A entidade chamada Mercado é cada vez mais onipresente em todos os setores. No ramo jornalístico um exemplo foi a trajetória da Abril. Quando os Civita venderam 30% das ações para um fundo americano, inicialmente, e para sul-africanos, depois, com direito a um assento na diretoria, foi inoculado no DNA da editora o vírus do Mercado. Mesmo no nível de editores de redação, quando por ocasião de alguma medida drástica como corte de custos ou de pessoal, vinha junto a justificativa: "o acionista está pressionando por melhores resultados". Esse tipo de interferência enlouquecia os gestores, que passavam a improvisar "reformulações" que quase sempre davam errado e podiam se refletir na qualidade do jornalismo praticado. Vê-se que não deu certo e levou a Abril a pique.
O Mercado também dita o rumo das editorias de economia da grande mídia, o que dá para entender já que os controladores dos principais veículos estão integrados à especulação financeira e suas demandas. Considerando o conceito de Economia como ciência social que busca a racionalização dos recursos utilizados pela população e o consequente bem-estar da sociedade, é fácil constatar que a grande mídia não tem editorias nem colunistas de Economia, apenas editoria e formadores de opinião de Mercado.
Mercado pinta, borda e derruba governos. Mercado pode, por exemplo, como no caso do Brasil, impor um cartel de bancos que manda a competitividade pro espaço e dita altas taxas de serviço e de juros. Mercado tem força para ir buscar no caixa público recursos que eventualmente perde em crises que ele mesmo provoca, como durante o caos especulativo de 2008. Mercado governa. Mercado faz cabeças e pode conduzir o comportamento da sociedade. Está nos jornais hoje, a informação de que o Flamengo recusou acordo com Ministério Público e Defensoria Pública sobre a reparação aos familiares dos dez jogadores mortos em um contêiner-dormitório. As famílias pedem um total de R$57 milhões e o clube oferece R$5 milhões. A diferença é grande e, sem acordo, o Flamengo vai tentar nova negociação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que imagina ser mais favorável. Um diretor afirmou ao Globo que "o MP não representa as famílias e estava agindo com uma postura em tom ameaçador". Já há alguns anos o Flamengo é dirigido por executivos oriundos, em sua maioria, do Mercado. Uma administração que admitiu privilegiar a contabilidade. Há quase seis anos o time não ganha título relevante, mas está com as finanças em dia. Talvez seja essa mentalidade - a de minimizar o prejuízo e baixar a cotação da tragédia, típica de "homens do Mercado" - que conduz a linha de negociação com as famílias vítimas da absurdo incêndio do contêiner-dormitório que tinha apenas uma porta de saída.
A reforma da Previdência é uma forte demanda do Mercado e, segundo sua porta-voz, a grande mídia, o futuro mamão-com-açúcar dos brasileiros depende de sete guardiões: reforma trabalhista, já feita em parte, reforma tributária, a caminho, pacote de privatização ampla, a caminho, reforma orçamentária, política do Estado mínimo, em andamento, abertura irrestrita do comércio exterior, à vista... e reforma da Previdência. Quando tudo isso for feito, pregam o Mercado e a mídia, até o vendedor do carro do ovo terá a vida mansa de um norueguês (*).
Os jornais noticiam a chegada do projeto da reforma da Previdência ao Congresso. Dão grande espaço ao acontecimento, isso talvez seja comparável apenas ao número de páginas que teria a seleção brasileira quando e se hexacampeã. A reforma é elogiada em editorial, colunas e reportagens. Destaca a suposta "redução de privilégios", mas os analistas não explicam porque consideram "privilégio" um benefício pago a um idoso ou julgam ser "mordomia" um abono salarial, nem porque alardeiam reduzir o déficit do sistema ao mesmo tempo em que aliviam patrões de contribuições como a dos 8% para o FGTS de quem se aposenta e continua trabalhando. Passam ao largo da crítica em nome de uma defesa mística do cálice sagrado. O governo anuncia que a reforma trará uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos. Mas o Mercado acredita que essa suposta economia ficará em torno de R$ 500 bilhões. Só a dívida dos sonegadores da Previdência chega a R$ 590 bilhões e crescendo. O governo diz que mandará ao Congresso em 30 dias um projeto de lei para agilizar a cobrança. Diz também que outro PL enquadrará categorias que ficaram de fora. O Congresso tem ampla maioria de empresários, muitos eleitos com o apoio do Mercado, além de diversos outros grupos de pressão. Aprovará?
Dizem que são grandes as chances de deputados e senadores - que pra variar receberão agrados do governo - aprovarem a reforma. Assim como são enormes as chances de bancadas de setores corporativos defenderem seus interesses, livrarem a cara e deixarem a conta com o velhinho de pijama. Isso sem falar que o caixa do governo é único, mas poderes endinheirados como Judiciário e Legislativo, que mamam na chupeta das aposentadorias milionárias, não estão sendo chamados a colaborar com a "vaquinha" que, segundo promete o ministro Paulo Guedes, vai fazer com que o Mercado despeje investimentos no Brasil.
Paulo Guedes diz que a Previdência é um "avião destinado a cair". Um projeto que mexe com um e não mexe com todos não vai salvar o avião. Apenas dará paraquedas a uma minoria e direito a salto em queda livre para a maioria.
(*) A Noruega ocupa a primeira posição no ranking global de IDH 2018 (Índice de Desenvolvimento Humano). O Brasil está no 79° lugar. Comparando com o Brasileirão, que é disputado por 20 clubes, o patropi estaria na quarta divisão mundial.
