlio Noronha.

Não tinham mandado, intimação, apenas suas carteiras de promotores e o autoconferido poder de investigar. Pressionaram, constrangeram e intimidaram Edivaldo, um sexagenário humilde, porque era irmão de Élcio Pereira Vieira, caseiro do Sítio Santa Bárbara – levado em condução coercitiva na 24a fase da Operação. Ao final dessa típica batida policial, os procuradores deixaram um telefone de Curitiba, para o caso de sua presa decidir "colaborar".

Finalmente, com a operação de sexta, se valeram do estratagema de envolver esposa e filhos de Lula, visando derrubar emocionalmente o adversário

No decorrer de todo o ano, os vazamentos da Lava Jato, planejados pelos Procuradores da República e Delegados Federais, lançaram no ar toda sorte de factoides.

Qualquer suspeita, por mais ridícula que fosse, era transformada em sentença condenatória, misturando fatos relevantes com bobagens monumentais. Essa mistura ajudou a alimentar dois sentimentos conflitantes. Nos especialistas, a convicção de que a Lava Jato perseguia pessoas, depois ia atrás de qualquer fato que incriminasse o alvo. Nos leigos a certeza de que havia um ladrão de galinhas no Planalto, pois até suspeitas de desaparecimento de estátuas e adagas foram ventilada pelo escoadouro montado na Lava Jato.

E aí alguns fatos incômodos começam a invadir o raciocínio. Toda a estratégia de mídia foi montada em Brasília, pela própria Procuradoria Geral da República, assim como o reforço da Força Tarefa e a ênfase na cooperação internacional.

Seria Janot responsável direto por todos esses absurdos, ou meramente abriu a porteira e perdeu o controle da boiada?

Vamos avançar no nosso quebra-cabeça, sem nenhum juízo de valor definitivo.

A Primavera brasileira no início de tudo
O ponto de partida foram as manifestações de junho de 2013, que deixaram claro que o Brasil estava preparado para a sua “Primavera”, a exemplo das que ocorreram nos países árabes e do leste europeu. Essa possibilidade alertou organismos de outros países, como o próprio FBI e acendeu alerta na Cooperação Internacional – a organização informal de procuradores e polícias federais de vários países, que se articularam a partir de 2002 para combate ao crime organizado.

Evidência: informação me foi confirmada por Jamil Chade, correspondente do Estadão em Genebra, para explicar porque o FBI decidiu só agora investir contra a FIFA. As manifestações teriam comprovado que a opinião pública brasileira estaria suficientemente madura para apoiar ações anticorrupção – e de interesse geopolítico dos EUA, claro.

Atenção - não significa que as primeiras manifestações foram articuladas de fora para dentro. O início foi de um grupo acima de qualquer suspeita, o MPL (Movimento Passe Livre). Foi a surpreendente adesão de todos os setores, da classe média à extrema esquerda que mostrou que a sede de participação, trazida pelas redes sociais, havia transbordado para as ruas. As manipulações das manifestações passam a ocorrer mais tarde devido à absoluta insensibilidade do governo Dilma e do proprio PT em entender o momento.

É a partir daí que, em contato com a cooperação internacional, começam a ser planejadas as duas grandes operações mundiais anticorrupção do momento: a Lava Jato, que visaria desmontar a quadrilha que se apossou da Petrobras e a do FBI contra quadrilha que se apossou da FIFA e da CBF.

Houve movimentos internos relevantes que antecederam o início do jogo. No bojo das manifestações de 2013 ficou nítida a parceria da Globo com o MPF.

Evidência - Do nada começaram a pipocar cartazes pedindo a derrubada da PEC 37 – que proibia procuradores de realizar investigações por conta própria. Os veículos da Globo passaram a dar cobertura exaustiva à campanha, ajudando na derrubada da PEC. Matérias no Jornal Nacional (http://migre.me/tbj1a e  http://migre.me/tbj1I) conferindo dimensão nacional ao movimento. E propondo não apenas derrubar a PEC, como aprovar nova PEC que garantisse explicitamente o poder do MP de investigar (http://mcaf.ee/auivz5).

