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terça-feira, 5 de julho de 2022

Ricardo Azoury (*): o novato que não se acovardou. Por Marcelo Auler

Ricardo Azoury em foto de Ana Paula
Oliveira Migliari/TV Brasil

Em 1977, o jovem Ricardo Azoury (1956) iniciava-se como repórter fotográfico após freqüentar um cursinho da Revista Manchete. Eu, com três anos de profissão, continuava um estagiário naquela redação mesclada de profissionais competentes assim como de pessoas sisudas... Mas ali vivenciamos um belo aprendizado.

No Espírito Santo o então governador biônico Elcio Álvares, decidiu enfrentar o ecologista Augusto Ruschi (1915/1986) e pensou em lhe tomar a Estação Biológica de Santa Lúcia, pra ali instalar uma fábrica de palmito. Tratava-se de uma área de 279 hectares com que Ruschi mantinha íntima relação desde pelo menos 1930 para estudos e pesquisas de flora e fauna. Ali havia 600 mil orquídeas, 20 mil árvores e 320 espécies de animais, e os beija-flores, dos quais o biólogo era um especialista.

Na defesa do Parque nas mãos do professor da UFRJ seguiram para Santa Tereza (ES) algumas caravanas de estados diferentes. Eu e Azoury cobrimos a preparação de uma que sairia do Rio, freqüentando reuniões noturnas bastante chatas. A princípio fomos avisados que a ida ao Espírito Santo com as caravanas ficaria a cargo de outra equipe.

Na hora H, porém, decidiram que eu iria e me mandaram escolher outro fotógrafo. Temiam encarregar um novato da missão e ele não dar conta do recado. Preferi consultá-lo, lembrando que ele poderia estar colocando em risco o emprego, mas Azoury foi claro: “se é para testar, testem logo. Se for para demitir, demitam logo”. Eu então defendi sua ida comigo, o que prevaleceu.

Alberto Ruschi por Ricardo Azoury e...

...a estátua inspirada na foto publicada na Manchete, em 1977. O homenagem ao naturalista está instalada no Parque Pedra da Cebola, na Mata Atlântica, no Espírito Santo.

Ao sairmos, provoquei o então editor-chefe da revista, Roberto Muggiati, perguntando qual a foto que ele queria para a abertura da matéria (página dupla). Ele então desenhou um homem de perfil recebendo com um beija-flor lhe beijando os lábios. Azoury, por óbvio, ficou preocupado.

No nosso encontro com Ruschi eu expus o problema: “professor, o emprego deste rapaz está em jogo”. Ele, imediatamente, acalmou-nos. Isso é fácil.

Na verdade, foi bastante trabalhoso, pois precisávamos recolher os potes com água doce que ficavam em torno da casa principal, deixando apenas um em um viveiro. Alia aprendíamos as aves. Depois de fechá-las no viveiro, retirávamos o pote com água lá de dentro e recolocávamos todos os de fora.

Ruschi entrava naquela enorme gaiola, tendo na boca uma pequena cápsula, em cuja ponta estava um bico de plástico igual aos dos potes. Ali as aves iam adoçar a boca, buscando a água com açúcar.  

Não satisfeito com o equipamento de Azoury, Ruschi resmungou muito e foi na sua residência buscar um flash mais potente, para garantir a qualidade final do material. Repetimos toda a operação. Coube-me segurar o flash maior que não se adaptava à máquina. Ali, oficialmente, Azoury me promoveu a seu “flasheiro”.

A foto, como não podia deixar de ser, fez sucesso e Azoury permaneceu na Manchete muito mais tempo do que eu, demitido em julho de 1978.

Vá em paz, querido Azoury. Obrigado por termos convivido ainda que muito menos do que eu gostaria, pois nossas vidas profissionais nos separaram. Um beijo, garoto. (Marcelo Auler)

(*) Fotógrafo profissional durante 42 anos, Ricardo Azoury faleceu em Petrópolis, no Rio de Janeiro, após um acidente de carro na entrada de Itaipava, em abril último. O blog faz esse registro tardio, mas indispensável, ao colega que, entre muitos outros veículos, trabalhou na Manchete e na Fatos & Fotos. Pedimos licença a Marcelo Auler - um extraordinário jornalista investigativo que também foi repórter da Manchete - para reproduzir seu texto veiculado pelo site GGN, assim como permissão à fotógrafa Ana Paula Migliari (outra grande profissional ex-Manchete), autora do retrato acima. Após deixar a Manchete, Azoury construiu uma carreira marcante. Foi da Agência F4 e teve fotos publicadas nos principais jornais e revistas brasileiros e em “Newsweek”, “New York Times”, “L’Express”, e “Scientific America”, (José Esmeraldo Gonçalves)


quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Do GGN: "A cruzada moralista e sua ideologia"


por André Araújo (para o GGN)

Os movimentos políticos através da História são lastreados ou na ideologia ou na realidade do poder. No Século XX exemplos clássicos de ações movidas por ideologia:  a luta de Leon Trotsky para implantar o comunismo na Europa em contraposição à política realista de Stalin para consolidar a Revolução dentro da Rússia pelo princípio da economia de forças.

A política de Woodrow Wilson, ao fim da Primeira Guerra, com seus 14 pontos, foi uma ação ideológica, "para abolir os pecados da velha diplomacia", ao pensar nos ideais humanitários americanos contra a tradicional viciosidade da política europeia, plantou as sementes dos desarranjos que iriam, vinte anos depois, gerar a Segunda Guerra.

Wilson tinha ótimas intenções, mas carecia de realismo. Não conseguiu vender sua política nem para o Congresso de seu País. Sua tese "cada povo um Estado" é precursora da tese que desestabilizou o Oriente Médio com um sonho irrealizável de democracia pelo voto.

Nada mais desastroso do que a ação movida pela ideologia para um ideal democrático impossível nas ações americanas no Oriente Médio, entre 1990 e 2005, para "implantar valores ocidentais" em um terreno infinitamente mais complexo do que imaginavam os simplórios do Departamento de Estado. Ao pretender tirar do poder Saddam, Kadhafi, Mubarak e Assad, os EUA desmontaram todo o delicado xadrez do Oriente Médio, numa situação  pior do que seria deixar os ditadores que, pelo menos, mantinham um mínimo de estrutura de controle na região.

A cruzada moralista de Curitiba se insere em uma ação ideológica para impor princípios que seus atores julgam válidos em nome da justiça, o que é uma ideologia. Não se desprezam suas boas intenções mas assusta o completo descaso com as consequências laterais  de suas ações sobre a governabilidade e sobre a economia.

Ao liquidar com grandes empresas e setores dinâmicos da economia nacional, tornam a recessão mais profunda e a recuperação do crescimento  mais difícil, algo que parece não os incomodar minimamente. A visão ideológica é reducionista,  reduz todos os problemas do País ao combate à corrupção, desprezando a complexidade econômica e social do País e maximizando um problema como epicentro de todos os demais desafios para o desenvolvimento. Nessa visão, uma vez acabada a corrupção, todos os demais problemas estarão resolvidos.

