O cartaz da Copa de 1950 |
Minha mãe trocava minha fralda quando Leônidas da Silva inventou a bicicleta. Aos oito meses de idade, eu não tinha a menor ideia de que o mundo era uma bola. Artilheiro da Copa do Mundo da França, em 1938, o “Diamante negro” fez sete gols, um deles descalço, ao perder uma chuteira no aguaceiro que foi o jogo contra a Polônia. Eliminado pela Iugoslávia e Espanha nas Copas de 1930 (Uruguai) e 1934 (Itália), o Brasil poderia ter sido campeão na França, não fosse a ausência de Leônidas, contundido, na semifinal contra a Itália, que ganhou por 2x1 com um pênalti duvidoso marcado pelo juiz suíço.
A "zebra" que virou filme |
Veio a Guerra, veio o pós-Guerra e o Brasil sediou a Copa de 1950. Com meus tenros doze anos chorei lágrimas amargas ouvindo pelo rádio com meu avô cego a final contra o Uruguai. Uma compensação: minto se disser que nunca vi um jogo de Copa do Mundo, vi dois, em Curitiba, no Durival Britto e Silva, em Vila Capanema. Paraguai 2x2 Suécia e Espanha 3x1 Estados Unidos, este com o polêmico Mário Viana como referee (era como se chamava o juiz na época). Aquele bisonho time norte-americano feito de imigrantes trabalhadores braçais (o soccer era um pária nos EUA), eliminaria quatro dias depois em Belo Horizonte a Inglaterra, uma das grandes favoritas. O feito foi celebrado até num filme americano de 2005, The Game of Their Lives/Duelo de campeões, com o jogo no Estádio Independência de BH filmado no campo do Fluminense, no Rio.
Em 1954, a Copa aconteceu na Suíça. O Brasil estreou um novo uniforme, com a camisa amarela e os calções azuis – depois da derrota no Maracanã em 50 a camisa branca e o calção azul usados desde 1919 eram considerados azarados. A seleção foi eliminada nas quartas pela Hungria, que perderia a final para a Alemanha. Esta foi a primeira Copa que acompanhei já de dentro de uma redação, desde março eu trabalhava como redator na Gazeta do Povo de Curitiba.
Em 1958, uma nova geração entrava em campo na Suécia.
Guardo muito viva a lembrança de Pelé salvando a pátria contra o País de Gales com
o único gol da partida, o seu primeiro numa Copa, depois de um belo “chapéu” no
defensor (passa a toda hora na TV). A memória foi marcante porque eu acompanhava
a partida pelo rádio numa caminhonete da reportagem a caminho do local nos
arredores de São José dos Pinhais onde havia caído o Convair da Cruzeiro do
Sul, causando a morte do senador Nereu Ramos, do governador de Santa Catarina
Jorge Lacerda e do deputado Leoberto Leal.
Em 1961, estudando jornalismo em Paris, tive o privilégio de ver Pelé jogar pelo Santos (5x4 contra o Racing) num torneio internacional no Parc des Princes.
Em
1962, de volta de Paris e a caminho de três anos na BBC de Londres – numa fase
muito louca da minha vida que batizei de “Seis meses num DKW” – lembro do
domingo da final da Copa do Chile, Brasil 3x1 Checoslováquia, eu rodando de
carro com uma namorada, a certa altura subimos a serra até Vila Velha, no segundo
planalto. Quando voltamos ao centro de Curitiba, bem na Cinelândia, o Brasil
fazia o terceiro gol, o DKW quase levantou voo com as bombas cabeça-de-negro
que estouravam debaixo da sua carroceria.
Em
1966 o país inventor do soccer foi brindado como sede da Copa. Repórter
especial da Manchete em Frei Caneca,
sem participar diretamente da cobertura, lembro que meu colega Muniz Sodré, que
falava russo, entrevistou o goleiro soviético Lev Yashin, de passagem pelo Rio.
Algumas peculiaridades: em meados de abril, a revista Time publicou uma reportagem de capa sobre London: The Swinging City,
no que pareceu a muitos uma sutil matéria paga encomendada para encher a bola
da Inglaterra. Houve também o episódio da taça Jules Rimet, roubada por alguns
dias e encontrada por um cachorro em seu pacato passeio com o dono. Tempos
depois escrevi um texto sobre a Copa da Inglaterra intitulado “O ano da Taça
Roubada”, o duplo sentido aludindo à bola que bateu no travessão superior sem
cair dentro da risca, mas foi marcada como gol para a Inglaterra, na final com
a Alemanha.
Uma
referência ao salto tecnológico nas comunicações: em 1966 só víamos os jogos no
dia seguinte, quando o videoteipe chegava por malote; já em 1970, assistíamos
às partidas do México ao vivo por satélite, mas em preto e branco; e na Copa da
Alemanha, em 1974, vimos os jogos ao vivo e em cores.