ATUALIZAÇÃO em 22/2/2019 - Quando à citação à negociação do Flamengo com os familiares da tragédia do Ninho do Urubu, ontem houve a rodada de conversas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A postura e a proposta do Flamengo revoltaram os parentes dos meninos mortos no incêndio contêiner-dormitório que virou uma armadilha mortal.
O Mercado também dita o rumo das editorias de economia da grande mídia, o que dá para entender já que os controladores dos principais veículos estão integrados à especulação financeira e suas demandas. Considerando o conceito de Economia como ciência social que busca a racionalização dos recursos utilizados pela população e o consequente bem-estar da sociedade, é fácil constatar que a grande mídia não tem editorias nem colunistas de Economia, apenas editoria e formadores de opinião de Mercado.
Mercado pinta, borda e derruba governos. Mercado pode, por exemplo, como no caso do Brasil, impor um cartel de bancos que manda a competitividade pro espaço e dita altas taxas de serviço e de juros. Mercado tem força para ir buscar no caixa público recursos que eventualmente perde em crises que ele mesmo provoca, como durante o caos especulativo de 2008. Mercado governa. Mercado faz cabeças e pode conduzir o comportamento da sociedade. Está nos jornais hoje, a informação de que o Flamengo recusou acordo com Ministério Público e Defensoria Pública sobre a reparação aos familiares dos dez jogadores mortos em um contêiner-dormitório. As famílias pedem um total de R$57 milhões e o clube oferece R$5 milhões. A diferença é grande e, sem acordo, o Flamengo vai tentar nova negociação no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que imagina ser mais favorável. Um diretor afirmou ao Globo que "o MP não representa as famílias e estava agindo com uma postura em tom ameaçador". Já há alguns anos o Flamengo é dirigido por executivos oriundos, em sua maioria, do Mercado. Uma administração que admitiu privilegiar a contabilidade. Há quase seis anos o time não ganha título relevante, mas está com as finanças em dia. Talvez seja essa mentalidade - a de minimizar o prejuízo e baixar a cotação da tragédia, típica de "homens do Mercado" - que conduz a linha de negociação com as famílias vítimas da absurdo incêndio do contêiner-dormitório que tinha apenas uma porta de saída.
A reforma da Previdência é uma forte demanda do Mercado e, segundo sua porta-voz, a grande mídia, o futuro mamão-com-açúcar dos brasileiros depende de sete guardiões: reforma trabalhista, já feita em parte, reforma tributária, a caminho, pacote de privatização ampla, a caminho, reforma orçamentária, política do Estado mínimo, em andamento, abertura irrestrita do comércio exterior, à vista... e reforma da Previdência. Quando tudo isso for feito, pregam o Mercado e a mídia, até o vendedor do carro do ovo terá a vida mansa de um norueguês (*).
Os jornais noticiam a chegada do projeto da reforma da Previdência ao Congresso. Dão grande espaço ao acontecimento, isso talvez seja comparável apenas ao número de páginas que teria a seleção brasileira quando e se hexacampeã. A reforma é elogiada em editorial, colunas e reportagens. Destaca a suposta "redução de privilégios", mas os analistas não explicam porque consideram "privilégio" um benefício pago a um idoso ou julgam ser "mordomia" um abono salarial, nem porque alardeiam reduzir o déficit do sistema ao mesmo tempo em que aliviam patrões de contribuições como a dos 8% para o FGTS de quem se aposenta e continua trabalhando. Passam ao largo da crítica em nome de uma defesa mística do cálice sagrado. O governo anuncia que a reforma trará uma economia de R$ 1,1 trilhão em dez anos. Mas o Mercado acredita que essa suposta economia ficará em torno de R$ 500 bilhões. Só a dívida dos sonegadores da Previdência chega a R$ 590 bilhões e crescendo. O governo diz que mandará ao Congresso em 30 dias um projeto de lei para agilizar a cobrança. Diz também que outro PL enquadrará categorias que ficaram de fora. O Congresso tem ampla maioria de empresários, muitos eleitos com o apoio do Mercado, além de diversos outros grupos de pressão. Aprovará?
Dizem que são grandes as chances de deputados e senadores - que pra variar receberão agrados do governo - aprovarem a reforma. Assim como são enormes as chances de bancadas de setores corporativos defenderem seus interesses, livrarem a cara e deixarem a conta com o velhinho de pijama. Isso sem falar que o caixa do governo é único, mas poderes endinheirados como Judiciário e Legislativo, que mamam na chupeta das aposentadorias milionárias, não estão sendo chamados a colaborar com a "vaquinha" que, segundo promete o ministro Paulo Guedes, vai fazer com que o Mercado despeje investimentos no Brasil.
Paulo Guedes diz que a Previdência é um "avião destinado a cair". Um projeto que mexe com um e não mexe com todos não vai salvar o avião. Apenas dará paraquedas a uma minoria e direito a salto em queda livre para a maioria.
(*) A Noruega ocupa a primeira posição no ranking global de IDH 2018 (Índice de Desenvolvimento Humano). O Brasil está no 79° lugar. Comparando com o Brasileirão, que é disputado por 20 clubes, o patropi estaria na quarta divisão mundial.
ATUALIZAÇÃO em 22/2/2019 - Quando à citação à negociação do Flamengo com os familiares da tragédia do Ninho do Urubu, ontem houve a rodada de conversas no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A postura e a proposta do Flamengo revoltaram os parentes dos meninos mortos no incêndio contêiner-dormitório que virou uma armadilha mortal.
3 comentários:
Nenhuma palavra na mídia comprometida com esse mercado de especulação financeira sobre o agravamento da desigualdade social com essa reforma cruel.
Segundo o que sai na mídia o Flamengo está tendo uma postura lamentável e vergonhosa com as famílias dos atletas que morreram no clube. Atitude covarde
Mercado é a milícia financeira
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