Por que cruzada moralista e não simples força-tarefa? Porque o conceito de cruzada é mais amplo que uma simples operação de força tarefa. O movimento de Curitiba é revolucionário porque o Ministério Público e o Juizado agem em conjunto como força única de ataque contra a corrupção, o que é contrario à regra democrática de separação de funções entre Juiz e Promotor. Mas essa ação irregular não merece nenhum reparo da hierarquia superior, provavelmente impressionada pela opinião publicada vendida como opinião pública pela mídia de apoio da força tarefa.

Todavia, o sentido maior de cruzada vem do apoio incondicional da mídia conservadora ao dispositivo de ataque e é esse apoio que transforma o movimento em força política de grande dimensão com objetivo politico maior do que um simples processo judicial.

A cruzada moralista coloca em risco dois valores, a governabilidade, qual seja a capacidade do Poder executivo de governar e o clima econômico para a tomada de decisões que exigem alguma previsibilidade no horizonte.

A governabilidade é afetada pelo risco contínuo de ações, vazamentos, prisões,  cassações e  bloqueios de bens. A operação judicial é um processo inédito no mundo porque dura mais de dois anos sem interrupção e não tem previsão de acabar.

Processos político-judiciais desse tipo existem, mas são excepcionais porque nenhum governo continua funcionando sob essa espada por tanto tempo. No Brasil, os governos perderam a vergonha e fingem governar sob contínua ameaça sem aparentemente se importar com a corrosão de seu poder.

A "corrupção das democracias parlamentares" era o grande tema dos discursos de Mussolini e Hitler na Europa dos anos 30. O alvo mais evidente era a venalidade notória da Assembleia Nacional francesa da Terceira República e o nazi-fascismo passou a usar esse pretexto para justificar a superioridade dos regimes totalitários, onde aliás a corrupção era infinitamente maior, com o agravante de ser exercida com violência e  sob férrea censura. As cruzadas moralistas são historicamente as prévias do fascismo que se justifica para "fazer uma limpeza", entendida como a punição da classe política.

Na Itália de Mussolini, o Deputado Matteotti foi a primeira vítima na guerra contra o Parlamento, movimento que prosseguiu até o expurgo completo dos "corruptos" abrindo caminho para a ditadura plena do Partido Fascista.

A cruzada moralista pretende ancoragem em "trends" globais pelos quais a transparência e a "accountability" são tendências irreversíveis por todo o mundo. Nada mais falso. Rússia, China e Índia, potências globais, não têm a transparência como meta e nelas a corrupção é parte central do projeto político. Os oligarcas russos são produtos da corrupção, Putin é o homem mais rico do mundo com US$85 bilhões de fortuna, a China é o País com maior numero de bilionários depois dos EUA, muitos deles, como na Rússia, se tornaram ricos passando para seu nome empresas estatais.

O último bastião do moralismo cruzadista são os EUA, mas com um governo Trump a tendência será revertida. Nada mais politicamente incorreto do que Trump e sua troupe, transparência e moralidade não são metas do Governo Trump. Com o que a tocha do moralismo político fica com o Brasil, único País do mundo que está desmontando sua economia em nome do combate à corrupção em um processo sem fim, algo também inédito pela sua irracionalidade.

O País não se interessa mais por construir navios, sondas, hidrogeradores. A meta hoje é produzir inquéritos e delações, a mídia tem espasmos de satisfação quando fala em 77 delatores como marca de sucesso, se fossem 110 seria melhor ainda, não há mais notícia de novas estradas, usinas, portos. A totalidade do noticiário hoje dá como notícia o fato do Juiz ter aceito a denúncia contra Lula, como se fosse possível não aceitar. Foi aberto inquérito, foram distribuídos 23 mandatos de busca e apreensão, essa é a totalidade do noticiário. A mídia se desinteressou dos temas políticos e econômicos, só trata de notícias judiciais-policiais.

O papel da mídia na construção da cruzada moralista é crucial e a aliança é paga com vazamentos que geram manchetes, escândalos e aumentam as vendas e audiências.

A mídia, por sua vez, e tenho visto isso com uma reiteração impressionante, não vê nenhum problema, por exemplo, no Estaleiro Rio Grande despedir 3.200 empregados, os últimos, quando já teve 18.000. Estaleiro esse que pertence a uma das firmas mais envolvidas pela Lava Jato. Os demais estaleiros estão fechando, assim como bom número de grandes empreiteiras, não só elas, mas seus ramos paralelos, seus fornecedores e prestadores de serviços.

Afirmações alucinadas se veem na mídia. Outro dia, no Programa Três em Um da Rádio Jovem Pan, onde um certo Madureira disse que a Odebrecht poderia fechar sem problemas. Seria até bom que fechasse, afinal quem faz as obras são os engenheiros, estes podem se reunir dois ou três e continuarem as obras. A Odebrecht já despediu 100.000 empregados e não se sabe de uma turma de "dois ou três engenheiros" se juntarem para continuar as obras.

Muita gente pensa assim, se fecham as grandes vem as menores, desconhecendo que um grande construtora não é só uma sala com engenheiros. Há uma imensa concentração de aptidões, expertise, experiência acumulada. Montar um canteiro no meio da Amazônia não é para "dois ou três engenheiros", há uma rede de alianças, conexões e parcerias que só a vivência no ramo por décadas é capaz de aglutinar com rapidez.

Um dos aríetes da mídia engajada é alegar o "apoio" irrestrito da opinião pública à cruzada moralista, apoio esse impossível de medir ao se confundir opinião publica com opinião publicada. De qualquer modo, esse apoio, no limite em que exista, não estabeleceu até hoje uma ligação entre crise econômica e ações persecutórias da operação judicial. Aqui e ali aparecem algumas conexões, mas não chegou ao cerne da opinião pública.

Tampouco causou qualquer controvérsia na mídia o fato inédito, em escala mundial, pelo qual uma força tarefa anticorrupção colaborar com uma potência estrangeira, no caso os EUA, a perseguir e processar sua estratégica indústria aeronáutica, a 3ª no ranking mundial, ao final obrigada a pagar US$208 milhões ao Tesouro americano. Tudo feito com a colaboração vinda do Brasil contra a Embraer, quer dizer, em nome da ideologia anticorrupção coloca-se em risco uma empresa de crucial importância para o País, como se isso fosse algo banal. A regra é os Estados protegerem a ferro e fogo sua empresas de tecnologia de ponta na área de defesa e nunca a entregarem a um Governo estrangeiro como presa de guerra com essa leviandade, tudo em nome da ideologia moralista.

A cruzada moralista tem entusiasmado apoio da mídia conservadora. É preciso que a população saiba de seus custos. O Brasil tem grave problema em lidar com a realidade, todos querem parecer politicamente corretos e operar em um teatro de ficção.