México, Copa de 1970- A histórica foto de Orlando Abrunhosa na capa da Fatos & Fotos |
No ano do Tri eu expiava os meus pecados numa semanal maldita, a Fatos&Fotos, prima pobre da Manchete. Fazendo uma revista mais jovem e descolada, ameaçávamos o carro-chefe, e isso desagradava profundamente Adolpho Bloch. Era muito difícil lidar com o capo, mas de repente entrou em cena a doce figura do Hélio Bloch que, com toda sua diplomacia, passou a intermediar meu relacionamento com Adolpho. Foi assim que, fazendo fé na seleção de 1970, começamos a preparar uma edição especial de Fatos&Fotos. Se o Brasil não fosse campeão no México, ficaríamos com um encalhe monumental de 150 mil exemplares na Gráfica de Parada de Lucas. O Hélio assumiu a responsa e seguimos em frente. A sorte estava o nosso lado, F&F por data de fechamento recebeu as fotos do jogo de estreia do Brasil, contra a Checoslováquia, e dei na capa aquela foto fantástica do Orlandinho Abrunhosa dos Três Mosqueteiros – Pelé socando o ar ladeado por Tostão e Jairzinho – que uma semana depois saía colorizada na capa do Paris-Match. Terminada a final de domingo do 4x1 na Itália, saí de casa no Leme atrás de um táxi que me levasse à redação, no meio da multidão ensandecida. Fechamos a edição com radiofotos do jogo em p&b e terça-feira cedinho Fatos&Fotos chegava gloriosa às bancas com a primeira edição do Tri no Brasil, no mundo, “quiçá na galáxia”, como diria o saudoso JK.
Em
1974, os sonhos do tetra foram atropelados por um futebol novo e sensacional, o
Carrossell Holandês, também chamado de Laranja Mecânica (pela cor das camisas e
por associação com o filme irreverente de Stanley Kubrick, A Clockwork Orange.) A
Holanda nos despachou e perdemos ainda o 3º lugar para a Polônia. A Alemanha
venceu a final e a Laranja Mecânica tentaria de novo sua sorte na final
seguinte, contra a Argentina, na Copa de 1978. Na derrota de 74 Justino Martins
tirou da gaveta uma capa bizarra copiando uma ideia da revista alemã Stern: uma foto de Zagallo com a
cabeça inchada em forma de bola de futebol.
Copa esquisitíssima a de 1978! A Argentina
começou perdendo para a Itália. Correu o risco de ser eliminada pelo Brasil num
empate sem gols numa nervosa noite de domingo em Rosário. Para ir à final, precisava
vencer o Peru por quatro gols ou mais,. E não é que, num jogo duvidoso, goleou o time de Chumpitaz, Cubillas e Manzo
por 6x0?. Na final, ganhou sua primeira
Copa derrotando a Holanda. O Brasil ficou em 3º, vencendo a Itália. Não perdeu
um único jogo nessa Copa, sagrando-se o “campeão moral”. Na época eu tinha
trocado de mulher, trocado de apartamento e traduzia o best seller Holocausto, uma série de repercussão
mundial que passaria na TV Globo.
Em 1982, na Espanha, tínhamos uma de nossas melhores seleções, aquela de Zico, Sócrates e Falcão, comandada por Telê Santana, Paolo Rossi, mas fomos eliminados em Barcelona pela Itália num hat trick do infernal Paolo Rossi. Vimos o jogo de pé na TV da sala do Adolpho, a cada gol de Rossi ele me abraçava eufórico e eu dizia: “Mas, Adolpho, foi gol deles!” Se serve de consolo, Josué Montello e eu fizemos parte do júri que deu o Prêmio Esso à foto do garotinho brasileiro chorando na arquibancada do estádio Sarriá.
Em
1986, a Colômbia, endividada, desistiu de sediar a Copa, que acabou voltando
para o México. O Brasil foi eliminado pela França nas quartas de final na
decisão por pênaltis. Foi a Copa de Diego Maradona, coroada por aquele gol
contra a Inglaterra feito pela “mano de
Diós”... A Argentina venceu a Alemanha na final por 3x2.
Meio
século depois, a Copa voltou à Itália, em 1990. O Brasil do técnico Sebastião Lazzaroni
foi eliminado pela Argentina ainda nas oitavas por 1x0, gol de Caniggia. O
estilo da seleção foi batizado pela imprensa de Era Dunga, pela ênfase
defensiva e pelo temperamento taciturno do volante, que chegaria a capitão do
time do Tetra e a chefiar o escrete na Copa de 2010.
Um
lance bizarro na Copa da Itália foi a tentativa frustrada do goleiro colombiano
Higuita, metido a líbero, de driblar o atacante de Camarões Millá, causando a
derrota da Colômbia por 2x1. A nota triste foi a morte de João Saldanha, quando
fazia a cobertura da Copa para a TV Manchete – Saldanha que renunciou ao cargo
de técnico da seleção em 1970 alegando interferência do ditador Emílio
Garrastazu Médici na escalação do time. E um episódio doméstico muito estranho
me aconteceu logo após a eliminação do Brasil pelo gol de Caniggia. Naquela
tarde de domingo, não sei por que – talvez para descarregar a tensão – decidi
ir ao banheiro fazer a barba. De repente, o pesado armário espelhado de metal
embutido despencou sobre mim. Felizmente, esquivei-me a tempo. Foi então que
fiquei sabendo da existência de cupins terríveis que corroem o concreto, eu
achava que eles só comiam madeira e papelão...
