segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Lairton Cabral: lá-áá, lá-áá, nosso viajante-mor da Alfa Bravo... • Por Roberto Muggiati

Redação da Manchete, 6 de outubro de 1977, meus quarenta anos comemorados com champanhe francês. O tipo de mix que só a Bloch sabia reunir: Aloisio Neves, preso recentemente na Operação Quinto do Ouro; Wilson Cunha, chefe de redação e crítico de cinema; eu, editor da revista Manchete; Lairton Cabral, o factótum do império de comunicação da Bloch; e o Marechal, chefe dos contínuos e espião-mor de Adolpho Bloch, incluído nos anos 50 na lista dos dez homens mais elegantes do Rio de Janeiro do Ibrahim Sued.


Durante anos, eu ligava para o Lairton Cabral no dia 5 de outubro e lhe desejava um Feliz Aniversário. Confesso que fiquei um pouco relapso depois da falência da Bloch em 2000. Ele, não – me telefonava religiosamente todo 6 de outubro. A sucessão dos librianos na Manchete começava no dia 4 com George Gurjan, passava por Lairton, por mim e prosseguia com Vera Gertel (7), Adolpho (8), Jaquito (10), Jader Neves (13), Murilo Melo Filho (14). Alberto – nosso humorista-mor – desguiava para Escorpião em 28 de outubro e a lista fechava com Oscar Bloch Sigelmann em 1º de novembro – reparem, estes 28 dias incluíam o Círculo do Poder, que Adolpho chamava a Troika: ele, o Oscar e o Jaquito. 

Colado ao chefe, como a fiel secretária Marta, Lairton tinha, entre suas múltiplas funções, a de “tirar” passagens aéreas para deus-e-todo-mundo. A certa altura da década de 1960, a Editora Abril simplificou o problema das viagens dos funcionários criando uma agência de turismo própria: não só minimizava seus custos, como faturava com as viagens dos outros. Ao longo das décadas, Lairton continuou sendo a agência-do-eu-sozinho da Bloch e imaginem a imensidão de suas responsabilidades quando, a partir de 1983, a empresa ampliou suas atividades com a Rede Manchete de Televisão. Isso incluía megacoberturas como as Olimpíadas e as Copas do Mundo, além de outras movimentações de reportagens e dramaturgia. A novela Pantanal, recorde de audiência histórico, foi toda filmada no Mato Grosso. A novela Brida, inspirada no romance de Paulo Coelho, teve suas sequencias de abertura todas filmadas na Irlanda. E lá ficava o Lalá até a meia-noite colado ao telefone na caixa de cristal do Russell. 

Ao contrário da Abril, que privilegiava a “cultura do memorando”, na Bloch tudo se fazia pelo telefone. A atuação empresarial de Adolpho Bloch acontecia no reduzido espaço de poucos centímetros quadrados da mesa da secretária Marta, onde o capo apoiava o cotovelo, comandando: “Ligue pra Fulano!” “Telefone para Sicrano” “Me chama aquele cagalhão de Lucas!” 

Lairton também ganhava seu dia de lápis e papel na mão e fone colado ao ouvido durante sua longa jornada. Conhecia oralmente todos e todas as agentes e recepcionistas de companhias aéreas do país. Alguns – algumas – eram relações de anos e tinham adquirido até certa intimidade. Lalá era mestre no jargão do metiê. Sabia usar o Alfabeto Fonético como poucos. Ironicamente, ao requisitar uma passagem para o chefe – que estava geralmente por perto – baixava o volume de voz: justo o nome do desafeto aparecia duas vezes no de Adolpho. “A de Alfa, D de Delta, O de Oscar, P de Papa, H de Hotel, O de Oscar.” 

Às vezes o visitante desavisado ao gabinete do Presidente – entrava quem queria, à hora que queria – topava com uma situação insólita: Adolpho Bloch de calças arriadas recebendo no glúteo uma injeção aplicada por Lairton, que, entre outras coisas, tinha noções de paramédico.

Há dois ou três meses, Lalá me ligou, com a voz lépida e fagueira de sempre: “Muggi, estou fazendo sessenta anos... de casamento. Casei mocinho, eu tinha vinte e três anos,” Contestei a aritmética do amigo: “Peraí, Lalá! Há sessenta anos você tinha vinte e dois. Em outubro nós vamos fazer oitenta e três!” 

A tergiversação quanto à data tinha já um ar premonitório. Não vou poder mais desejar Feliz Aniversário ao Lairton no próximo cinco de outubro, Nem receber dele as felicitações no dia seguinte, Mas, de uma coisa estou certo. Recitando o Alfa-Bravo como só ele sabia, embarcou numa bela viagem de primeira classe...

2 comentários:

Unknown disse...

Bela homenagem, Muggi... E mais do que merecida !!!! Wilson Cunha

Administrador disse...

Mensagem compartilhada de postagem anterior
Lalá sempre foi um grande amigo, um homem do bem. Durante anos cuidou de todos os jornalistas da Bloch, principalmente aos que viajavam constantemente pelo Brasil e pelo mundo, como só os anjos da guarda e os pais o sabem fazer.

Suba na luz, querido companheiro e amigo.
Frederico Mendes