As operações anticorrupção, que já vão para três anos, estão no epicentro da crise política e está aprofundando a recessão, causa desemprego e impede o crescimento. É preciso não ter ilusões a esse respeito, poucos atores da política têm coragem de falar claro, todos querem parecer amigos da investigação embora saibam o desastre que a operação causa na economia.

O Brasil tem sua imagem no exterior completamente manchada, boa parte dos fundos de investimento não tocam no Brasil. Elogios às operações anticorrupção podem existir em núcleos de juristas, ativistas da transparência e colegas procuradores. Mas para por aí.

No meio empresarial dos grandes países ninguém acha graça em saber que empresários brasileiros são presos por atacado. Nomes como Odebrecht são conhecidos internacionalmente, a sua prisão por tanto tempo causa espanto.

Os empresários do exterior são colegas dos brasileiros e ninguém gosta de ver colegas presos. Essa "razia" das operações anticorrupção causa um gosto amargo lá fora e ninguém acha isso bonito. Há uma ilusão em certos círculos politicamente corretos sobre a virtuosidade dessa cruzada como valor  em si mesmo, sem análise do bom e do ruim, dos custos e consequências.

O carimbo de país corrupto ressaltou na grandeza para o Brasil, enquanto países de histórica corrupção, como México, Índia, China , Rússia, Indonésia, África do Sul e Argentina não sofrem no exterior esse desgaste de imagem que se colou nas instituições políticas brasileiras,"covil de ladrões" segundo seus detratores.

Mas pior do que o reflexo no exterior é a quebra generalizada da confiança fundamental para o funcionamento da economia. Se todos delatam todos, confiar em quem? E sem confiança como fazer negócios? O ambiente das delações corrói como veneno escorrendo da boca a rede de confiabilidade em que se estruturam grande parte das transações no mais alto patamar.

A projeção dessa cruzada no exterior liquidou com a presença de empresas e empreiteiras brasileiras na África, Oriente Médio e  América Latina. Trinta anos de luta pela presença em mercados importantes como Angola, jogados fora com a pior das ações, empreiteiras brasileiras delatando personalidades de governos estrangeiros. Quando o Brasil conseguirá uma obra nova no exterior com essa fama de alcaguete?

Enquanto isso, empreiteiras chinesas, indonésias, turcas, indianas, malaias, tailandesas, operam sem qualquer problema de moral nos mercados africanos, os brasileiros "politicamente corretos", "primeiros da classe" são vistos como "queimados" nesse ambiente. Nossa cruzada teve a pretensão de "moralizar" mercados de obras públicas no exterior, só nós, "os santos", nossos concorrentes riem de nossa ingenuidade, mercados de obras públicas tem certos costumes seculares e não será o Brasil o fiscal do setor a nível mundial.

A questão das tarefas de julgamento no estilo "revenge" ou "acerto de contas" sob o pano de fundo político teve um exemplo fundamental no Tribunal Internacional de Crimes de Guerra de Nuremberg. Estabelecido o Tribunal, em outubro de 1945, decidiram as potências aliadas, sob a liderança decisiva dos EUA, limitar os réus a 24, contra opiniões contrárias dentro do próprio EUA, onde o Secretário do Tesouro Henry Morgenthau, judeu, queria processar 10.000 nazistas. Prevaleceu a força do General George Marshall, líder absoluto das forças armadas americanas,  que via como prioridade a reconstrução da Europa e para tanto era necessário acabar o mais rapidamente possível com processos criminais  contra os alemães para que as forças de ocupação se voltassem para a reconstrução.

Dos 578 generais da Whermacht, somente 2 foram réus em Nuremberg, Jodl e Keitel, ambos enforcados. Dos oficiais das SS, figurou apenas Kaltnbrunner, escapando o General Karl Wolff, segundo homem da hierarquia das Waffen SS, poupado porque fez um acordo proveitoso para os Aliados ao render um milhão de soldados no norte da  Itália.  O julgamento acabou em um ano e dentro da mais puro Realpolik. Milhares de ex-oficiais nazistas das três forças passaram a colaborar no esforço de reconstrução da Alemanha Ocidental, figuras emblemáticas como o Marechal von Manstein, passaram a trabalhar para os Aliados. Talleyrand não faria melhor. Nuremberg foi "realpolitk" no estágio mais puro. Às favas com justiça como ideologia, é precisa olhar para frente e não para trás.

A rápida resolução do julgamento de Nuremberg, considerando a extensão dos crimes submetidos à sua jurisdição, mostra a força do critério de solução racional e rápida de processos-crime visando tocar as tarefas do futuro e não ficar mastigando ao infinito a vingança pelos malfeitos, propensão que domina a visão de "expiação" algo religiosa que vem de nossa cultura ibérica vingativa. É preciso "queimar" o herege para purificá-lo, não interessa o mundo real mas sim a salvação das almas.

A operação anticorrupção pode durar 5 anos, como a Comissão McCarthy, ou até 10 anos. O processo vai levar a uma destruição inédita dos canais e redes em que se estruturam os empreendimentos de grandes consórcios de obras públicas e concessões.

Cada um dos 75 delatores da Odebrecht tem uma carreira, uma família, tudo construído em décadas. Depois de delatar vão fazer o quê? Quem os empregará? O carrinho de cachorro-quente pode ser uma saída.

É possível que a população brasileira, açulada pela mídia, prefira a continuação das operações anticorrupção por dez anos. É uma opção. Mas é preciso ficar claro que enquanto durar o ambiente de caça às bruxas com show midiático o Brasil não vai crescer, não tem como crescer. O ambiente para o crescimento exige otimismo e visão do futuro. Em um ambiente turbado, onde a única coisa que se produz são inquéritos, delações, processos, não há nenhum elemento de prosperidade e todo o centro dinâmico da economia fica paralisado. Para pegar o rato no telhado se põe a casa abaixo, esse é o programa. E o pior é que essa hecatombe se faz sobre frenético aplauso da mídia conservadora, força central da cruzada.

Qual o objetivo final da cruzada moralista? Só existe um. Como o poder politico é essencialmente corrupto e não se autocorrige deve ser extinto ou anulado. É o lema da "corrupção das democracias parlamentares" dos discursos de Mussolini.

Mas o poder político é o único instrumento para a existência da democracia. Ao se extinguir esse poder, porque é corrupto, extingue-se a democracia. A ação da cruzada moralista não tem outro desfecho, busca o fim da democracia e a implantação de um regime puro, onde não há o pecado, algo que um certo Pol Pot pretendia e quase conseguiu em um país chamado Cambodja, a custa do fuzilamento de dois milhões de corruptos em uma população de oito milhões.