No mesmo mês de junho de 2013 surge outro fato revelador: o vazamento de informações da NSA (Agência de Segurança Nacional) pelo ex-técnico Edward Snowden.

Na primeira semana, foram vazados documentos de casos internos de espionagem. Depois, a espionagem sobre outros países. Na enxurrada de documentos vazados, fica-se sabendo que a NSA espionava preferencialmente a Petrobras.

De repente, um juiz de 1a instância em Curitiba, Sérgio Moro, tendo como fonte de informação apenas um doleiro, Alberto Yousseff, tem acesso a um enorme volume de informações sobre a Petrobras e consegue nacionalizar um processo regional.

Até hoje a Lava Jato não revelou como chegou às primeiras informações sobre a Petrobras, que permitiram expandir a operação para todo o país.

O que se viu, dali em diante, foram dois dutos de informação montados entre o MPF brasileiro e a cooperação Internacional: o duto da Lava Jato e o duto da FIFA. Pelo duto da Lava Jato vieram informações centrais para o desmantelamento da quadrilha da Petrobras. Já o duto da FIFA ficou obstruído. As informações de lá para cá esbarraram em uma mera juíza de 1a instância do Rio de Janeiro e até hoje não foram destravadas. E as informações daqui para lá não fluíram. Por todas as informações levantadas em Genebra, a Globo era peça central do esquema FIFA-CBF.

Depois disso, a cooperação internacional torna-se instrumento central nas investigações da Lava Jato. Mas nas investigações da FIFA, o braço brasileiro da cooperação internacional falha. A Globo está sendo poupada.

Evidência - A entrevista de Jamil Chade (http://migre.me/tbj35) informa o desagrado do FBI com a demora do MPF em atender às suas solicitações sobre a Globo. Diz ele: “Um dos únicos países que não colabora nesse caso (é o Brasil), ironia total. O craque que montou é brasileiro e parte fundamental atuação foi dos dirigentes brasileiros. O Departamento de Justiça já deixou muito claro ao Brasil que estava muito incomodado com essa falta de colaboração”.

A estratégia midiática da Lava Jato
Um levantamento sobre as intervenções norte-americanas nas Primaveras que sacudiram o Oriente Médio, mostra que todas elas vieram acompanhadas de uma estratégia de comunicação através das redes sociais. E com foco na corrupção e na defesa da democracia.

A Lava Jato foi montada seguindo todo o receituário das Primaveras. Receita pronta, ou recolhida de algum manual ou aulas particulares com especialistas.

1.    Acesso a informações críticas sobre a quadrilha que atuava na Petrobras.

2.    Identificação de algum inquérito regional que pudesse ser nacionalizado. Não havia nenhum melhor que Sérgio Moro, testado na AP 470 – como assessor da Ministra Rosa Weber – tendo atuado no caso Banestado.

3.    Montagem imediata de um aparato de comunicação, contratando assessorias especiais, montando hotsites de maneira a potencializar as denúncias de corrupção. O que foi feito pela Procuradoria Geral da República.,

Outro know-how adquirido foi o da criação de personagens para atuar como polos nas batalhas pelas redes sociais.

Nas eleições de 2010, com seus consultores estrangeiros a campanha de Serra registrou pela primeira vez o uso científico das redes sociais. Criavam perfis fakes, capazes de galvanizar ilhas de influência no Twitter. Havia o jovem curitibano de vinte anos, vítima de uma doença fatal; o músico negro da periferia de São Paulo, capaz das maiores baixarias (aliás, o fato de conferir esse perfil a um músico e negro é indicativo do jogo conservador).

Na Lava Jato, investiram em duas imagens reais. Numa ponta, a imagem evangelizadora de rapaz do bem, o procurador Deltan Dallagnol; na outra, do homem mau, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, uma imagem tão marcadamente detestável que, infelizmente, será a imagem do MPF durante bons anos para grande parte da opinião pública.

