sábado, 6 de agosto de 2022

Jô Soares (1938-2022): tango na redação da Manchete e aniversário da Fatos & Fotos


Jô (Dr. Sardinha) apresenta a Delfim Netto uma cesta de frutas e legumes,
com destaque para o abacaxi. Dizia-se, na ocasião, que Delfim, nomeado ministro da
Agricultura, não distinguia jaca de uva.
   

 

por José Esmeraldo Gonçalves

O celular deveria existir para registrar em vídeo um hábito nunca explicado de Jô Soares ao adentrar a redação da Manchete. O Gordo, sem dizer palavra, enlaçava Adolpho Bloch e saía dançando um tango com ele. A cena era rápida e a chegada do Jô - que tinha muitos amigos na Bloch e de vez em quando ia ao Russell - era inesperada. Se fosse um encontro marcado, algum fotógrafo da casa teria registrado a dança que era silenciosa para a pequena plateia de jornalistas, mas, talvez, sonora na cabeça dos dois: quem sabe, tocava um "Los Mareados", de Hugo Baralis durante a inusitada performance.  

Jô na capa comemorativa da Fatos & Fotos Nº 1000

Jô fez muitas capas para a Manchete. Não há registro de negativa ao pedido de um repórter desesperado para marcar um matéria com o humorista, apresentador e escritor. Na Fatos & Fotos isso aconteceu pelos menos duas vezes. Em 1980, a apenas quatro dias do fechamento, alguém descobriu que chegaria às bancas a edição número 1000 da revista. Nessas ocasiões, a Manchete, o carro-chefe da Bloch, fazia grande números especiais com grande investimento: Manchete 30 anos, 40, 45, Manchete Nº 2000 etc. Para a F&F, que vivia em crise, essas comemorações passavam geralmente em branco. Foi feito um caderno especial de 32 páginas com uma retrospectiva de matérias publicadas pela revista. E a capa? Quem toparia posar em jogo rápido antes do fechamento que se aproximava? Jô. 

O Gordo estava em cartaz com espetáculo em um teatro em São Paulo. A sucursal correu para montar a foto das mil semanas, que aí aparece, com bolo e tudo, feita por Mituo Shiguihara, com produção de Denise Orensztejn. 

Em outra ocasião, Jô posou como cartomante, sem produção, para a F&F. A bola de cristal era um globo de luminária que a reporter Heloísa Marra levou de casa. O turbante, ela comprou em Copacabana. O improviso era para uma matéria sobre previsões para 1981.

Em 1979, a ditadura nomeou o economista Delfim Netto para o ministério da Agricultura. O czar da Economia durante o governo de Garrastazu Médici virou piada. Dizia-se que se fosse a uma feira livre poderia confundir jaca com uva tal era seu conhecimento sobre o setor agrícola. Foi o que bastou para o "Planeta dos Homens" criar o "Doutor Sardinha" para ironizar Delfim. Claro que a Manchete se mobilizou para fazer uma capa com os dois Gordos nacionais. Jô topou na hora, Delfim pode até ter hesitado, mas não perdeu a chance de aparecer ao lado de uma figura tão popular. 

* Jô Soares morreu na madrugada de sexta-feira, 5/8, em São Paulos, aos 84 anos. 


3 comentários:

Nilton Muniz disse...

E a queda do Jô ao errar a porta blindex (fechada) da redação e se chocar com o vidro quase perto da mesa do Wilson Passos? Aconteceu e não virou Manchete.

Nilton

Célia disse...

Jô vai fazer muita falta nesse Brasil desorientado. Vá com Deus

Mônica disse...

Ser contemporânea da alegria do Jô em temoos tão tristes foi um alívio. Obrigada