O processo da cruzada moralista é uma espécie de loucura coletiva inédita na História brasileira, uma espécie de "Caso Dreyfuss". A política sempre operou com dinheiro, aqui, na França, nos EUA, na Rússia, não existe politica sem dinheiro. É possível melhorar regras, mas não é possível extinguir o pecado, algo que a cruzada pretende e, no processo de eliminar o pecado, vai acabar com a democracia e levar o País ao maior obscurantismo de sua História.
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sábado, 12 de março de 2016

Para entender o golpe....

por Luis Nassif (do GGN)

Para entender o nosso jogo de xadrez é importante clareza sobre um divisor de águas: a condução coercitiva de Lula a Congonhas.

Para o juiz, os procuradores justificaram que a intenção seria proteger a imagem e a integridade de Lula. Na nota oficial, os procuradores sustentam que pretenderam conferir a Lula o mesmo tratamento aplicado em 114 réus anteriores. Quem está enganando quem?

A operação fugiu do padrão escracho da Lava Jato. Lula foi conduzido em sigilo à sala VIP do aeroporto de Congonhas, na beira da pista, com um jatinho da Polícia Federal no hangar pronto para decolar.

Pesados todos os fatos e possibilidades, a hipótese mais robusta foi levantada por José Gregori, ex-Ministro da Justiça do governo FHC: a intenção era, de fato, prender Lula e conduzi-lo a Curitiba.

No interrogatório havia quatro delegados da PF e quatro procuradores. À medida que o tempo avançou e divulgou-se a localização de Lula, de dentro da sala era possível ouvir os urros da multidão do lado de fora.

Seja lá o que ocorreu, a ida de deputados do partido a Congonhas, a aglomeração de manifestantes, o fato é que não se consumou a operação.

No final do dia, um Sérgio Moro visivelmente assustado com os riscos da operação, soltou a nota oficial explicando que o pedido partiu dos procuradores, enfatizando a intenção de preservar a imagem e a integridade de Lula e lançando um apelo pela paz e pela concórdia.

Mesmo com a perspectiva de acirramento de conflitos de rua, os procuradores da Lava Jato trataram de botar mais óleo na fervura, soltando a nota em que desmentiam as razões invocadas por Moro e se comportavam como deuses ex-machina lançando raios do Olimpo.

A história reconhecerá no futuro a enorme contribuição do procurador Carlos Fernando dos Santos Lima para expor a conspiração quase em tempo real. Seu estilo grosseiro, tosco, atropela e expõe uma estratégia muito mais refinada. Tão refinada que parece difícil que tivesse sido planejada em Curitiba.

A estratégia se completa com a matéria de ontem da Folha, de que a Lava Jato prepara um conjunto de ações de improbidade visando impedir Lula de concorrer novamente (http://migre.me/tbiYy), confirmando, aliás, os cenários que venho traçando.

Os dois comunicados, mais as informações adicionais, colocam, de uma vez, quatro peças a mais no nosso quebra-cabeças.

Peça 1 – A radicalização é alimentada pelos procuradores da Lava Jato.
Mais do que explicações, a nota oficial dos procuradores é um libelo, antecipando a peça final da acusação.

Peça 2 – Moro não é nem nunca foi o cérebro por trás da operação.

Uma operação dessa envergadura não poderia ter sido obra de um juiz de primeira instância, de um estado pouco relevante politicamente, conhecido por seu conservadorismo, rígido nas sentenças, mas tímido, tosco até fora dos limites dos autos. Foi só recuar para ser atropelado pela Força Tarefa.

Peça 3 – A Polícia Federal é um mero instrumento nas mãos dos procuradores.

Domingo, o Estadão publicou matéria condenando os abusos da operação, atribuindo-os à Polícia Federal. Ora, a PF limitou-se a cumprir um mandado requerido pelos procuradores e autorizado pelo juiz Moro. Já os procuradores formam um todo coeso, obedecendo a uma estratégia nítida: a inabilitação política de Lula.

Peça 4 – Em meio às turbulências políticas, houve o risco de confrontos entre manifestantes se alastrarem por todo o país. Um mero Procurador Regional de Curitiba pode definir, por si, a oportunidade de um libelo político com aquele grau de temperatura?

Aí cabem duas hipóteses:

Hipótese 1 – O Ministério Público Federal é um arquipélago formado por comitês, regionais independentes, cada qual com poderes de interferir até nos aspectos psicossociais do país, sem nenhuma forma de coordenação ou de controle interno.

Hipótese 2 – há um comando central, de nível hierárquico superior ao dos procuradores do Paraná.

Em qualquer hipótese se abre um enorme flanco na armadura institucional do Ministério Público. Quando o modelo de atuação torna o país refém de um juiz de 1a instância armado por procuradores regionais beligerantes, há algo de errado na história.

Para entender o jogo, vamos relembrar o histórico da perseguição a Lula.

A perseguição a Lula
As declarações reiteradas dos procuradores – que investigam fatos e não pessoas – foram desmentidas cabalmente pela última operação.

A perseguição a Lula pela Lava Jato começou em março do ano passado, em cima das investigações da Bancoop pelo Ministério Público Estadual (MPE).

O site Jota contou em detalhes essa história, em reportagem de Laura Diniz (http://migre.me/tbiZP).

Em março de 2015 o promotor José Carlos Blat, do MPE paulista, foi procurado por integrantes da Força Tarefa da Lava Jato, para compartilhar informações. Em maio teriam surgido fatos novos em relação à Bancoop, OAS e o prédio de Guarujá. Blat comunicou à juíza Cristina Ribeiro Leite Costa, da 5a Vara Criminal da Capital. Em despacho de 10 de junho, a juíza informou que novas informações deveriam ser investigadas em separado.

Resolveu-se rapidamente o problema através de um artifício, uma Representação Criminal combinada com três escritórios de advocacia que já atuavam no caso Bancoop, dirigidas diretamente ao procurador – atropelando o conceito de promotor natural, aquele designado por sorteio..

Com o estratagema, o tríplex entrou na Lava Jato, diz a matéria. E “caídas literalmente do céu”, segundo a reportagem, as informações sobre a offshore Murray e a Mossak Fonseca, que serviram de pretexto para a Operação Triplo X.

Caíram do céu da mesma maneira que as informações iniciais sobre a Petrobras caindo no colo do juiz Moro.

Na mesma época, um obscuro deputado federal do PSDB do Acre pega matéria de Veja, que falava do sítio de Atibaia, com informações erradas – atribuindo as obras à OAS – e fez uma representação ao MPE paulista. O MPE recusou e encaminhou a representação para a Procuradoria Geral da República. No dia 15 de julho, o próprio PGR Rodrigo Janot encaminhou a Curitiba, abrindo o segundo duto de bombas contra Lula (http://migre.me/tbj0y).

Na nova etapa, a primeira investida foi sobre a Mossak Fonseca. A Força Tarefa invadiu os escritórios, deteve funcionários, recolheu computadores e e-mails. Pouco depois vazou a informação das ligações da Murray com a casa atribuída à família Marinho em Parati. Imediatamente a operação Mossak sumiu dos noticiários, os detidos foram imediatamente liberados, contradizendo todo o padrão da operação até então, demonstrando que a Lava Jato não investigava fatos, mas pessoas. Aliás, algumas pessoas.