Em
1994, veio o tão sonhado tetra, no embalo de Romário, Bebeto & Cia, uma
conquista dedicada a Ayrton Senna, morto no circuito de Imola em 1º de maio. Manchete publicou uma edição especial,
sem a repercussão esperada. Talvez ganhar uma Copa na disputa de pênaltis tenha
gerado uma atmosfera anticlimática – seja como for, salve Roberto Baggio, com
aquele chute estratosférico, lembrando os petardos do futebol americano sobre
aquelas traves elevadas...
Em 1998, na França, foi aquela história que todos sabemos. Cony –
especialista em informações de cocheira tipo “O-Tancredo-não-vai-tomar-posse” –
telefonou de Paris na madrugada da final anunciando: “O Ronaldo não vai jogar!”
Não jogou. E Zinedine Zidane fez a festa, no primeiro título dos franceses. Foi
nossa última Copa na redação. No final de setembro, pela primeira vez em meus 33
anos de Bloch Editores, a folha de pagamento não deu o ar de sua graça.
Passamos a receber “vales” aleatórios muito abaixo do nosso salário. Até o dia
1º de agosto de 2000, quando a empresa decretou falência e as portas do
majestoso conjunto de prédios da Rua do Russell desenhado por Oscar Niemeyer
foram lacradas para sempre.
Ronaldo Fenômeno se redimiu em 2002 na Copa do Japão e da Coreia, ao lado
de Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo, Cafu e outras feras. Aquele gol de falta do
Ronaldinho encobrindo o goleiro inglês! E o gol de bico do Fenômeno contra a
Turquia! Sem falar no magistral 2x0 contra a Alemanha na final. A seleção
comandada por Felipão era a primeira a chegar ao penta – e continua no topo.
Em 2006, a segunda Copa na Alemanha, o Brasil caiu nas quartas de final, novamente o algoz foi a França. O vilão eleito foi Roberto Carlos, que estaria distraído ajeitando o meião enquanto Thierry Henry concluiu a assistência na cobrança de falta de Zidane garantindo o 1x0 da vitória. Em nova final por pênaltis, a Itália derrotou a França, conquistando o seu tri.
Em 2010, foi a Copa das vuvuzelas na África do Sul. E a entrada de um novo país para o seleto clube de campeões, a Espanha. O Brasil de Dunga foi eliminado nas quartas pela Holanda, que se sagrou vice de uma Copa pela terceira vez.
A Copa de 2014 nos traz tristes memórias: a do apagão contra a Alemanha nos 7x1 de Belo Horizonte (nosso torcedor emérito Mick Jagger estava na arquibancada do Mineirão) e a derrota de 3x0 para a Holanda na disputa do terceiro lugar. Alemanha e Argentina fizeram uma final parelha no dia 13 de julho no Maracanã e um gol solitário de Götze na prorrogação (113’) deu o tetra à seleção dirigida por Joachim Low.
Na Copa da Rússia, em 2016, o canário que cantou mais alto foi belga. O Brasil foi eliminado nas quartas de final pela Bélgica, que terminou o torneio em terceiro. A França venceu a Croácia na final por 4x2, conquistando sua segunda Copa.
O torneio da FIFA é um clube fechado de oito países que detêm os 21 troféus: Brasil, 5; Alemanha e Itália, 4 cada; Argentina, Uruguai e França, 2 cada; Inglaterra e Espanha, 1 cada.
Agora temos um cenário totalmente inusitado: a primeira Copa no final do ano, num pais islâmico do Oriente Médio e a última com o formato de 32 equipes: a edição de 2026, no Canadá-Estados Unidos-México, será ampliada para 48 seleções.
O Brasil – único país que participou de todas as 22 edições da Copa do Mundo – é um dos grandes favoritos, com um desempenho impressionante nas eliminatórias: venceu 14 jogos, empatou três, teve o melhor ataque (40 gols) e a melhor defesa (cinco gols), com 88% de aproveitamento, seis pontos à frente da Argentina. Além de um elenco de craques com um vasto repertório de qualidades, Tite conta com uma equipe de assistentes que analisa praticamente 24 horas por dia o comportamento técnico, tático e emocional de seus comandados. Com a velha prancheta obsoleta na lixeira, sua seleção movida à base de aplicativos espertos tem tudo para dar certo. Mas no futebol, como em tudo, o subjetivo e o imponderável às vezes provocam surpresas. Vamos aguardar o último capítulo, no dia 18 de dezembro, às 12 horas, no estádio de Lusail.
2 comentários:
Grandes vitórias do Brasil. Podia ser mais. Brasil deu mole em duas copas. A de 50 que estava ganha e deram bobeira e a de 98 quando Zagalo fez a besteira de escalar Ronaldo doente com edmundo Brasil ganhava da França. O copa de 82 não ia vir mesmo. O time era bom mas a Itália foi melhor.
Será que a França vai ser tri?
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