Obviamente, não me refiro ao procurador, que nem conheço, mas à imagem propagada. O MPF não tem mais a cara dos procuradores que ajudaram a institucionalizar direitos sociais, democracia, direitos das minorias, a punir os crimes da ditadura. É de Carlos Fernando e seu olhar rútilo, de matador, a nova cara do MPF.

Nas redes sociais e movimentações de rua surgem, da noite para o dia, movimentos como o “Movimento Brasil Livre” e “Estudantes Pela Liberdade”. Constatou-se, com o tempo, que eram financiados pelo Charles Kock Institute, ONG de dois irmãos, Charles e David, herdeiros donos de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos.

Os Kock ficaram conhecidos por financiar ONGs de ultradireita visando interferir na política norte-americana (http://migre.me/tbj3w). E tem obviamente ambições de ampliar seu império petrolífero explorando outras bacias fora dos EUA.

Para selar de vez a parceria com a cooperação internacional, o próprio PGR Rodrigo Janot foi aos Estados Unidos comandando uma equipe da Lava Jato para dois eventos controversos.

O primeiro, levar informações da Petrobras para possíveis processos conduzidos pelo Departamento de Justiça contra a estatal brasileira. O segundo trazer de lá informações que explodiram na Eletronuclear, depois de encontro com advogada do Departamento de Justiça ligada a escritório de advocacia que atende o segmento nuclear por lá.

A geopolítica da cooperação internacional
Desde os anos 70, a parceria com ditaduras militares mostrou-se inconveniente para a diplomacia norte-americana. De um lado, pela dificuldade em justifica-la perante a opinião pública liberal norte-americana. De outro, pelo fato dos governos militares terem nítido cunho nacionalista – como se viu com o governo Geisel, no Brasil, ou a ditadura militar argentina deflagrando a guerra das Malvinas.

Gradativamente, a diplomacia e as instituições norte-americana foram mudando o eixo, aproximando-se dos sistemas judiciários nacionais, das polícias federais, de procuradores e estimulando ONGs, especialmente aquelas voltadas para a defesa do meio-ambiente. A internacionalização da Justiça tornou-se um fator legitimador, para fortalecer outro polo de influência nos sistemas nacionais, acima dos partidos e do Congresso.

Tornou-se conhecido o modelo de desestabilização no Oriente Médio com as diversas primaveras nacionais. Insuflava-se a classe média com denúncias de corrupção. Seguiam-se as manifestações de rua que, devido ao clima de catarse criado, descambavam para a violência. Depois, a intervenção de alguma força visando trazer a ordem e implantar a democracia. Foi assim nas ações desastrosas no Iraque, Afeganistão e Líbia – conforme explicou o professor Moniz Bandeira em longa entrevista concedida esta manhã ao GGN. Em todos esses casos, desmontou-se um regime autoritário e deixou-se como herança o caos, a destruição de nações e regimes muito mais restritivos dos direitos individuais, quase todos marcadamente conservadores nos hábitos morais.

O problema está no lado oficial da história. E aí entra o papel da cooperação internacional na nova geopolítica do poder.

Desde a viagem de Janot aos Estados Unidos começamos a desconfiar  que os EUA estavam se valendo dessa cooperação para impor suas estratégias geopolíticas.

A Lava Jato não pode mais ser vista como uma operação de investigação isolada. Ela é tudo o que gerou de forma associada, e teve a ajuda central de organismos internacionais – caso contrário jamais teria chegado às quadrilhas que operavam na Petrobras.

Ambos –operadores da Lava Jato e do Congresso - estão umbilicalmente ligados. No plano econômico e social, a contraparte da Lava Jato é a flexibilização da Lei do Petróleo e dos gastos sociais, acabando de vez com o legado social dos últimos governos.

Evidências – as operações de impacto da Lava Jato sempre caíram como uma luva, sincronizadas com as estratégias de impeachment seja no Congresso seja em dobradinha com Gilmar Mendes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Toda a pressão em cima de Dilma têm, do lado político-econômico, a intenção precípua de obter concessões nas áreas de petróleo e de gastos sociais.