A perseguição a Lula ficou mais nítida no dia 2 de fevereiro, por volta das 18 horas, quando quatro procuradores da Força Tarefa foram à casa do trabalhador Edivaldo Pereira Vieira.  Eram eles, Athayde Ribeiro Costa, Roberto Henrique Pozzobon, Januario Paludo e Júlio Noronha.

Não tinham mandado, intimação, apenas suas carteiras de promotores e o autoconferido poder de investigar. Pressionaram, constrangeram e intimidaram Edivaldo, um sexagenário humilde, porque era irmão de Élcio Pereira Vieira, caseiro do Sítio Santa Bárbara – levado em condução coercitiva na 24a fase da Operação. Ao final dessa típica batida policial, os procuradores deixaram um telefone de Curitiba, para o caso de sua presa decidir "colaborar".

Finalmente, com a operação de sexta, se valeram do estratagema de envolver esposa e filhos de Lula, visando derrubar emocionalmente o adversário

No decorrer de todo o ano, os vazamentos da Lava Jato, planejados pelos Procuradores da República e Delegados Federais, lançaram no ar toda sorte de factoides.

Qualquer suspeita, por mais ridícula que fosse, era transformada em sentença condenatória, misturando fatos relevantes com bobagens monumentais. Essa mistura ajudou a alimentar dois sentimentos conflitantes. Nos especialistas, a convicção de que a Lava Jato perseguia pessoas, depois ia atrás de qualquer fato que incriminasse o alvo. Nos leigos a certeza de que havia um ladrão de galinhas no Planalto, pois até suspeitas de desaparecimento de estátuas e adagas foram ventilada pelo escoadouro montado na Lava Jato.

E aí alguns fatos incômodos começam a invadir o raciocínio. Toda a estratégia de mídia foi montada em Brasília, pela própria Procuradoria Geral da República, assim como o reforço da Força Tarefa e a ênfase na cooperação internacional.

Seria Janot responsável direto por todos esses absurdos, ou meramente abriu a porteira e perdeu o controle da boiada?

Vamos avançar no nosso quebra-cabeça, sem nenhum juízo de valor definitivo.

A Primavera brasileira no início de tudo
O ponto de partida foram as manifestações de junho de 2013, que deixaram claro que o Brasil estava preparado para a sua “Primavera”, a exemplo das que ocorreram nos países árabes e do leste europeu. Essa possibilidade alertou organismos de outros países, como o próprio FBI e acendeu alerta na Cooperação Internacional – a organização informal de procuradores e polícias federais de vários países, que se articularam a partir de 2002 para combate ao crime organizado.

Evidência: informação me foi confirmada por Jamil Chade, correspondente do Estadão em Genebra, para explicar porque o FBI decidiu só agora investir contra a FIFA. As manifestações teriam comprovado que a opinião pública brasileira estaria suficientemente madura para apoiar ações anticorrupção – e de interesse geopolítico dos EUA, claro.

Atenção - não significa que as primeiras manifestações foram articuladas de fora para dentro. O início foi de um grupo acima de qualquer suspeita, o MPL (Movimento Passe Livre). Foi a surpreendente adesão de todos os setores, da classe média à extrema esquerda que mostrou que a sede de participação, trazida pelas redes sociais, havia transbordado para as ruas. As manipulações das manifestações passam a ocorrer mais tarde devido à absoluta insensibilidade do governo Dilma e do proprio PT em entender o momento.

É a partir daí que, em contato com a cooperação internacional, começam a ser planejadas as duas grandes operações mundiais anticorrupção do momento: a Lava Jato, que visaria desmontar a quadrilha que se apossou da Petrobras e a do FBI contra quadrilha que se apossou da FIFA e da CBF.

Houve movimentos internos relevantes que antecederam o início do jogo. No bojo das manifestações de 2013 ficou nítida a parceria da Globo com o MPF.

Evidência - Do nada começaram a pipocar cartazes pedindo a derrubada da PEC 37 – que proibia procuradores de realizar investigações por conta própria. Os veículos da Globo passaram a dar cobertura exaustiva à campanha, ajudando na derrubada da PEC. Matérias no Jornal Nacional (http://migre.me/tbj1a e  http://migre.me/tbj1I) conferindo dimensão nacional ao movimento. E propondo não apenas derrubar a PEC, como aprovar nova PEC que garantisse explicitamente o poder do MP de investigar (http://mcaf.ee/auivz5).

No mesmo mês de junho de 2013 surge outro fato revelador: o vazamento de informações da NSA (Agência de Segurança Nacional) pelo ex-técnico Edward Snowden.

Na primeira semana, foram vazados documentos de casos internos de espionagem. Depois, a espionagem sobre outros países. Na enxurrada de documentos vazados, fica-se sabendo que a NSA espionava preferencialmente a Petrobras.

De repente, um juiz de 1a instância em Curitiba, Sérgio Moro, tendo como fonte de informação apenas um doleiro, Alberto Yousseff, tem acesso a um enorme volume de informações sobre a Petrobras e consegue nacionalizar um processo regional.

Até hoje a Lava Jato não revelou como chegou às primeiras informações sobre a Petrobras, que permitiram expandir a operação para todo o país.

O que se viu, dali em diante, foram dois dutos de informação montados entre o MPF brasileiro e a cooperação Internacional: o duto da Lava Jato e o duto da FIFA. Pelo duto da Lava Jato vieram informações centrais para o desmantelamento da quadrilha da Petrobras. Já o duto da FIFA ficou obstruído. As informações de lá para cá esbarraram em uma mera juíza de 1a instância do Rio de Janeiro e até hoje não foram destravadas. E as informações daqui para lá não fluíram. Por todas as informações levantadas em Genebra, a Globo era peça central do esquema FIFA-CBF.

Depois disso, a cooperação internacional torna-se instrumento central nas investigações da Lava Jato. Mas nas investigações da FIFA, o braço brasileiro da cooperação internacional falha. A Globo está sendo poupada.

Evidência - A entrevista de Jamil Chade (http://migre.me/tbj35) informa o desagrado do FBI com a demora do MPF em atender às suas solicitações sobre a Globo. Diz ele: “Um dos únicos países que não colabora nesse caso (é o Brasil), ironia total. O craque que montou é brasileiro e parte fundamental atuação foi dos dirigentes brasileiros. O Departamento de Justiça já deixou muito claro ao Brasil que estava muito incomodado com essa falta de colaboração”.

A estratégia midiática da Lava Jato
Um levantamento sobre as intervenções norte-americanas nas Primaveras que sacudiram o Oriente Médio, mostra que todas elas vieram acompanhadas de uma estratégia de comunicação através das redes sociais. E com foco na corrupção e na defesa da democracia.

A Lava Jato foi montada seguindo todo o receituário das Primaveras. Receita pronta, ou recolhida de algum manual ou aulas particulares com especialistas.

1.    Acesso a informações críticas sobre a quadrilha que atuava na Petrobras.

2.    Identificação de algum inquérito regional que pudesse ser nacionalizado. Não havia nenhum melhor que Sérgio Moro, testado na AP 470 – como assessor da Ministra Rosa Weber – tendo atuado no caso Banestado.

3.    Montagem imediata de um aparato de comunicação, contratando assessorias especiais, montando hotsites de maneira a potencializar as denúncias de corrupção. O que foi feito pela Procuradoria Geral da República.,

Outro know-how adquirido foi o da criação de personagens para atuar como polos nas batalhas pelas redes sociais.

Nas eleições de 2010, com seus consultores estrangeiros a campanha de Serra registrou pela primeira vez o uso científico das redes sociais. Criavam perfis fakes, capazes de galvanizar ilhas de influência no Twitter. Havia o jovem curitibano de vinte anos, vítima de uma doença fatal; o músico negro da periferia de São Paulo, capaz das maiores baixarias (aliás, o fato de conferir esse perfil a um músico e negro é indicativo do jogo conservador).

Na Lava Jato, investiram em duas imagens reais. Numa ponta, a imagem evangelizadora de rapaz do bem, o procurador Deltan Dallagnol; na outra, do homem mau, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, uma imagem tão marcadamente detestável que, infelizmente, será a imagem do MPF durante bons anos para grande parte da opinião pública.

Obviamente, não me refiro ao procurador, que nem conheço, mas à imagem propagada. O MPF não tem mais a cara dos procuradores que ajudaram a institucionalizar direitos sociais, democracia, direitos das minorias, a punir os crimes da ditadura. É de Carlos Fernando e seu olhar rútilo, de matador, a nova cara do MPF.

Nas redes sociais e movimentações de rua surgem, da noite para o dia, movimentos como o “Movimento Brasil Livre” e “Estudantes Pela Liberdade”. Constatou-se, com o tempo, que eram financiados pelo Charles Kock Institute, ONG de dois irmãos, Charles e David, herdeiros donos de uma das maiores fortunas dos Estados Unidos.

Os Kock ficaram conhecidos por financiar ONGs de ultradireita visando interferir na política norte-americana (http://migre.me/tbj3w). E tem obviamente ambições de ampliar seu império petrolífero explorando outras bacias fora dos EUA.

Para selar de vez a parceria com a cooperação internacional, o próprio PGR Rodrigo Janot foi aos Estados Unidos comandando uma equipe da Lava Jato para dois eventos controversos.

O primeiro, levar informações da Petrobras para possíveis processos conduzidos pelo Departamento de Justiça contra a estatal brasileira. O segundo trazer de lá informações que explodiram na Eletronuclear, depois de encontro com advogada do Departamento de Justiça ligada a escritório de advocacia que atende o segmento nuclear por lá.

A geopolítica da cooperação internacional
Desde os anos 70, a parceria com ditaduras militares mostrou-se inconveniente para a diplomacia norte-americana. De um lado, pela dificuldade em justifica-la perante a opinião pública liberal norte-americana. De outro, pelo fato dos governos militares terem nítido cunho nacionalista – como se viu com o governo Geisel, no Brasil, ou a ditadura militar argentina deflagrando a guerra das Malvinas.

Gradativamente, a diplomacia e as instituições norte-americana foram mudando o eixo, aproximando-se dos sistemas judiciários nacionais, das polícias federais, de procuradores e estimulando ONGs, especialmente aquelas voltadas para a defesa do meio-ambiente. A internacionalização da Justiça tornou-se um fator legitimador, para fortalecer outro polo de influência nos sistemas nacionais, acima dos partidos e do Congresso.

Tornou-se conhecido o modelo de desestabilização no Oriente Médio com as diversas primaveras nacionais. Insuflava-se a classe média com denúncias de corrupção. Seguiam-se as manifestações de rua que, devido ao clima de catarse criado, descambavam para a violência. Depois, a intervenção de alguma força visando trazer a ordem e implantar a democracia. Foi assim nas ações desastrosas no Iraque, Afeganistão e Líbia – conforme explicou o professor Moniz Bandeira em longa entrevista concedida esta manhã ao GGN. Em todos esses casos, desmontou-se um regime autoritário e deixou-se como herança o caos, a destruição de nações e regimes muito mais restritivos dos direitos individuais, quase todos marcadamente conservadores nos hábitos morais.

O problema está no lado oficial da história. E aí entra o papel da cooperação internacional na nova geopolítica do poder.

Desde a viagem de Janot aos Estados Unidos começamos a desconfiar  que os EUA estavam se valendo dessa cooperação para impor suas estratégias geopolíticas.

A Lava Jato não pode mais ser vista como uma operação de investigação isolada. Ela é tudo o que gerou de forma associada, e teve a ajuda central de organismos internacionais – caso contrário jamais teria chegado às quadrilhas que operavam na Petrobras.

Ambos –operadores da Lava Jato e do Congresso - estão umbilicalmente ligados. No plano econômico e social, a contraparte da Lava Jato é a flexibilização da Lei do Petróleo e dos gastos sociais, acabando de vez com o legado social dos últimos governos.

Evidências – as operações de impacto da Lava Jato sempre caíram como uma luva, sincronizadas com as estratégias de impeachment seja no Congresso seja em dobradinha com Gilmar Mendes no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Toda a pressão em cima de Dilma têm, do lado político-econômico, a intenção precípua de obter concessões nas áreas de petróleo e de gastos sociais.

No plano social, a Lava Jato conseguiu despertar a comoção popular, o afloramento de uma ideologia da classe média, ultraconservadora e intolerante, muito longe da vitalidade juvenil do MPL. No plano econômico, além da flexibilização da lei do pré-sal e do fim dos gastos sociais obrigatórios, ganhou corpo a criminalização das estratégias de desenvolvimento autóctone – como o avanço diplomático na África e o financiamento às exportações, as políticas de conteúdo nacional (que podem ser liquidadas com o fim da Lei do pré-sal.

Ou seja, não dá para desvencilhar a Lava Jato de todo esse leque de princípios ultraconservadores e ultraliberais. Fazem parte do mesmo pacote político.

Na falta de estudos mais apurados sobre o tema, alguns comentaristas julgaram estar frente a uma dessas teorias conspiratórias que povoa o universo das redes sociais.

No Brasilianas de ontem, o professor Luiz Felipe de Alencastro (recém aposentado da Universidade de Sorbonne) informou que nas últimas semanas, o tema ganhou repercussão nos círculos acadêmicos internacionais.

Em breve, a Lava Jato deixará de ser estudada meramente como uma imensa operação anticorrupção para se transformar em um case sobre as estratégias geopolíticas norte-americanas na era das redes sociais, da globalização e da alta tecnologia.