No plano social, a Lava Jato conseguiu despertar a comoção popular, o afloramento de uma ideologia da classe média, ultraconservadora e intolerante, muito longe da vitalidade juvenil do MPL. No plano econômico, além da flexibilização da lei do pré-sal e do fim dos gastos sociais obrigatórios, ganhou corpo a criminalização das estratégias de desenvolvimento autóctone – como o avanço diplomático na África e o financiamento às exportações, as políticas de conteúdo nacional (que podem ser liquidadas com o fim da Lei do pré-sal.

Ou seja, não dá para desvencilhar a Lava Jato de todo esse leque de princípios ultraconservadores e ultraliberais. Fazem parte do mesmo pacote político.

Na falta de estudos mais apurados sobre o tema, alguns comentaristas julgaram estar frente a uma dessas teorias conspiratórias que povoa o universo das redes sociais.

No Brasilianas de ontem, o professor Luiz Felipe de Alencastro (recém aposentado da Universidade de Sorbonne) informou que nas últimas semanas, o tema ganhou repercussão nos círculos acadêmicos internacionais.

Em breve, a Lava Jato deixará de ser estudada meramente como uma imensa operação anticorrupção para se transformar em um case sobre as estratégias geopolíticas norte-americanas na era das redes sociais, da globalização e da alta tecnologia.

O presidencialismo de coalizão do MPF
E aí se entram nas questões internas do Ministério Público Federal.

Trata-se de uma organização admirável que, desde a Constituição de 1988, foi protagonista de inúmeros avanços civilizatórios no país.

Com o tempo, algumas de suas maiores virtudes – como a independência de cada procurador – transformaram-se em alguns dos seus maiores problemas. A sucessão de representações contra Lula, partindo de todos os cantos, mostra que, hoje em dia, qualquer procurador que queira participar do jogo político basta pegar um factoide qualquer e transformar em representação, valendo-se do poder que lhe foi conferido pela Constituição. E nada acontecerá com ele, sequer o repúdio dos colegas.

Os procuradores se organizam em grupos, de acordo com suas convicções e áreas de atuação. Há desde grupos envolvidos com direitos humanos até os que atuam na área criminal. E há, também, uma enorme gana de protagonismo político por parte de alguns grupos, de participar de cargos executivos, a exemplo de colegas de MPs estaduais.

Quando Lula sancionou a eleição direta para escolha do PGR, abriu a caixa de Pandora. Os candidatos são indicados pela ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) – que representa apenas uma classe de procuradores e é uma associação sindical, de defesa dos interesses corporativos da classe. Não participam os procuradores estaduais, os dos Tribunais de Contas, os militares.

Recentemente, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) avançou na questão de permitir que procuradores ocupem cargos no Executivo – hipótese vedada pelo STF.

Na própria campanha eleitoral, os candidatos a PGR vão firmando acordos políticos capazes de viabilizar sua eleição. E, com isso, diluindo poder e capacidade de intervir em abusos.

Em Brasília, há integrantes isentos do Judiciário que defendem Janot, consideram-no uma pessoa equilibrada e responsável. Sustentam que ele perdeu o controle da situação. Ou seja, abriu a caixa de Pandora quando estimulou o vazamento da Lava Jato e agora não conseguiria controlar sua tropa.

Mas há um conjunto de atos e omissões inexplicáveis:

1.    A visita aos EUA levando informações da Petrobras e trazendo da Eletronorte.

2.    A blindagem ao senador Aécio Neves. Na única vez que conversei com Janot ele assegurou que até abril (do ano passado) daria parecer no inquérito que investiga contas de Aécio em Liechtenstein. Não só não desengavetou como desqualificou três delações sobre ele.

3.    A incapacidade de conduzir um inquérito sequer sobre as Organizações Globo.

Será possível que, com a enorme capacidade jurídica acumulada entre seus procuradores mais velhos, com as inúmeras referências de direitos humanos, cidadania, responsabilidade para com o Estado brasileiro, o Ministério Público Federal tenha se transformado em uma corporação dominada pelo sindicalismo?

É a última incógnita desses tempos turbulentos. Todas as demais peças já foram devidamente encaixadas.