O presidencialismo de coalizão do MPF
E aí se entram nas questões internas do Ministério Público Federal.

Trata-se de uma organização admirável que, desde a Constituição de 1988, foi protagonista de inúmeros avanços civilizatórios no país.

Com o tempo, algumas de suas maiores virtudes – como a independência de cada procurador – transformaram-se em alguns dos seus maiores problemas. A sucessão de representações contra Lula, partindo de todos os cantos, mostra que, hoje em dia, qualquer procurador que queira participar do jogo político basta pegar um factoide qualquer e transformar em representação, valendo-se do poder que lhe foi conferido pela Constituição. E nada acontecerá com ele, sequer o repúdio dos colegas.

Os procuradores se organizam em grupos, de acordo com suas convicções e áreas de atuação. Há desde grupos envolvidos com direitos humanos até os que atuam na área criminal. E há, também, uma enorme gana de protagonismo político por parte de alguns grupos, de participar de cargos executivos, a exemplo de colegas de MPs estaduais.

Quando Lula sancionou a eleição direta para escolha do PGR, abriu a caixa de Pandora. Os candidatos são indicados pela ANPR (Associação Nacional de Procuradores da República) – que representa apenas uma classe de procuradores e é uma associação sindical, de defesa dos interesses corporativos da classe. Não participam os procuradores estaduais, os dos Tribunais de Contas, os militares.

Recentemente, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) avançou na questão de permitir que procuradores ocupem cargos no Executivo – hipótese vedada pelo STF.

Na própria campanha eleitoral, os candidatos a PGR vão firmando acordos políticos capazes de viabilizar sua eleição. E, com isso, diluindo poder e capacidade de intervir em abusos.

Em Brasília, há integrantes isentos do Judiciário que defendem Janot, consideram-no uma pessoa equilibrada e responsável. Sustentam que ele perdeu o controle da situação. Ou seja, abriu a caixa de Pandora quando estimulou o vazamento da Lava Jato e agora não conseguiria controlar sua tropa.

Mas há um conjunto de atos e omissões inexplicáveis:

1.    A visita aos EUA levando informações da Petrobras e trazendo da Eletronorte.

2.    A blindagem ao senador Aécio Neves. Na única vez que conversei com Janot ele assegurou que até abril (do ano passado) daria parecer no inquérito que investiga contas de Aécio em Liechtenstein. Não só não desengavetou como desqualificou três delações sobre ele.

3.    A incapacidade de conduzir um inquérito sequer sobre as Organizações Globo.

Será possível que, com a enorme capacidade jurídica acumulada entre seus procuradores mais velhos, com as inúmeras referências de direitos humanos, cidadania, responsabilidade para com o Estado brasileiro, o Ministério Público Federal tenha se transformado em uma corporação dominada pelo sindicalismo?

É a última incógnita desses tempos turbulentos. Todas as demais peças já foram devidamente encaixadas.

segunda-feira, 16 de março de 2015

O governo Dilma e o fantasma da Besta

por Luis Nassif (para GGN)
Para não se perder em digressões sobre a natureza das manifestações, o primeiro passo é aceitar os protestos como um fenômeno amplo e disseminado, pegando todas as classes sociais e todas as regiões. O sentimento anti-Dilma, anti-PT, anti-anti é generalizado. Hoje, o país está dividido em dois grupos: a esquerda militante, sozinha em um canto, com uma visão muito mais legalista do que pró-Dilma; e todo o restante do país no outro.
O segundo é separar os processos centrais que impulsionam os protestos, da ação dos grupos oportunistas que surfam na onda.
O ponto central que explica esse explosão está presente na história em todos grandes períodos de inclusão. Foi assim primeira revolução industrial, na urbanização europeia dos anos 1920, trazendo consigo o integralismo italiano, o nazismo alemão e seus arremedos em várias partes do mundo; na explosão do mercado de massa norte-americano, nos idos de 1850; na primeira consolidação da onda migratória brasileira, nos anos 1920; no avanço da classe operária industrial brasileira nos anos 1950 e 1960, no macarthismo norte-americano e na KKK nos anos 1960.
A expansão econômica abre espaço para a urbanização e para a criação de uma nova classe operária ou de incluídos. Nessa fase, o crescimento permite repartir os frutos por todos os setores, amainando os conflitos de classe e contendo os preconceitos. Quando à frente do processo estão políticos de fôlego – Mandela ou Lula – a fase de inclusão se dá com menos conflitos.
Quando esgota-se o ciclo de crescimento, frustram-se as expectativas de melhoria individual e afloram todos os preconceitos e frustrações, tanto dos velhos quanto dos novos incluídos, ambos irmanados na falta de perspectivas.
Por exemplo, a nova geração dos metalúrgicos do ABC era filha do "milagre econômico”.  Em dez anos sua vida mudou radicalmente, como o próprio Lula admite.  Os comícios da Vila Euclides só aconteceram quando a crise econômica se impôs e abortou os sonhos de ascensão continuada. Sua vida estava melhor do que dez anos atrás; mas pior que no ano anterior.
No século 21, o fenômeno da inclusão ocorreu, nos emergentes, com a ascensão social das classes D e E; nos países centrais com o fluxos migratórios; em todos eles, incluindo Oriente Médio e outras regiões, no rastro da implosão dos sistemas convencionais de controle da informação (por governos ou grupos de mídia), com o advento das redes sociais.
No caso brasileiro, sobre esse caldeirão fumegante veio o circo de horrores da Lava Jato, pela primeira vez expondo em sua plenitude as vísceras dos sistemas de financiamento de campanha e da corrupção política, o presidencialismo de coalisão em estado de putrefação. E, na sequencia, as restrições de uma política fiscal dura, enfiada a seco goela abaixo do eleitor, para corrigir os excessos do período anterior.
E aí tem-se o terreno adubado para aparecer a besta, o sentimento irracional e generalizado que comanda as grandes manifestações de massa, sem liderança, sem controle, tendo em comum apenas o ódio contra qualquer alvo móvel, o afloramento de insatisfações pessoais, profissionais, políticas de cada um, embora comportando-se como massa.
Nessa geleia geral, cabe de tudo, da classe média séria, cumpridora dos seus deveres, à malandragem mais ostensiva, dos cidadãos desinformados aos direitistas mais empedernidos.
Mas há  pontos em comum que definem a natureza dessas explosões.
A explosão é fruto do isolamento trazido pela falta de rumo. Sem os partidos e instituições como agentes agregadores, a massa procura formas mais primárias de coesão, na antipolítica.
Uma dessas formas são  os ataques aos "diferentes", sejam ímpios que professem outro partido ou minorias. É o princípio ancestral do bode expiatório e dos grandes linchamentos dos quais nem Cristo escapou.
Outro é a ânsia por "ordem", qualquer coisa que mostre um rumo, que organize os fatos, que enquadre essa desordem difusa. Pode ser uma mensagem forte de esperança, ou um estímulo adicional à intolerância.
Mesmo assim, não se reduzam as manifestações a manobras conspiratórias ou planejadas. Existem, sim, mas dentro de um espectro muito maior e menos controlável.
O fenômeno do parasitismo político
Na biologia estuda-se o fenômeno do parasitismo. Segundo a definição, parasitas são organismos que vivem em associação com outro, dos quais retiram os meios para a sua sobrevivência, normalmente prejudicando o organismo hospedeiro.
Na política, o parasitismo é similar. Em cima do sentimento maior pululam as manobras oportunistas, de grupos parasitários.
Um deles são os grupos de mídia, que atuaram como agentes estimuladores das tendências de revolta. Ontem, na Paulista, um dos poucos slogans que não era anti-Dilma foi o conhecido “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo”.
Outros, políticos querendo tirar sua casquinha. Bolsonaro foi vaiado, Martha Suplicy execrada por petistas e antipetistas, e FHC, Serra e Aécio – que já conhecem a Besta desde o governo tucano – preferiram colocar lenha na fogueira e prudentemente ficar longe do fogaréu.
Um terceiro grupo são malandros de toda espécie vendendo camisetas, ou vendendo apoio a golpistas etc.
Em junho de 2013, quem quis tirar casquinha, levou na cabeça. Nenhum grupo parasita logrou cavalgar a Besta.
O que acontece quando a besta aparece
Quando a besta sai às ruas, não bastam mais os mecanismos convencionais de prevenção de crise. É uma boiada estourando, sem comando, com uma corrida dos grupos oportunistas para tentar cavalgar o boi guia.
Esses estouros de boiada podem levar a um Hitler, a um Berlusconi ou a um Roosevelt, dependendo de quem conseguir dirigir os instintos da boiada. A mensagem unificadora pode ser um discurso de esperança e solidariedade; ou o exercício da intolerância e da busca do inimigo para ser liquidado.
Quando se tem uma imprensa irresponsável, uma oposição rasa, pensando apenas em seus interesses comerciais e políticos, e um governo medíocre, é mais combustível na fogueira da intolerância.
Mesmo para um governo mais ativo, o desafio seria enorme, conforme atestam os exemplos históricos. Dilma montou em um burro xucro que já derrubou políticos bem mais experientes. E nem sei se Lula saberia cavalga-lo com sucesso.
Mas a situação se agrava quando se ignoram os sinais. Os trabalhos preventivos são eficazes antes da besta acordar. Depois, que Deus nos ajude e o Diabo não atrapalhe.
Por isso mesmo, as manifestações de junho de 2013 foram um presente para o governo Dilma e o PT, uma sinalização para começar a agir e reduzir os pontos de desgaste.
Nada foi feito. Demorou muito para entenderem o fenômeno e até hoje não aprenderam como tratá-lo. Ambos - partido e Dilma – decidiram recorrer a truques do estoque político tradicional – criar o factoide da Constituição exclusiva para desviar a atenção da mídia, esperando com isso desviar o assunto. Ou, como fez José Eduardo Cardozo ontem, o discurso convencional sobre a democracia, a tolerância. Vale para o dia da malhação de Judas. Mas e a estratégia maior para o dia seguinte?
Apesar dos alertas altissonantes das manifestações de junho de 2013, das provas claras de que a besta estava solta, que o país ingressava em novo tempo político, não se mudou em nada o estilo de governo, não se abriu nem o Estado nem o partido às demandas dos novos grupos ou à participação da sociedade civil, não se buscou a participação dos diversos setores sociais e econômicos na definição das políticas públicas.
Pelo contrário, Dilma radicalizou ainda mais seu voluntarismo de baixo discernimento até o limite da crise fiscal e social. E, quando veio a Lava Jato, deixou que o tema fosse cavalgado pela mídia montada em vazamentos seletivos.
Alguém comparou ao ato de tirar doce de criança. Errado. As crianças reagem, nem que seja chorando.
O cenário futuro
O que se tem agora são os seguintes personagens e/ou eventos.
O efeito das manifestações
Manifestações duram um dia, deixam ecos e podem se repetir. Mas não comandam a política.
Só surtem efeito quando os governantes perdem totalmente a condição de governabilidade. Aí servem de álibi para o jogo político, como ocorreu com Fernando Collor. Quem o derrubou não foram os “caras pintadas”. Foi sua falta de jogo de cintura para atender às demandas dos políticos e dos grupos de mídia.
As manifestações não levarão ao impeachment de Dilma, a não ser que continue a errar reiteradamente – aliás, não é impossível.
O poder do eleitor só se manifesta no período eleitoral.
Nesse sentido, as manifestações marcam o fim do ciclo petista no poder. Dificilmente o partido – e o governo Dilma – se recuperarão até 2018, menos ainda até 2016.
O próximo período
Quem comandará o próximo período?
O PSDB virou um grupelho radical. Internamente, em vez de levantar novos nomes, intelectuais, políticos com pensamento renovado, limitou-se a ir a reboque da mídia e da besta. Com isso passou a ter a cara disforme do senador Aloyzio Nunes, com um ódio tão visceral de dar engulhos, pelo primarismo e pela violência. É ele, Serra, FHC, Aécio que representarão o novo almejado pelas multidões?
Nesse lusco-fusco político, qualquer aposta é temerária. Em 1989 emergiu Fernando Collor, cavalgando as ideias de Margareth Tachter e do sentimento anti-Brasilia, correndo ao largo dos partidos políticos e do próprio sistema Globo – que só aderiu à sua candidatura quando percebeu que os candidatos preferenciais, Mário Covas e Guilherme Afif, estavam fora do páreo.
E agora?
As estratégias até 2018
O grande desafio de Dilma será levar o país inteiro até 2018. Será a maior contribuição que seu governo poderá dar ao sistema democrático e ao projeto que ela em tese representa.
As frentes de batalha serão as seguintes:
1.    Recompor a base de apoio político. Aparentemente começou a trabalhar com um conselho mais profissional.
2.    Recompor sua base de apoio social. Só conseguirá isso se der um corte radical no seu estilo de governo e abrir-se para as demandas sociais e econômicas, revigorando os conselhos empresariais e sociais. Tudo isso amparada em uma estratégia de comunicação
3.    Redefinir os eixos do desenvolvimento. No Ministério Dilma há um Ministro com visão mais ampla de desenvolvimento: Nelson Barbosa. A nova base política exigirá um Ministério novo. Dilma deveria aproveitar  para juntar a visão sistêmica de Barbosa com a imaginação luxuriante de Roberto Mangabeira Unger, e definir linhas centrais de atuação de cada Ministério, para uma ação minimamente articulada.
O desafio de Dilma será se preparar para 2016. 2015 está morto, será o ano de juntar os cacos. Dependendo do trabalho que for feito, poderá se reabilitar em parte no próximo ano. Ou afundar de vez.
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